Para ler o artigo na integra no Público de 22 de Junho de 2020
A narrativa de um país pós-racial dificulta o combate ao racismo que é hoje a grande ameaça à vida democrática, ideologia que é da extrema-direita defensora da supremacia branca. O mesmo desafio enfrenta o combate anti-racista no Brasil, apesar de esforços notáveis como o Museu Afro Brasileiro de São Paulo.
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O discurso salazarista, sobre a missão civilizadora do império, encontrou uma fonte de inspiração no sociólogo brasileiro Gilberto Freire, que desenvolveu o luso-tropicalismo para sustentar a sua visão do Brasil como país pós-racial, além-racial. Daí para o Portugal pós-racial foi o salto que deram Gilberto Freire e o regime, para se oporem ao processo de descolonização. Salazar abandonou, nos anos 60, o discurso racista com o que em 1933 da “proteção das raças inferiores cujo chamamento à nossa civilização cristã é uma das conceções mais arrojadas e das mais altas obras da colonização portuguesa”, mas manteve as práticas do trabalho forçado dos negros e a violência racial, como, aliás, pude constatar nos anos que vivi em Moçambique.
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Ao olhar para o passado com olhar crítico, não estamos a tirar a identidade a ninguém, estamos a consolidar a identidade cidadã que fomos construindo desde o 25 de Abril, assente nos direitos fundamentais, na solidez da nossa democracia, no consenso partilhado pela maioria da opção europeia. Identidade que permite a análise crítica da nossa História e que não pressupõe uma referência cultural ou religiosa única, porque dela não depende.
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Não nos devemos envergonhar ao descobrir que muitos dos nossos ídolos eram menos “santos” do que pensávamos. O que nos deve envergonhar é a persistência do racismo e o encobrimento, em nome do nacionalismo, de crimes contra a humanidade, como a escravatura, a inquisição e o colonialismo, e o que nos deve orgulhar é a capacidade de Portugal em garantir a igualdade e os direitos fundamentais de todos os que cá vivem.