Edgar Morin no Ciclo de Conferências A vida dos intelectuais no exílio. FD associou-se ao evento da Gulbenkian em Paris

No passado dia 22, decorreu na Fundação Maison des sciences de l’homme (FMSH) mais uma conferência do ciclo dedicado à vida dos intelectuais no exílio. O FD associou-se à iniciativa. O ciclo, que começou em março de 2023, reuniu esta semana Isabel Soares (Fundação Mário Soares), Edgar Morin (Sociólogo e filósofo), Guilherme d’Oliveira Martins (Administrador da Fundação Gulbenkian), Christophe Araújo (Université Paris Nanterre) no encontro sobre o percurso de Mário Soares. A organização anunciou que neste dia pretendia “reafirmar os ideais de liberdade e igualdade da revolução democrática portuguesa de abril, prestar homenagem a todos os exilados portugueses em França e à hospitalidade recebida neste país de acolhimento.” Álvaro Vasconcelos, fundador do Forum Demos e coordenador deste Ciclo, moderou a sessão.

A conferência na Fundação Maison des sciences de l’homme foi amplamente participada.

A Jornalista do Público Teresa de Sousa, também membro do Forum Demos, fez a cobertura da conferência.

Partilhamos o artigo publicado no Jornal Público, aqui:

FD Podcast assinala 50 anos de Liberdade :: T2/Ep2 Entrevista a Maria Teresa Horta “Havia sobretudo uma grande alegria a nascer”

No dia em que celebramos 50 anos de Liberdade, partilhamos um contributo para a aprofundar e eternizar. No segundo episódio da série que integra o programa do FD alusivo aos 50 anos do 25 de abril, recebemos Maria Teresa Horta, referência incontornável do feminismo em Portugal.

Venham daí ouvir uma longa e intimista entrevista a Maria Teresa Horta, escritora, jornalista e poetisa, por Joana Pinho, com introdução de Inês Granja e edição de João Fernandes.

Na íntegra aqui. Façam play, ouçam, desfrutem e partilhem!

Viva a Liberdade! Fascismo nunca mais!

CARTAZ ABRIL DE FRATERNIDADE :: DEBATE – 13 DE ABRIL, 16H, ÁRVORE

«O que propomos nesta conversa é olhar para o mundo a partir do estilhaço e da possibilidade invisibilizada que fica nesse resto. A arte afrodiaspórica atua no sentido de acabar com o mundo de cabeça para baixo criado pelo colonialismo, para que uma nova possibilidade de vida possa emergir. Esta proposta subversiva ainda não pode ser nomeada. Por agora, podemos apenas dizer – com Silvia Rivera Cusicanqui – que gostaríamos de ver um mundo de regiões, não de nações, de bacias hidrográficas, não de departamentos ou províncias, de cordilheiras, não de cadeias de valor, de comunidades autónomas, não de movimentos sociais.» – Kitty Furtado

Legislativas 2024 :: OPINIÃO Afirmar um projeto de centro-esquerda na sociedade portuguesa, por Leonardo Costa


Na cabeça da esquerda, a esquerda ama o povo e a direita não. Como o povo não é muito dado aos amores platónicos da esquerda, de outro modo, não quer saber disso para nada, a esquerda acaba por ter com o povo um amor que é, digamos, não correspondido, até porque idealiza um povo que não existe.


