Forum Demos reúne no Centro Nacional de Cultura para discutir projetos relacionados com a cultura de resistência e a descolonização

No dia 24 de janeiro, pelas 16h, o Forum Demos esteve no Centro Nacional de Cultura para uma reunião sobre o programa de iniciativas conjuntas do Forum Demos e do Centro Nacional de Cultura, no âmbito das Comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, e ainda sobre a Assembleia Cidadã 2023.

A reunião contou com Álvaro Vasconcelos e Inês Granja, do Forum Demos, Teresa Tamen e Helena Serra, do Centro Nacional de Cultura, e com Evalina Gomes Dias, da DJASS, Marta Lança, do BUALA, e Sheila Khan, da Universidade do Minho.

24 JAN, 18h, no Centro Nacional de Cultura: Conversa à volta do livro «Memórias em Tempo de Amnésia», de Álvaro Vasconcelos

«O livro trata, sobretudo, do que era proibido lembrar, do que era subversivo memorizar. Os crimes deviam ser esquecidos para todo o sempre. Podia-se ser preso e torturado por ter visto o crime que nenhum registo podia guardar e ficava, apesar de todo o esforço dos fazedores de silêncio, na memória dos homens. Nos contadores de histórias, nos que pela tradição oral preservam as lembranças dos seus antepassados. Mas as dificuldades do presente funcionam como uma droga que apaga a memória e propaga como um vírus a amnésia coletiva, tornando a sociedade mais frágil perante ameaçadas já conhecidas pela humanidade. Uma Campa em África, o primeiro volume, aborda os caminhos que me levaram, ainda menino, para África. Aí vivi entre 1953 e 1967, primeiro em Moçambique, depois na África do Sul. Pretende ser um testemunho da viagem às trevas que era viver em África no tempo em que o racismo era política de Estado, quer fosse na mentira lusotropical ou no horror do apartheid. É um testemunho em nome do dever de memória, contra a política do esquecimento e o revisionismo histórico sobre o crime contra a humanidade que foi o colonialismo» 

Autor do Livro: Álvaro Vasconcelos

Oradores convidados:
Sheila Khan (socióloga)
Valter Hugo Mãe (escritor)

Moderação: Guilherme d’Oliveira Martins

Dia 24 de janeiro de 2023 (terça-feira), às 18h00
no Centro Nacional de Cultura – Galeria Fernando Pessoa
Morada: Largo do Picadeiro, n.º 10, 1º . 1200-445 Lisboa
(porta do lado esquerdo da esplanada do Café No Chiado)
Mapa de localização | GPS: 38.709292,-9.14199
Entrada livre

FONTE https://www.cnc.pt/conversas-a-volta-do-livro-memorias-em-tempo-de-amnesia/

O Manifesto BR-UE pelo Clima Estável já está aberto à subscrição

O Manifesto pelo Clima Estável, que surgiu da iniciativa conjunta da Casa Comum da Humanidade e do Forum Demos, já tem página própria. Para saber mais clique AQUI.

Quer associar-se? Depois de ter sido lançado no fim do passo mês de dezembro, e de ter sido amplamente divulgado nos media (nomeadamente, aqui e aqui), o Manifesto encontra-se aberto à subscrição através do email manifestouebrasil@gmail.com.

Releia o Manifesto pelo Clima Estável:

Brasil: neofascismo digital e golpe militar

 

A tentativa de golpe de 8 de janeiro é, depois do assalto ao Capitólio, mais um alerta das ameaças que a democracia enfrenta na sua luta existencial contra a extrema-direita. A democracia está em risco e o combate é internacional, tanto mais que as redes do neofascismo digital são globais. Lula tem hoje a duplo desafio de impedir que o golpe tenha sucesso e de assumir a sua dimensão internacional.

A 8 de janeiro convergiram duas correntes golpistas e antidemocráticas: a clássica, do autoritarismo militar brasileiro, e a nova, a do neofascismo digital.

