Ciclo de debates | Memória e Democracia – Direitos Humanos com Irene Pimentel e Pedro Dallari

O Forum Demos, em colaboração com a Casa Comum da Universidade do Porto, a Cooperativa Árvore, o Centro Nacional de Cultura e a a Universidade Lusófona, iniciou um novo ciclo de debates luso-brasileiros sob o título “Memória e Democracia”, comissariado por Álvaro Vasconcelos. O terceiro debate do ciclo terá lugar sexta-feira, dia 9 de abril, pelas 18h30 (Lisboa)/ 14h30 (São Paulo) e terá transmissão pelo Youtube, através do canal do Forum Demos.

Neste debate abordaremos a temática da “Direitos Humanos”, com Irene Pimentel, historiadora, e Pedro Dallari, jurista e antigo Presidente da Comissão Nacional da Verdade.

As ditaduras portuguesa e brasileira são responsáveis por crimes graves contra os direitos humanos, como a prisão arbitrária, a tortura e o homicídio. A forma como decorreram as transições democráticas nos dois países explica, talvez, o facto de não ter sido exposta toda a verdade sobre esses crimes, bem como o porquê de não terem sido julgados, nem, consequentemente, condenados os seus principais responsáveis.

Em 1977, foi criada pelo governo português a Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascista, cujos trabalhos tiveram um impacto público muito reduzido e não levaram a quaisquer consequências jurídicas.

Em 2011, o Estado Brasileiro constituiu a Comissão Nacional da Verdade (CNV), destinada a resgatar, mesmo que tardiamente, a memória do período autoritário, embora, uma vez mais, sem que produzisse consequências jurídicas significativas.

O combate à impunidade e o direito à verdade são, desde os anos 90 do século passado, considerados essenciais pela comunidade internacional para prevenir o revisionismo. A história dos crimes cometidos contra o povo português e contra o povo brasileiro pertence ao seu património.

À luz da Declaração Universal dos Direitos Humanos que tipo de crimes foram cometidos em Portugal e no Brasil, durante a ditadura? Como se explica a impunidade que gozaram e gozam os responsáveis por crimes graves contra os direitos humanos, durante as duas ditaduras? Porque é que, no atual contexto político, é importante um trabalho de “memórias” sobre as ditaduras portuguesa e brasileira? Estas são algumas das questões que iremos discutir.

O maior inimigo da democracia… o medo, intervenção de Alexandre Quintanilha*

Presidente, Deputados, Membros do Governo …

É em momentos difíceis que procuramos alicerces que nos ajudem a confiar num futuro melhor.

E são vários os atuais desafios: a pandemia do Covid 19, as alterações climáticas, a fragilização do emprego e o retrocesso de múltiplos avanços na Coesão territorial, na Igualdade de direitos e oportunidades e na nossa qualidade de vida em geral.

Tudo desafios que claramente têm vindo a fragilizar as nossas Democracias e requerem uma atenção redobrada dos que as defendem.

A esse alicerce damos o nome de Conhecimento.

Porquê? Porque todos queremos confiar que as decisões (as nossas e as dos outros) se baseiem no Conhecimento mais robusto existente e não em meras opiniões (que como sabemos, proliferam).

E, no entanto, frequentemente esquecemo-nos que o Conhecimento leva tempo.

A investigação e a inovação alimentam-se mutuamente, mas é um processo longo e extenso.

O mesmo se pode dizer da Confiança e da própria Democracia. Levam tempo a construir.

Que por isso mesmo, será sempre um trabalho inacabado, que exige uma aposta continuada.

Quando os desafios são complexos e requerem respostas de vários domínios em simultâneo, o trabalho torna-se gigantesco. Claramente o caso dos desafios que enfrentamos.

Exige diálogo e compromissos que não são fáceis de conseguir. E que também levam tempo nas Democracias que queremos consolidar.

Tempo esse que frequentemente é sonegado aos decisores, não só políticos.

O “Me First” ou “Eu Primeiro” de má memória recente (do outro lado do Atlântico), e tão visível e recorrente à nossa volta, não só não ajuda como enfraquece e destrói esse trabalho essencial de construção de consensos.  

O Conhecimento tem como origem a dúvida e como objetivo o esclarecimento.   

Das respostas que se acumulam, surgem invariavelmente mais perguntas e dúvidas.

Se tivermos sorte, a incerteza vai sendo ultrapassada.

O Covid 19 é um excelente exemplo desse processo.

Não deveria surpreender ninguém que certas decisões tenham de ser revistas regularmente.

É sempre um trabalho inacabado.

E é também em momentos de crise que percebemos que o maior inimigo da Democracia e do Conhecimento não é a incerteza … é a Mentira.

Porque a Mentira é sempre assertiva e categórica. Nunca tem dúvidas.