Dito o acima, a afirmação da esquerda que é de esquerda (ama o povo) e por isso é contra a direita (que não o ama) não lhe garante, a meu ver, sucesso eleitoral. Para ter sucesso eleitoral, a esquerda precisa de ser menos sectária (pois o sectarismo é autodestrutivo), ter domínio da realidade e entender as pessoas como elas são e não como as idealiza e dialogar com as mesmas. Só assim, a comunicar com as pessoas reais, conseguirá entender o que passa na cabeça das mesmas e a partir daí imaginar, aristotelicamente, o possível (em termos daquilo que possa ser, no presente, um projeto progressista para a sociedade portuguesa) e concretizá-lo. Projeto que terá de ter essa capacidade de diálogo com o centro político e outras forças democráticas, para, num futuro próximo, poder ter sucesso eleitoral e gerar transformações positivas na sociedade portuguesa. Projeto de centro-esquerda. Politicamente e não só, para o bem e para o mal, as coisas são dinâmicas e não estáticas. Há mudanças no presente que podem permitir no futuro outras mudanças que no presente não são possíveis, ou seja, alargar o campo das possibilidades no tempo. O que significa que aquilo que é direita, centro e esquerda são alinhamentos cujos pontos centrais variam no tempo.

O país acordou hoje com uma maioria de direita. Não creio que isso tenha correspondência com uma maioria da população sociologicamente conservadora. Algo a investigar.

Com ajuda das suspeitas de corrupção, que explorou até á medula, o sucesso do Ventura nas eleições não foi nos debates televisivos, nem nas ruas. Foi mais no modo como trabalhou as redes sociais. Durante a campanha, o Ventura passava as manhãs a comunicar com as pessoas nas redes sociais e a criar toda uma realidade alternativa que se exprimiu nas urnas. Sejam quais forem as razões do sucesso da personagem, entender as mesmas é meio caminho para as conseguir contrariar, para parar uma dinâmica que não tem interesse nenhum para a sociedade portuguesa.

por Leonardo Costa, agrónomo e economista

FD Podcast :: T4/Ep 3 Política Internacional, com Bruno Cardoso Reis e Teresa de Sousa

Hoje, lançamos o quarto episódio dedicado às Legislativas 2024. Conversamos com Bruno Cardoso Reis, historiador e professor universitário no ISCTE, autor do Podcast 5 continentes (Observador), e Teresa de Sousa, Jornalista, Redatora principal da secção Mundo do Público, coautora do Podcast Diplomatas (Público).

Bruno Cardoso Reis

Teresa de Sousa

Se ainda não ouviram os dois episódios passados, com Leonardo Costa e Jorge Pinto, sobre Desigualdade, e com Ana Gomes e Ana Rodrigues, sobre Corrupção, ainda é possível. Estão disponíveis no Spotify.

O Forum Demos Podcast conta com a moderação de Inês Granja e a edição de João Fernandes.

Entrevista de Álvaro Vasconcelos para a Rádio França Internacional :: «Falta-nos coerência na política internacional»

A entrevista que aqui se publica é da autoria da Jornalista Eva Massy e foi publicada na Rádio França Internacional no passado dia 21 de fevereiro (aqui). Foi realizada na sequência de uma das conferências do Ciclo «Percursos de intelectuais em exílio», organizado por Álvaro Vasconcelos (Coordenador do Forum Demos) em Paris, com a Fundação Calouste Gulbenkian.

Para ouvir, clique na versão áudio da entrevista.

Álvaro de Vasconcelos, autor e especialista em relações internacionais organiza um ciclo de conferências, em Paris, intitulado “Percurso de intelectuais no exílio: um humanismo sem fronteiras“, que questiona o contributo destes exilados na vida democrática do país que os acolhe. Sejam da Europa do Leste, com Milan Kundera, do Médio Oriente, com a franco-síria Bassma Kodmani, de França, com André breton, ou de Portugal, com Mário Soares, todos têm um ponto comum: a multiplicidade de identidades. 

Que valores e ideiais trazem os intelectuais exilados para o país que os acolhe? Qual é o seu contributo para a vida democrática e a liberdade de expressão e opinião no país onde encontram refúgio? Álvaro de Vasconcelos, antigo director do Instituto de Estudos da União Europeia, organiza em Paris, com a Fundação Calouste Gulbenkian, um ciclo de conferências sobre o exílio político, uma experiência que ele próprio viveu na década de 1970, fugindo da ditadura portuguesa para França.