Desde a campanha pelo impeachment de Dilma, cresceu nas redes sociais uma corrente fascista, que partilhou entre si, sobretudo em redes como o WhatsApp ou Facebook, notícias falsas, conspirativas, criando uma comunidade virtual ultraconservadora, ligada à ideologia da supremacia branca, do machismo, do culto da violência e das armas, numa mistura entre práticas de correntes evangélicas e as milícias fascistas italianas.

O neofascismo digital é um movimento político próprio da sociedade em rede. Foi ele que levou ao poder Bolsonaro, com a cumplicidade dos que se recusaram a ver a ameaça que representava para a democracia.

A 8 de janeiro convergiram duas correntes golpistas e antidemocráticas: a clássica, do autoritarismo militar brasileiro, e a nova, a do neofascismo digital.

No poder, Bolsonaro promoveu a infiltração das estruturas do Estado pelos grupos do neofascismo digital, incluindo no seio das Força Armadas. Foram esses grupos que lançaram a campanha de contestação à fiabilidade do processo eleitoral brasileiro, que não impediu a vitória de Lula. 

Só um golpe de Estado poderia reverter o resultado eleitoral, o que obrigou à saída do mundo virtual.

Desde a campanha pelo impeachment de Dilma, cresceu nas redes sociais uma corrente fascista, que partilhou entre si, sobretudo em redes como o WhatsApp ou Facebook, notícias falsas, conspirativas, criando uma comunidade virtual ultraconservadora, ligada à ideologia da supremacia branca, do machismo, do culto da violência e das armas, numa mistura entre práticas de correntes evangélicas e as milícias fascistas italianas.

As Forças Armadas brasileiras são a segunda componente deste golpe. Aceitaram a democracia a troco de uma amnistia, o que lhes deu um sentimento de impunidade. Nenhum dos governos democráticos foi capaz de alterar a sua convicção de que são um poder paralelo. As tentativas de internacionalização e de desconstrução da doutrina de segurança nacional, segundo a qual o inimigo é sobretudo interno, foram tímidas e fracassaram. O General Heleno, comandante da operação de paz das Nações Unidas no Haiti, continuou a elogiar a ditadura militar e era o responsável pelo gabinete de segurança de Bolsonaro. A “pacificação das favelas do Rio” pelo exército manteve o inimigo interno na agenda. Com Bolsonaro, milhares de militares na reserva assumiram postos nas estruturas do Estado. 

 Os assaltantes esperavam que, perante a fraqueza da resposta do executivo, o caos de Brasília se propagasse a outras cidades. Em São Paulo, a estratégica Avenida 23 de Maio estava bloqueada pelos bolsonaristas. Perante o caos e a impotência, os militares seriam chamados ou interviriam para repor a ordem. A consequência poderia ser uma junta militar, sem Bolsonaro. Esta tese é partilhada por analistas brasileiros, como o filósofo Renato Janine Ribeiro ou o jurista Pedro Dallari, que foi Presidente da Comissão da Verdade. 

Perante o caos, alguns defenderam que Lula deveria fazer um discurso conciliador, “compreender a ira popular que se manifestava “, para unir o povo brasileiro. Lula e o poder judiciário brasileiro fizeram exatamente o contrário. Classificaram os assaltantes de fascistas e golpistas. Foi decretada a intervenção do poder central no Distrito Federal, retirando competências ao Governador. O resultado foi imediato: as sedes dos 3 poderes foram evacuadas, com muitos golpistas detidos; os acampamentos à frente dos quartéis foram desmantelados, e muitos dos contestatários foram alvo de mandados emitidos pelo Juiz do Supremo Tribunal, Alexandre de Moraes.

