Asilo na Bélgica: outra vez?! Ainda ?!

Nos anos 90 houve um grave diferendo entre a Espanha e a Bélgica, a propósito de alguns cidadãos espanhóis, de origem basca, presumidos membros da ETA, que pediram o estatuto de refugiado na Bélgica e cujo pedido foi admitido pelo Estado belga para posterior apreciação de fundo do mesmo.

Por causa desse conflito, por altura da conclusão do Tratado de Amesterdão, os Estados europeus, conscientes das dificuldades e até dos embaraços diplomáticos que o reconhecimento do direito de asilo a nacionais de outros Estados-membros lhes coloca, decidiram celebrar um “Protocolo relativo ao direito de asilo de nacionais dos Estados-membros da União Europeia”. Este Protocolo, atendendo à iniciativa que esteve na sua origem, ficou conhecido como o Protocolo Aznar.

O Protocolo previa a possibilidade de um Estado-membro decidir, unilateralmente, aceitar um pedido de asilo de um nacional de outro Estado-membro (alínea d) do artigo único do Protocolo) ou de o aceitar em situações excecionais onde haja desrespeito pelos direitos e liberdades fundamentais, como seja em caso de suspensão de certos direitos por haver estado de necessidade (alínea a) do artigo único do Protocolo), ou em caso de violação grave e persistente, constatada ou em fase de apreciação pelo Conselho, dos “princípios da liberdade, da democracia, do respeito pelos direitos do Homem e pelas liberdades fundamentais, bem como do Estado de Direito“, “princípios que são comuns aos Estados-membros“(alíneas b) e c) do artigo único do Protocolo).

Na altura, acreditou-se que esta situação anómala seria transitória. A breve trecho, a todos os europeus seria reconhecido o direito de fixação de residência num Estado da União em termos equiparados aos nacionais e os direitos fundamentais tornar-se-iam património comum indiscutido de toda a União, tornando desnecessários pedidos de asilo.

Eis que, em 2017, duas décadas depois, o problema volta a colocar-se de novo. E, por ironia, com os mesmos Estados como protagonistas, a Espanha e a Bélgica. Como é possível?

Carta à I Comissão – Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias A propósito do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11.10.2017, proferido no Processo nº355/15.2GAFLG.P1

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Na sequência do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11.10.2017, proferido pelo Juiz Neto Moura enquanto relator, considerando que o mesmo atenta de forma manifesta e gravosa contra os direitos fundamentais e a igualdade de género e que constitui uma preocupante violação dos mais elementares princípios de uma sociedade democrática e de direito, um grupo de associados do Forum Demos condena de forma peremptória o referido acórdão e exige que sejam tomadas medidas sérias em relação ao mesmo. Nesse sentido, manifestam a sua posição através de carta dirigida à I Comissão para os Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que agora partilhamos.

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O Debate sobre a questão catalã: unidade nacional e democracia.

 

 

A bipolaridade tolda a razão

Por Álvaro Vasconcelos

O PP de Rajoy criou uma bipolaridade à volta da questão catalã, com um conjunto de medidas de confrontação, que incluíram a destruição do estatuto da Catalunha de 2006, violência policial contra cidadãos que queriam votar pacificamente e a prisão de líderes da sociedade civil catalã. A dissolução das instituições da Catalunha, nomeadamente, do seu governo democraticamente eleito, é a última etapa da estratégia nacionalista, que procura colocar do “outro lado” como interlocutores os sectores mais radicais do movimento independentista Catalão, com a agravante de contar com o apoio do PSOE.

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A nossa península já foi sábia

Artigo de opinião de Rui Tavares, publicado no Jornal O Público a 10 de Outubro de 2017

 

Houve um tempo em que na nossa península nasceram os que podem ser considerados os três maiores sábios das três grandes religiões do livro. Dois deles em Córdova: primeiro o muçulmano Averróis, nascido em 1126, filósofo da ciência, da tolerância e da educação — incluindo a educação das mulheres —; logo depois em 1135 o judeu Maimónides, médico, filósofo e autor do livro com um dos mais belos títulos jamais imaginados, o Guia para perplexos. O terceiro nasceu nas Ilhas Baleares, talvez em 1315: era o cristão Ramon Llull, matemático, viajante, diplomata e autor de uma novela mística na sua língua materna catalã, oLlibre de meravelles (Livro de Maravilhas, em português — esta gente tinha talento para títulos).