Subida da extrema-direita 

Álvaro de Vasconcelos decidiu organizar este ciclo de conferências por achar que se vive na Europa, um momento em que se desmoronam “os valores de solidariedade, compaixão e aceitação do outro“, o que nos leva a pôr em causa o acolhimento dos outros, “sobretudo aqueles que são perseguidos noutros países do mundo“. 

A experiência do exílio difere, claro, consoante as épocas. “Não é a mesma coisa que era no tempo em que fui exilado em França, entre 1969 e 1974. Na altura, a França era realmente terra de asílio. Hoje, já não é visto da mesma maneira e existem aliás debates intensos na sociedade francesa em torno desta questão.” 

“Essa ideia que a França era a terra da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade era uma das grandes motivações que nos levava a vir para França em vez de outros países“. O que mudou? A sociedade francesa está atravessa por debates intensos, que já levaram à recente adopção da polémica lei de imigração, aponta o autor e analista, “lembrando que as ideias da extrema-direita se banalizaram e têem uma grande influência“.

Em 1973, Álvaro de Vasconcelos, exilado em França para fugir à ditadura salazarista em Portugal, assistiu à primeira grande manifestação em Paris da Ordem Nova, um partido herdeiro do fascismo (que veio dar origem à Frente Nacional e agora à União Nacional). E recorda: “Fizeram uma manifestação naqueles anos, mas era insipiente“, contrapondo com a maior expressão e visibilidade da extrema-direita a que se assiste actualmente.  

Neste ciclo de conferências, cada debate tratará, portanto, de relembrar que a França foi uma terra de asilo e que isso contribuíu para a luta pela liberdade noutros países do mundo. Importante, sobretudo, para Alvaro de Vasconcelos homenagear “o contributo que os exilados deram para a vida intelectual política e cultural da França“. 

Cerca de cinquenta anos depois de uma onda democrática que viu acabar as ditaduras italiana, alemã, espanhola e portuguesa, vive-se na Europa e no mundo “uma vaga autocrática“.

Português (mas não só) de sangue e coração, Álvaro de Vasconcelos referiu-se ao caso luso que, não deixando de estar inserido num contexto geral da subida da extrema-direita, revela as suas particularidades. De notar, antes de mais, que se assiste em Portugal, pela primeira vez desde o fim da ditadura salazarista, em 1974, à criação de um partido de extrema-direita, o Chega, e à sua crescente preponderância no debate político nacional.

Pensávamos que Portugal era uma excepção, porque fizemos uma revolução há 50 anos, saímos de uma ditadura de extrema-direita e portanto sabemos o que é. Mas há também toda uma nova geração que nasceu depois do 25 de Abril, que não tem verdadeiramente noção do que era a ditadura, que embeleza o passado, olha para o presente com preocupação, e com muita inquietação para o futuro, e vota na extrema-direita.”

Aliás, “Memórias em tempo de amnésia“, título da sua última obra, refere-se precisamente ao facto de, segundo ele, nos termos esquecido o que é uma ditadura de extrema-direita.

Para quem viveu o 25 de Abril, assistir cinquenta anos depois à chegada de um novo partido de extrema-direita, “com força“, cria “inquietação“, claro. Mas o antigo exilado garante, não voltará a fazê-lo, e ri-se. Porque mesmo que haja uma subida exponencial do Chega, “não chegará, nesta fase da história política, para pôr e causa a democracia portuguesa“, confia.

Os partidos do centro, e os partidos democráticos ainda são extremamente fortes. Aliás, uma das características desta campanha eleitoral, que eu vejo com aspecto positivo, foi a capacidade que os líderes democráticos tiveram para desconstruir, nos debates eleitorais, a demogagia do Chega. Isto não trava o voto no Chega. Mas pelo menos mostra que os partidos democráticos portugueses não vão atrás dos discursos da extrema-direita.