Porque se baseia na Ignorância. É fácil, é simplista, e explora a fragilidade do Outro.

Porque normalmente esconde poderosos interesses económicos, políticos e ideológicos, e por isso mesmo, é amplamente financiada, mesmo a nível internacional.

Porque as Certezas são mais fáceis de ser transmitidas nas Redes Sociais e nos Média. Ocupam menos espaço e exigem menos explicação …  (o que 94% dos americanos – Veem, Ouvem ou Leem, estão nas mãos de 6 grandes empresas com uma visão muito particular do “jornalismo de investigação”).

Jornalistas que questionam os Negacionistas são ameaçados, inclusive de morte, e até em Portugal.

Porque repetir muitas vezes a mesma Mentira, funciona.

E porque a insegurança e o Medo são fáceis de vender.

E, talvez o mais grave de todos estes aspetos, é que a Mentira promove a Autocracia.

E temos vários exemplos desse Medo – As chamadas Teorias da Conspiração

  1. Que as Vacinas são perigosas! (esquecendo-nos da magnífica história de Jonas Salk e da irradicação da polio, como de tantas outras, ou do facto que em menos de 1 ano temos várias vacinas contra a Covid 19, mas ironicamente … ainda nenhuma contra o HIV)
  2. Que as Alterações Climáticas são inventadas! (esquecendo-nos de que há 60 anos que as previsões se concretizam)
  3. Que os transgénicos e agora os produtos da Agricultura Celular são alimentos Frankenstein!
  4. Ou que as Eleições foram roubadas!

Por isso, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Membros do Governo,

Promover o Conhecimento e a Literacia, em todos os domínios do saber será sempre a forma mais eficaz de lutar contra a Insegurança, o Medo e a Mentira.

*intervenção de Alexandre Quintanilha, cientista, professor universitário e deputado parlamentar do PS, na Assembleia da República a 25/02/2021.

Reformar o sistema, salvar a democracia, por Pedro Bacelar de Vasconcelos*

Está em curso o debate público sobre o Programa de Recuperação e Resiliência que foi dotado pela União Europeia de poderosos recursos financeiros. É uma viragem drástica quando se recorda a regra de ouro do “orçamento zero” – cuja consagração constitucional teve também em Portugal fervorosos adeptos! – e assistimos à polémica que ainda hoje suscita a sua eventual revogação da Constituição alemã… Ou quando se evoca o modo como a Grécia foi salva da expulsão iminente – ao cabo de sucessivas reuniões inconclusivas do Eurogrupo, em 2015 – graças à intervenção inesperada de François Hollande e de Angela Merkel. Para não relembrar, enfim, a dolorosa experiência da austeridade imposta nos quatro anos de governo da coligação PSD/CDS.


Como dizia aqui na semana passada, a destruição económica provocada pela pandemia e a dimensão catastrófica da crise humana e social que ela engendrou, ironicamente, salvaram a Europa da deriva neoliberal que quase a condenou à desagregação irreversível, reconduzindo a solidariedade ao lugar central que lhe tinham destinado os seus pais fundadores, “cansados da ruína e destruição das duas guerras mundiais que marcaram a primeira metade do século passado.” É verdade que estes recursos financeiros são indispensáveis mas seria insensato admitir que a profunda crise de representação que hoje afeta a generalidade das democracias pode ser combatida com êxito, sem que tenham lugar reformas audaciosas do sistema político que assegurem “mais igualdade, transparência, participação e liberdade”. Porque a liberdade, nas sociedades democráticas, é indissociável da igualdade. O crescimento das desigualdades promove o populismo, destrói a confiança e alimenta pulsões autoritárias. Os preconceitos centralistas, por seu lado, desmobilizam a participação dos cidadãos e desprezam os seus contributos, ampliando a opacidade dos processos de decisão e a rigidez das hierarquias sociais. Assim se amanha o terreno propício onde grassa a intolerância e o autoritarismo que só pelo aprofundamento da democracia é hoje possível combater.


Por isso, é necessário começar pelo território e colmatar a omissão inconstitucional que persiste entre o poder local e a administração central: a legitimação democrática das cinco regiões administrativas. Para reabilitar o poder legislativo, é indispensável acabar com a eleição dos deputados em listas fechadas, sem oportunidade de expressão das preferências dos eleitores. Porque é possível fazê-lo com a salvaguarda da proporcionalidade do sistema eleitoral. Feito isto, reveja-se então a Constituição para acabar com a eleição direta do Presidente da República, fonte permanente de todas as tentações messiânicas. Uma vez reforçada a legitimidade democrática dos deputados, é o Parlamento o lugar certo para a eleição do Chefe de Estado.

*Deputado e professor de Direito Constitucional