E houve um tempo, agora mesmo, enquanto se esperava por saber se o governo da Catalunha declarava ou não a sua independência unilateral de Espanha, em que eu só pensava nesse outro tempo em que a nossa península era sábia. Sabem porquê? Porque também houve muitos outros tempos em que a nossa península não foi sábia. Tempos em que cristãos, muçulmanos e judeus se massacraram em vez de se traduzirem, lerem e conversarem como fizeram os nossos três sábios. Tempos da Inquisição. Tempos da Guerra Civil de Espanha. Por isso, enquanto esperava pela declaração (ou não) unilateral de independência, eu só pensava nos tempos em que a nossa península foi sábia, e nos tempos em que ela não soube sê-lo. Continuar a ler “A nossa península já foi sábia”

Em defesa do discurso de Filipe VI de Espanha

Por Maria Carlos Oliveira

 

 “Desde as eleições americanas de Novembro de 2016, pelo menos, as coisas ficaram mais claras. A Inglaterra perdeu-se no seu sonho de império – versão fim do século XIX; os Estados Unidos querem recuperar a sua grandeza – versão pós-guerra, fotografia a sépia, 1950. A Europa, a Europa continental, encontra-se sozinha, fraca e mais dividida do que nunca. A Polónia sonha com um país imaginário; a Hungria já não quer senão Húngaros de «gema»; os Holandeses, os Franceses e os Italianos estão a contas com partidos que querem emparedar-se dentro de fronteiras igualmente imaginárias. A Escócia, a Catalunha, a Flandres querem tornar-se países. Tudo isto enquanto o Urso russo lambe os beiços e a China realiza enfim o seu sonho de voltar a ser «o Império do Meio», ignorando os interesses de todas as periferias. Em vias de desmembramento, a Europa conta tanto como uma noz num quebra-nozes. E, desta vez, não pode contar com os Estados Unidos nas mãos de um novo rei Ubu[1].”[2]

 

Devo começar por dizer que sou republicana e nunca simpatizei com os movimentos independentistas na Espanha democrática.

Hoje, 10 de outubro de 2017, à hora em que escrevo, ainda não sei o que vai acontecer na Catalunha. Ando há dias a refletir sobre o assunto e a escrita tem sido mais lenta do que a velocidade dos acontecimentos!

Compreendo as raízes históricas dos movimentos independentista do País Basco e da Catalunha, cujas populações sofreram duramente, por exemplo, durante a Guerra Civil Espanhola e durante o regime de Franco. O dramatismo da História levou Pablo Picasso a pintar a Guernica (1937), que é um grito dilacerante contra a brutalidade de um bombardeamento aéreo perpetrado, em 26 de abril de 1937, pela Legião Condor, alemã, que metralhou e despejou 30 toneladas de bombas sobre a população civil, num dia de mercado, com o objetivo de humilhar o povo basco; levou George Orwell a escrever a Homenagem à Catalunha (1938), para imortalizar a resistência heroica dos antifascistas catalães, que se uniram às forças republicanas para combater Franco; levou Manuel Vázquez Montalbán, que “sofreu duramente às mãos da polícia franquista, devido à sua militância comunista”, a recriar nos seus livros, “de forma sublime, o ambiente vivido na Catalunha naquela época”[3]. Continuar a ler “Em defesa do discurso de Filipe VI de Espanha”

Espanha Invertebrada

Ninguém ganha com a fragmentação de Espanha,por isso todos têm interesse numa solução  negociada. A violência só aprofundou a fratura. O governo espanhol e as autoridades da Catalunha devem sentar-se a discutir antes que seja demasiado tarde.Diálogo é a palavra chave para sair da crise,- é o que todos devem dizer ao governo de Rajoy.

Os catalães queriam decidir o seu futuro pelo método democrático, isto é, pelo voto, futuro esse que poderia ser a sua adesão ao projeto espanhol ou a independência. O Estado espanhol reagiu, como o fez no século XVII, enviando as forças de repressão, neste caso a Guardia Civil. Que o espírito de muitos era de guerra ficou bem provado pelas bandeiras e os gritos guerreiros de alguns guardas que partiam, mas sobretudo dos que se vinham despedir dos combatentes. Chegaram à Catalunha e depararam-se com uma população pacífica (parecia que Gandhi tinha por lá passado), que só procurava exercer o seu direito de voto e com uma polícia catalã que recusava recorrer à violência para impedir os seus concidadãos de votarem. A consequência foi que a maioria esmagadora votou e a Guardia Civil atacou onde pôde, agredindo cidadãos de todas as idades, cenas que chocaram o mundo. Não me recordo de nenhum outro caso, em regimes democráticos, de violência contra pessoas que queriam votar.

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Alemanha, Europa: ano zero

 

A Europa está no seu ano zero, na encruzilhada entre a gravidade da crise da democracia europeia, confirmada pelas eleições alemãs, e as propostas de Emmanuel Macron para a refundação da União.

Com a vitória de Macron em França, pensou-se cedo demais que a crise europeia era já uma coisa do passado. As eleições alemãs são um aviso de que o problema europeu está longe de estar resolvido e que ninguém, nem mesmo a Alemanha, escapa ao mal estar dos cidadãos com os partidos que governaram as democracias europeias desde o fim da Segunda Guerra Mundial. A Alemanha é também a prova de que a crise, muito mais do que económica, é política: é uma crise da democracia europeia, que atinge particularmente os partidos socialistas e social-democratas.

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