Porque o grande risco que se corre, considera “é precisamente esse, o da contaminação do discurso da direita democrática pelo discurso da extrema-direita“. Isso em Portugal, por enquanto, não está a acontecer“. 

É o que se vê, no entanto, em França, perguntamos-lhe? “O que se vê em muitos países europeus“, concede, “incluíndo em França“. 

Falta de coerência internacional sobre a “hecatomba” em Gaza 

Angústia, tristeza e revolta” são as três palavras escolhidas por Álvaro de Vasconcelos quando se refere a Gaza. 

Angústia porque vejo que nada se faz para parar uma hecatomba humana. Milhares de crianças mortas, de mulheres e seres humanos que estão a ser mortos todos os dias sem que ninguém faça nada para o travar. Revolta porque já vimos isso noutros sítios. Sabemos que a comunidade internacional tem uma palavra importante a dizer, mas a Europa está dividida sobre essa questão, e os Estados Unidos que deveriam ter um papel fundamental, não têm.”

Nem o olhar de especialista em relações internacionais e geopolítica o ajuda a perceber porque é que a comunidade internacional (Estados Unidos à frente) “deu um cheque em branco a Israel para cometer um crime contra a humanidade, garante. “Nada justifica o crime do Hamas, como nada justifica a hecatomba, o morticínio, que se pode transformar num genocídio [em Gaza], como aliás o Tribunal penal internacional disse.

Não é fatalismo, é decepção. Porque, do fundo do seu optimismo, Álvaro de Vasconcelos garante que uma pressão internacional conjunta sobre Israel teria resultados.

Nós sabemos que Netanyahu [Primeiro-ministro israelita] é o que é. Um político de extrema-direita, e que será difícil forçar a fazer o que ele não quer fazer. Mas, uma pressão muito forte dos Estados Unidos, com apoio da União Europeia teria, evidentemente, consequências e pelo menos nos daria um sinal de coerência, de que tanto precisamos, em relação à nossa política internacional“.

A próxima conferência do ciclo “Percurso de intelectuais no exílio:um humanismo sem fronteiras“será sobre os exilados franceses durante a segunda Guerra Mundial, a 19 de Março.

Já a 22 de Abril, três dias antes do simbólico quinquagésimo aniversário da Revolução dos Cravos, os exilados portugueses estarão no centro do debate, à volta da figura histórica da oposição à ditadura (e Presidente de 1986-1996) Mário Soares. Uma conferência que contará ainda com a presença do sociólogo e filósofo Edgar Morin. 

CARTAZ DO ENCONTRO SOBRE BASSMA KODMANI, no Ciclo de Conferências “Percursos de intelectuais em exílio” (20/02/2024)

Forum Demos Podcast | T4/Ep.2 :: Combate à corrupção e Estado de Direito, por Ana Rodrigues

Siga-nos e ouça no Spotify o segundo episódio que dedicamos às Legislativas de 2024, sobre a Corrupção, com Ana Gomes, antiga eurodeputada e diplomata, e Ana Rodrigues, consultora jurídica.

O texto que se segue, da autoria de Ana Rodrigues, traduz o olhar da convidada em relação ao tema do episódio.

