Carta à I Comissão – Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias A propósito do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11.10.2017, proferido no Processo nº355/15.2GAFLG.P1

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Na sequência do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11.10.2017, proferido pelo Juiz Neto Moura enquanto relator, considerando que o mesmo atenta de forma manifesta e gravosa contra os direitos fundamentais e a igualdade de género e que constitui uma preocupante violação dos mais elementares princípios de uma sociedade democrática e de direito, um grupo de associados do Forum Demos condena de forma peremptória o referido acórdão e exige que sejam tomadas medidas sérias em relação ao mesmo. Nesse sentido, manifestam a sua posição através de carta dirigida à I Comissão para os Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que agora partilhamos.

Carta à I Comissão – Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias       

A propósito do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11.10.2017, proferido no Processo nº355/15.2GAFLG.P1

 

A violência doméstica constitui uma chaga social no nosso país.

A Constituição Portuguesa tem como um dos seus princípios básicos a igualdade entre homens e mulheres.

Portugal é parte da Convenção das Nações Unidas para a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres, desde 1980, e da Convenção do Conselho da Europa sobre a prevenção e o combate à violência contra as mulheres e a violência doméstica, Convenção de Istambul, desde 2014, ambas vigorando na ordem jurídica portuguesa com carácter vinculativo. No âmbito desta última, Portugal comprometeu-se a assegurar que a cultura, os costumes, a religião, a tradição ou a pretensa “honra” não sejam considerados justificação de actos de violência.

Foi recentemente tornado público um acórdão do Tribunal da Relação do Porto, no qual se tecem considerações sobre o facto de «o adultério da mulher [ser] um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem.» Faz-se ainda uma alusão às sociedades «em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte», bem como a semelhante punição estabelecida na Bíblia e ao facto de o Código Penal de 1886 punir de forma meramente simbólica «o homem que, achando sua mulher em adultério, nesse acto a matasse». Tais referências serviriam para «acentuar que o adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente (e são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras) e por isso vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher». Conclui-se com a constatação de que foram «a deslealdade e a imoralidade sexual da assistente que [fizeram] o arguido X cair em profunda depressão e foi nesse estado depressivo e toldado pela revolta que praticou o acto de agressão».

Tendo sempre por referência o escrupuloso cumprimento do princípio constitucional da separação e interdependência de poderes, bem como o inatacável princípio constitucional da independência dos tribunais, os subscritores não podem, no entanto, deixar de manifestar à I Comissão – Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a que V. Exa. preside, a enorme preocupação suscitada pelo conteúdo e fundamentação do acordão referido, em particular no que toca à parte acima citada.

Assim, pedem os subscritores a essa Comissão que se debruce com carácter de urgência sobre as matérias políticas e jurídicas convocadas por aquela decisão, no que tange à igualdade de género, direitos das mulheres e combate à violência com base no género. Em concreto, pedem que seja apreciada a possibilidade e oportunidade de o Estado português, no âmbito da discussão do novo Plano Nacional contra a Violência Doméstica e/ou por via legislativa:

– Intensificar a formação de operadores judiciários (juízes, procuradores e advogados) em matéria de igualdade de género, violência contra as mulheres e violência doméstica, não só na formação inicial, mas também na formação contínua daqueles profissionais;

– Considerar a conveniência de distinguir com clareza, no tipo legal do crime de violência doméstica, a diferente natureza conceptual de uma conduta que constitua uma demonstração de violência de género daquela em que isso não aconteça;

– Analisar, através de um estudo sistemático das reincidências, as consequências de medidas como a suspensão provisória do processo ou a condenação em pena suspensa;

– Promover a eliminação das atitudes estereotipadas no que diz respeito aos papéis e responsabilidades das mulheres e dos homens na família e na sociedade, designadamente através de uma estratégia abrangente e diversificada, o que inclui, por exemplo, mecanismos de regulação do uso de estereótipos de género discriminatórios nos meios de comunicação social;

  • Deixar claro que a desigualdade de género e a violência doméstica não são dois conceitos que estão simplesmente relacionados entre si em função da matéria, mas existe entre ambos um nexo causal, pelo que sem combater eficazmente a primeira não se logrará combater a segunda.

 

Porto,27 de Outubro de 2017

Ana Rodrigues,jurista, Forum Demos

Álvaro Vasconcelos, Forum Demos

Luísa Schmidt, socióloga,Forum Demos

Andreia Sofia Pinto  Oliveira, jurista, Forum Demos

Rui Tavares, historiador, Forum Demos

Um pensamento em “Carta à I Comissão – Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias A propósito do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11.10.2017, proferido no Processo nº355/15.2GAFLG.P1”

  1. Fico muito satisfeita com a intervenção do Fórum Demos nesta matéria, que subscrevo na íntegra.
    A minha indignação já se tinha traduzido na assinatura da petição que circulou na internet.
    Maria Carlos Oliveira

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