No mais recente debate Forum Demos, ainda no rescaldo das eleições Presidenciais Francesas, o tom foi esperançoso, considerando porém que se impõe, nos dias que correm, uma reflexão profunda sobre a Democracia e para onde a levamos.
Partilhamos agora algumas considerações de três membros do Forum Demos que participaram no debate.
Por Sofia Oliveira
No ano de 2016, 23 de junho e 8 de novembro e os dias que se seguiram foram difíceis, de espanto, dúvida e medo.
Quando, em janeiro de 2017, reuniram, em Koblenz, os mais destacados membros do Grupo Parlamentar Europeu „Europa das Nações e das Liberdades“, afirmando, em tom triunfalista: „Estamos a viver o fim de um mundo e o surgimento de um novo tempo“ (Marine Le Pen), temi que o novo ano me viesse a dar mais dias maus.
O Brexit e a eleição de Donald Trump eram o motivo para a convicção de que o ano de 2017 seria o ano da „libertação“, o ano em que os povos da Europa Central iriam despertar.
O resultado das eleições legislativas na Holanda trouxe um relativo alívio, mas as eleições presidenciais da França eram particularmente incertas. Pois, se Trump ganhou…
Participei, por isso, com otimismo moderado, na discussão sobre as eleições francesas que o Forum Demos promoveu no dia 5 de maio, no Porto. E partilhei a minha incompreensão pela atitude dos que, perante a segunda volta Macron / Le Pen, manifestaram tibieza no apoio a Emmanuel Macron.
Seguem-se agora as eleições legislativas em França. E vai ser interessante ver como é que um novo sistema partidário fragmentado, que emerge destas presidenciais, e o sistema eleitoral francês, de escolha uninominal, se vão combinar neste novíssimo ciclo político que se inicia agora.
Quanto à Alemanha, ainda estamos longe das eleições legislativas, mas, a esta distância, parece provável a reeleição de Angela Merkel para um „tetramandato“ e a „Alternativa para a Alemanha“, que, há dois meses, rondava os 12% nas sondagens, anda agora pelos 7%.
Em Koblenz, deitaram-se foguetes antes da festa. Correu mal. Ainda bem. Não podemos, porém, repousar no alívio que estes resultados permitiram.
Por Pedro Bacelar de Vasconcelos
À segunda volta, a França indicou de forma clara que escolhia Emmanuel Macron para presidente. Em contrapartida, os 10 milhões de votos recolhidos por Marine Le Pen conferem-lhe um pífio terceiro lugar que se inscreve, algures, entre os 12 milhões de eleitores que se abstiveram e a cifra inédita de 4 milhões de votos brancos e nulos. As esquerdas que na primeira volta votaram em Jean-Luc Mélenchon e Benoit Hamon deram agora um contributo decisivo para a eleição do presidente. Pelo contrário, o grosso dos eleitores da Direita, apesar do apelo de François Fillon, preferiram reagrupar-se ao lado das hostes da Frente Nacional! Podemos então concluir que o principal concorrente de Macron não foi Le Pen. Foi a abstenção! E é precisamente sobre as razões do crescimento da desconfiança dos cidadãos nos seus representantes que o novo presidente tem de refletir com a maior seriedade, para que a globalização, a vontade anónima dos mercados, a burocracia de Bruxelas e a intransigência alemã, deixem de ser os suspeitos do costume para iludir a sistemática violação dos compromissos assumidos nos programas eleitorais e assim decepcionar as legítimas expectativas dos eleitores, desacreditar a política e transformar a representação democrática no instrumento legitimador de uma qualquer oligarquia.
Espera-se do mandato presidencial de Emmanuel Macron que possa trazer um reforço sensível à corrente europeia reformadora – onde se inclui o governo português – que tem alertado insistentemente para a ameaça de desagregação da União, denunciando as políticas que foram impostas aos estados mais afetados pela crise para lhes imputar os custos da construção defeituosa da moeda comum. A quebra da solidariedade entre os povos, o desprezo pela carta dos direitos fundamentais e a demolição do modelo de democracia social que outrora serviu de exemplo ao Mundo, traduzem-se cruelmente na incapacidade de acolher as vagas de refugiados abandonados à morte junto das fronteiras externas desta mesma Europa que repudiou a adesão da Turquia mas consente que os regimes da Hungria e da Polónia – apesar do sistemático atropelo da democracia e dos direitos fundamentais – permaneçam impunemente na União. No discurso de vitória em frente ao Palácio do Louvre, Macron invocou os generosos filósofos das Luzes e proclamou a sua fidelidade aos valores fundacionais da construção europeia. Os franceses que o elegeram, os europeus que o aplaudiram e todos os que dele esperam um testemunho de coerência entre a generosidade do discurso e a firmeza da ação política, estarão atentos e irão exigir-lhe que “respeite a palavra dada!”
Por Maria Carlos Oliveira
A primeira consequência, que é evidente, e que parece estar a ser subestimada por muitos, é a vitória da esperança sobre o medo, sobre o ódio, sobre a extrema-direita e tudo o que ela representa de primário. Outro aspeto importante é ter sido conseguida erguendo bandeiras políticas que muitos esconderam por calculismo ou já se envergonham de levantar, o que constitui uma evidência de que é possível estar na política com outra atitude, à semelhança do que aconteceu também na Croácia. Dizer a verdade e não ter medo de dar a cara por um projeto parecem estar a ser valorizados pelo eleitorado, mesmo quando existem divergências importantes relativamente a alguns aspetos desse projeto. A questão de Macron ser fruto das circunstâncias é para mim uma questão irrelevante porque, afinal, haverá alguém que não o seja?
O que é que Macron vai fazer? Estou expectante porque é preciso que se confirme, no contexto interno e externo o seu engenho, arte e persistência. A França vive aprisionada em atavismos, de esquerda e de direita, apesar das tragédias que foram o nazismo e o comunismo. O tempo é muito curto e por isso, a primeira responsabilidade cairá, mais uma vez, sobre o povo francês. Caber-lhe-á decidir se está disposto a alimentar bloqueios ou a arriscar uma saída para construir o futuro. No quadro atual, Macron é o que está mais bem posicionado, a avaliar pelo que fez até agora. Eu quero acreditar que a sua energia e ambição possam contribuir para uma discussão séria e amplamente participada sobre a reforma da Europa, da inclusão social e de medidas que contribuam para assegurar as transições em curso num contexto pacífico e tolerante. O pior que pode acontecer é ficar tudo como está, ou seja, a degradar-se sem remédio.
Nota: Gostaria de saber por que razão foi secretamente despachado para o caixote do lixo o relatório Maldague. Parece que, afinal, o cisne é cinzento e Zeus voltou novamente a raptar a Europa!