Apesar de não haver uma definição universalmente adoptada de corrupção, e de haver uma confusão grande entre, por exemplo, o sentido corrente e o sentido penal de corrupção, podemos usar como base de trabalho uma noção razoavelmente lata de corrupção, enquanto abuso de um poder publicamente conferido para obter um ganho privado. Ora, este abuso de um poder publicamente conferido para obtenção de ganhos privados tem impactos profundos ao nível do sistema democrático, e de várias formas. Há talvez
dois grandes eixos que podemos destacar a este propósito: o enfraquecimento democrático propriamente dito e a fragilização dos direitos fundamentais.
Em primeiro lugar, a corrupção comporta um enfraquecimento democrático na medida em que corrói a prestação de contas dos decisores políticos em relação ao público e aos eleitores, sendo mais provável a prevalência de decisões que não são tomadas no interesse público quando existe corrupção. O resultado é um dano ao nível da legitimidade do regime democrático e a perda de apoio e confiança nas instituições. Em segundo lugar, a corrupção é um obstáculo ao exercício dos direitos fundamentais, quer na sua dimensão objectiva, enquanto princípios objectivos da ordem constitucional do Estado, quer na sua dimensão subjectiva, enquanto pretensões individuais. É um obstáculo aos direitos fundamentais porque afronta o princípio da igualdade perante a lei, bem como
os direitos daqueles que já partem de uma posição desvantajosa do ponto de vista social, que são aqueles que mais fortemente dependem dos bens e serviços públicos. Assim, tem sido apontada a necessária co-relação entre boa governação e direitos fundamentais, já que é a boa governação que conduz a um ambiente institucional favorável ao exercício dos direitos fundamentais. E, em contrapartida, um ambiente de protecção e promoção de direitos fundamentais oferece os parâmetros de acordo com os quais é possível avaliar e medir a prestação de contas dos decisores políticos. Em suma, a corrupção tem um efeito corrosivo nas sociedades, pondo em causa a efectividade dos direitos fundamentais e a confiança nas instituições. Por isso – e este é o pressuposto de que partimos nestas linhas – um combate robusto à corrupção é uma
necessidade evidente no quadro do Estado de Direito democrático.

Mas o discurso contra a corrupção e os mecanismos escolhidos para a combater também podem corroer o Estado de Direito democrático, particularmente quando se tornam o centro de narrativas populistas. E há talvez dois grandes riscos ou ameaças postos pelos mecanismos de combate à corrupção que, em vez de aprofundarem – como é suposto – o Estado de Direito democrático, podem debilitá-lo.Por um lado, a prolixidade da investigação e acção penal em relação a titulares de cargos políticos, aliada a sistemáticas quebras do segredo de justiça e a um índice especialmente diminuto de condenações, pode ter como resultado inflamar a percepção da corrupção na opinião pública, causando uma dissociação entre a percepção mediática e a realidade. Na perspectiva da opinião pública – que se agrava num contexto de fortíssima polarização do debate e de inflamação das opiniões nas redes sociais e até nos meios de comunicação
tradicionais, como hoje temos – o sistema de justiça é visto como estando construído de modo a favorecer o infractor. Isto evidentemente leva a uma erosão da confiança nas instituições. Por outro lado, e no limite, podem os próprios mecanismos de combate à corrupção constituir na prática uma interferência sem freio no exercício de cargos políticos, designadamente por parte dos poderes de investigação e acção penal (mesmo que de forma
não deliberada), quando lançam suspeições substancialmente inconsequentes e/ou processualmente débeis, o que pode pôr em causa o princípio da separação de poderes e o princípio democrático. A nível internacional, alias, este problema está já de tal forma identificado que as Nações Unidas, em Agosto de 2023, diagnosticaram um declínio global pelo Estado de Direito, agravado pelo enfraquecimento das instituições nacionais, que se consubstancia em aumento da repressão, corrupção e aumento das desigualdades, mas também em polarização política, instrumentalização das instituições judiciárias, ataques aos direitos humanos, retraimento do espaço de intervenção cívica e manipulação dos meios de comunicação social.

É por isso que importa reflectir sobre as dinâmicas que se estabelecem entre o combate à corrupção e o Estado de Direito, de modo a que aquele sirva para o aprofundamento deste último, e não para sua ameaça. Isto implica várias coisas. Em primeiro lugar, é evidente que há que assegurar que o poder judiciário seja livre de pressões políticas. Mas, por exemplo no que toca ao Ministério Público, deve realçar-se que este não é, em si mesmo, um órgão de soberania nem tem de ser independente. Aliás, constitucionalmente, o MP goza de autonomia nos termos da lei e os seus magistrados são responsáveis e hierarquicamente subordinados. Ora, uma das questões relevantes que se têm discutido recentemente neste contexto prende-se com o facto de a autonomia do Ministério Público em Portugal ter significado, concretamente desde o estatuto de 2019, e por divergências interpretativas, uma anulação da sua hierarquia do ponto de vista da condução de investigações, hierarquia essa que teria a virtualidade de permitir a prestação de contas perante os outros órgãos de soberania e perante a opinião pública. Mas também deve ser sindicada a condução da investigação e acção penal dando a devida atenção aos direitos de suspeitos e arguidos. Isto prende-se directamente com questões como as fugas ao segredo de justiça, as buscas aparatosas, as detenções prolongadas para
interrogatório, muitas vezes sem que exista suficiente indiciação, as notícias cirúrgicas sem substância penal mas que funcionam numa perspectiva de achincalhamento público e convicção de culpabilidade, etc.

Por outro lado ainda, não é demais sublinhar que a justiça não pode funcionar como filtro democrático, que deve ser feito através do voto. Não existem sistemas depurados, sendo a corrupção um mal antigo, transversal a todas as sociedades, nem sempre a nossa percepção da corrupção equivalendo à existência de corrupção numa dimensão correspondente. A narrativa de prevalência da corrupção e a exaltação dos vícios do sistema democrático são
estratégias populistas e são também, histórica e comprovadamente, estratégias de correntes tendentes ao estabelecimento de regimes de carácter menos democrático ou mesmo autocrático. Se falarmos em avaliação da confiança nas instituições em Portugal, na verdade a justiça criminal sai bastante mais maltratada do que a percepção da existência de corrupção. O índice do Estado de Direito (rule of law) do World Justice Project, por exemplo, mede a forma como o público em geral experimenta e percebe o Estado de Direito na prática e nas
situações do dia-a-dia, em todo o mundo. A avaliação é feita tendo por base 44 indicadores e 8 categorias, por confronto com outros países na mesma situação geográfica ou de rendimento. Medem-se os freios à acção governativa, a ausência de corrupção, a abertura do governo, os direitos fundamentais, a ordem e segurança, a regulação pública, a justiça civil e a justiça criminal.
O que este índice nos diz é que a percepção de ausência de corrupção no nosso país (isto porque não se consegue medir a existência de corrupção, apenas a percepção sobre a sua existência) é um indicador que pontua incomparavelmente melhor do que o sistema de justiça penal. Em 31 países do norte global, Portugal está em 26.º no índice relacionado com o sistema de justiça penal, mas em 19.º no índice de ausência de corrupção, sendo que, quanto a este último, dos países do sul da Europa só a Espanha pontua ligeiramente melhor (e é curioso notar por exemplo que, globalmente, os Emirados Árabes Unidos pontuam melhor do que França, Uruguai pontua melhor do que os EUA, Rwanda pontua melhor do que a Eslovénia).
Mas nos mecanismos regulatórios, por exemplo, Portugal pontua significativamente pior. E, em contrapartida, significativamente melhor na existência de contrapesos à acção governativa. Ambas as categorias estão, na verdade, intimamente ligadas à prevenção da corrupção. A posição de Portugal no ranking geral, englobando todas as categorias, é a 21.ª. Tudo isto não significa menorizar o debate sobre a corrupção. Mas ele deve ser feito de
cabeça fria e com dados objectivos e mensuráveis.

Há que, por um lado, distinguir adequadamente entre quais os comportamentos que relevam criminalmente, quais relevam de uma perspectiva de boa administração, numa avaliação jurídico-administrativa, e quais relevam apenas da ordem da ética política e da boa governação. Há alguma dificuldade na destrinça, quer por parte dos actores políticos, quer por parte dos meios de comunicação social, quer genericamente na sociedade, entre a prática de actos que preenchem os tipos legais de crime – seja de corrupção, seja de peculato de uso, seja de tráfico de influências, seja de participação económica em negócio,
etc. – e a prática de actos que relevam apenas do ponto de vista ético, e em relação aos quais se deve fazer uma avaliação política e retirar consequências políticas. E, mesmo numa perspectiva de estrita legalidade e justiciabilidade, há também um afunilamento da acção do Ministério Público na acção penal, em detrimento da sua iniciativa no âmbito do contencioso jurídico-administrativo para prossecução do interesse público. Este afunilamento pode potencialmente levar a absolvições no âmbito penal de matérias que não deixam de ser ilegais e lesivas do interesse público. Por último, importa também reflectir sobre quais os mecanismos de transparência e de prestação de contas (ou accountability) que falta accionar, por exemplo, e são vários, os quais têm um carácter preventivo fundamental. Podemos falar dos diversos obstáculos na
aprovação da regulação do lobbying, como da enorme dificuldade de estabelecer mecanismos de auto-regulação (conflitos de interesses, impedimentos, etc.), como ainda da dificuldade em dar operacionalidade a mecanismos já criados, seja a Entidade para a Transparência ou o Mecanismo Nacional Anti-Corrupção – facetas aliás realçadas nas conclusões da avaliação temática do Grupo de Estados Contra a Corrupção (GRECO) do Conselho da Europa divulgadas este ano.

Em síntese, se, de facto, a luta contra a corrupção não deve ser deixada nas mãos de movimentos populistas, sendo essencial a um Estado de Direito democrático preveni-la e combatê-la em todas as esferas, essa prevenção e esse combate devem ser feitos no âmbito e com os instrumentos do Estado de Direito democrático, e tendo por base a ideia de que é esse o fundamento último para aquele propósito, que não pode por isso mesmo perder-se de vista no caminho.

Por Ana Rodrigues, Consultora Jurídica


FD Podcast :: T4/Ep 2 Corrupção, com Ana Gomes e Ana Rodrigues

Depois de termos estreado na semana passada a nova série de podcasts do Forum Demos, que dedicamos à democracia portuguesa, com Leonardo Costa e Jorge Pinto, trazemos hoje o segundo episódio. Desta feita, recebemos Ana Gomes, antiga eurodeputada e diplomata, e Ana Rodrigues, consultora jurídica, para um debate sobre a Corrupção enquanto assunto essencial das próximas Legislativas. Podem ouvir o episódio AQUI.

Ana Gomes

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Ana Rodrigues

Começamos esta série com um conjunto de episódios dedicados às Legislativas 2024. E até ao dia seguinte às eleições, publicaremos os novos episódios às segundas. Vamos continuar a ouvir membros do Forum Demos sobre muitos outros temas indispensáveis à Democracia, como Política Internacional, Feminismo, Nacional Populismo e Ambiente. Sigam-nos aqui no Spotify!

O Forum Demos Podcast conta com a moderação de Inês Granja e a edição de João Fernandes.

Forum Demos Podcast | T4/Ep.1 :: Desigualdade, Liberdades e Desenvolvimento, por Leonardo Costa

Ouça AQUI o primeiro episódio que dedicamos às Legislativas de 2024, sobre a Desigualdade, com Leonardo Costa, agrónomo e economista, e Jorge Pinto, engenheiro do ambiente e filósofo.

O texto que se segue, da autoria de Leonardo Costa, traduz o olhar do convidado em relação ao tema do episódio.

Desigualdade, Liberdades e Desenvolvimento


No livro Desenvolvimento como Liberdade, de Amartya Sen (Sen, 1999), as liberdades das pessoas são um meio e um fim último do desenvolvimento. Como meio, as liberdades instrumentais ou constitutivas são capacidades ou potencialidades que a sociedade pretende ampliar para as pessoas serem livres, terem qualidade de vida, realizarem-se como pessoas à sua maneira. Sem querer ser exaustivo, Sen (1999) estabelece as seguintes liberdades intrumentais ou constitutivas: i) liberdades políticas; ii) disponibilidades
económicas; iii) oportunidades sociais (educação e saúde); iv) transparência de atuação dos poderes públicos; v) proteção e segurança; e, acrescentamos, vi) clima estável. Ainda segundo Sen (1999), as liberdades instrumentais ou constitutivas alimentam-se umas às outras, isto é, têm, as mais das vezes, relações de complementaridade.

As liberdades das pessoas são um meio e um fim último do desenvolvimento

A desigualdade é multidimensional. As dimensões da desigualdade cruzam-se com as dimensões das liberdades instrumentais ou constitutivas de Sen (1999) e traduzem-se em limitações das mesmas.
A desigualdade de rendimentos (que limita diretamente as disponibilidades económicas das pessoas) tem vindo a aumentar desde os finais dos anos 1970 do século XX, em todos os países do mundo, também nos países mais ricos da OCDE (Gornick, 2014; Piketty, 2014). A continuar esta tendência, podemos partir para níveis de desigualdade pré revoluções liberais. Isto é, para sociedades patrimoniais, onde o lugar das pessoas em sociedade é determinada não pelo que fazem ou deixam de fazer, mas pelo património que herdam
(Piketty, 2014).

O crescimento da desigualdade de rendimentos mencionado é fruto de uma ideologia político-económica conservadora dominante, que alguns designam de neoliberal. A mesma suporta sempre mais mercado (mesmo que o mesmo não seja livre) e menos Estado. Mais, se necessário, sacrifica o liberalismo político (apoiando ditaduras) ao liberalismo económico (que não garante). Em nome do crescimento económico (que também não garante), a referida ideologia tem vindo a desmantelar o Estado providência nos países da OCDE e a limitar as liberdades instrumentais de Sen (1999), em todo o mundo, aumentando a desigualdade em todos os países.

O crescimento da desigualdade de rendimentos mencionado é fruto de uma ideologia

Mas para quê crescer, se os frutos do crescimento não se traduzem numa ampliação das liberdades instrumentais de Sen (1999)? Para quê a liberdade do dinheiro (hiperglobalização financeira) se isso não se traduz numa maior liberdade das pessoas, isto é, em bem comum? Se, como diz Sen (1999), umas liberdades alimentam as outras, então o mesmo se pode dizer no que refere às faltas de liberdades ou desigualdade.

Gornick, J. C. (2014). High and Rising Inequality: Causes and Consequences. General Assembly 69th Session, Second Committee General Debate – Keynote Address, United Nations Secretariat, Conference Room 2.


Piketty, T. (2014). Capital in the Twenty-First Century. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press.


Sen, A. (1999). Development as Freedom (1st ed.). New York: Oxford University Press.

Por Leonardo Costa, agrónomo e economista

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ESTREIA Série Democracia 2024 :: T4/E1 Desigualdade, com Leonardo Costa e Jorge Pinto

ESTREIA HOJE no Spotify a nova série de podcasts do Forum Demos, que dedicamos à democracia portuguesa. Nesta série vamos ouvir membros do Forum Demos sobre Desigualdade, Corrupção, Política Internacional, Feminismo, Nacional Populismo, Ambiente, entre outros temas.

Começamos esta série com um conjunto de episódios dedicados às Legislativas 2024. Até ao dia seguinte às eleições, publicaremos os novos episódios às segundas.

No primeiro, centrado na Desigualdade, para uma conversa que procura identificar pontos essenciais deste tema para as próximas eleições do dia 10 de março, recebemos Leonardo Costa, agrónomo e economista, e Jorge Pinto, engenheiro do ambiente e filósofo.

O Forum Demos Podcast conta com a moderação de Inês Granja e a edição de João Fernandes.

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Leonardo Costa

Jorge Pinto