A situação atual é bem diferente da que permitiu o sucesso do golpe de 1964. Hoje, Lula tem apoio nos sectores chaves do poder no Brasil, nos congressistas, no poder judiciário, nos governadores dos Estados, nas organizações patronais e nos média tradicionais – a TV Globo classificou os assaltantes como terroristas, quando em 1964 a grande imprensa apoiava o golpe. 

O envolvimento de militares no ativo no golpe está comprovado. Não só protegeram os que acampavam à frente dos quarteis, como o Batalhão da Guarda Presidencial do exército facilitou a ação dos assaltantes do Palácio do Planalto. Em entrevista à Folha de São Paulo, Lula afirmou que recusou decretar uma operação militar, proposta pelo Ministro da Defesa, de “Garantia da Lei e da Ordem” para afastar veleidades de “algum general assumir o governo”.

Lula é um grande político, com capacidade de forjar grandes coligações, e optou pelo diálogo com as Forças Armadas, procurando que afastem os elementos diretamente comprometidos com o golpe. Há quem defenda que este é o momento, quando Lula goza de tanto apoio político, para reformar as Forças Armadas, colocando-as claramente sob dependência política. Lula parece hesitar, o que indica que não está ainda seguro da reação dos militares. 

Lula encontrou pronto apoio nas democracias liberais, em Biden e nos líderes europeus. Os Estados Unidos. que em 1964 tinham participado no golpe, fazem hoje da luta contra a extrema-direita e o fascismo digital uma questão central da sua política internacional. O fascismo digital não tem fronteiras e é conhecido o apoio que Trump e Steve Bannon dão ao bolsonarismo. Lula irá continuar a confrontar-se com a ameaça do fascismo digital e das suas relações obscuras com as Forças Armadas. Paradoxalmente, talvez seja mais fácil resolver a questão militar. 

A defesa internacional da democracia irá marcar, apesar da relutância brasileira, a agenda da política externa do terceiro mandato. Contamos com Lula e com a sociedade civil brasileira para esse combate.

FD torna público o Relatório 2022 da Assembleia Cidadã

O Relatório da Assembleia Cidadã 2022, iniciativa do Forum Demos e da Câmara Municipal de Valongo, vê agora a luz do dia. Produto dos encontros presenciais em Valongo, entre os dias 20 e 23 de abril de 2022, e de um conjunto de encontros virtuais após esta data, os participantes da Assembleia Cidadã, através dos seus Relatores, puseram por escrito o conjunto de conclusões e recomendações.

Publica-se o Relatório 2022, na sua globalidade, em formato pdf, e destacam-se, de seguida, 7 pontos para o futuro, identificados por Jéssica Moreira (Forum Demos), que atravessam todo o relatório:

7 pontos para o futuro

  1. « Redefinir a educação, as narrativas nacionais e as políticas educativas. Partindo da crença na educação enquanto estrutura fundamental para a redefinição das narrativas, do empoderamento das pessoas e do desenvolvimento das sociedades, esta deve ser pedra basilar na construção de uma verdadeira representatividade das comunidades afrodescendentes, ciganas e dos imigrantes e refugiados, que parta das causas de origem das formas de discriminação sociais e institucionais e redefina ao papel das comunidades nos corpos de tomada de decisão. É necessário, neste âmbito, incluir as pessoas racializadas na construção de políticas educativas, na construção de manuais e nos corpos de ensino em Portugal e popularizar a educação não eurocêntrica, anticolonial e antirracista nas escolas e no espaço público. É ainda uma revisão estrutural dos manuais escolares – uma revisão que procure não a negação dos programas vigentes e da História, mas que introduza novos pontos de vista e estabeleça uma relação de diálogo e reparação, envolvendo e protagonizando todos/as os/as herdeiros/as desta História e desta cultura.
  1. Descolonizar as instituições a partir da representação que deve também ela própria ser institucional, para além de diversificada. É, portanto, necessária a integração e a representatividade das comunidades nos corpos de tomada de decisão pública – ora locais, ora nacionais, ora europeus. Esta representatividade deve, num primeiro momento, ser garantida através de cotas, que visam nivelar as desigualdades que se verificam à partida. Apesar de as cotas poderem pecar por forçar uma integração que pode não ser verdadeiramente garantida, um maior e melhor apoio na preparação para as profissões poderia mitigar este efe–to – uma vez que as pessoas das comunidades, quando em posições de acesso à profissão, veem-se usualmente obrigadas, quando possível, a ocultar a sua identidade étnico-racial. Nestas condições de nivelamento, a integração de pessoas racializadas e em posições desprivilegiadas em corpos de tomada de decisão públicos, diversificaria o aspecto monocromático das instituições e fomentaria o “sentimento de pertença” nas comunidades e na população em geral, reconstruindo narrativas a partir de um lugar de fala e de pertença de uma mancha populacional que faz e sempre fez parte da história e do tecido nacional.
  2. Generalizar o combate da desigualdade, flexibilizar os níveis locais, nacionais e supranacionais (entre os quais o europeu). Como parte deste objetivo torna-se necessário restruturar e reformular a recolha de dados, como os censos, que promovem – e muitas vezes mascaram – as desigualdades estruturais. De facto, precisamos de uma recolha de dados étnica e racial, que não invisibilize as pessoas pertencentes às diferentes comunidades e grupos discriminados, que permita a implementação de cotas e que tenha políticas de proteção de dados conscientes e que proteja as comunidades de possíveis perseguições e represálias – políticas e outras.
  3. Desenhar e reformar projetos de integração, que se devem basear no princípio da diferença. Estes projetos devem ser sustentados na dotação de autonomia às pessoas das comunidades, nomeadamente através de programas de ensino da língua portuguesa a recém-chegado e através do estreitamento das relações entre as comunidades e os órgãos sociais e de poder. Os projetos de intervenção
    Relatório | Assembleia Cidadã 2022: Como Garantir o Imperativo da Hospitalidade na Igualdade?
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    partem de diagnósticos enviesados e em função de quantidade ao invés de qualidade. Neste aspecto, é necessário instituir e padronizar critérios de qualidade e desierarquizar as relações tradicionais entre supostos “doadores” e “recetores”.
    A um nível local, é necessário o aprimoramento da figura do mediador intercultural, que deve servir de voz neutra (mas não neutralizada) das comunidades racializadas, e cujas funções devem ser independentes e estendidas dentro dos órgãos municipais – nomeadamente dentro das câmaras e das escolas. Estes mediadores devem servir como pontos de comunicação e facilitação e não como substitutos de uma representação dos corpos sociais a todos os níveis.
  4. Combater a segregação espacial, representada pelos bairros sociais e pelo tecido empobrecido dos subúrbios das grandes cidades (de especial relevância na cidade de Lisboa) que é composto, maioritariamente, por pessoas das comunidades afrodescendentes, ciganas e por imigrantes e refugiados. Para tal, é necessário romper com ciclos de pobreza e de exclusão estrutural que pautam a vida das pessoas das comunidades e refazer a malha urbana.
  5. Endereçar abertamente a violência policial sofrida pelas pessoas das comunidades racializadas e que constitui uma prática recorrente e que destrói a integridade física e moral das suas vítimas. Esta violência deve ser reconhecida como espacialmente delimitada e de fundo económico e racial.
  6. Desracializar a saúde pública, reconhecendo a posição de acrescida vulnerabilidade das mulheres negras e ciganas. Para isso, é preciso rever as próprias relações entre médicos e pacientes, de fundo culturalista. »

Pelé, mais que um futebolista. Um homem como todos, ídolo de um povo soberano – Guilherme Giuliano Nicolau

Guilherme Giuliano Nicolau

Cientista Político

Nos últimos dias, estamos de luto pela morte do nosso ‘rei etíope’. Nosso rei que primeiro conquistou o Brasil e depois conquistou o mundo. Todos falam de Pelé. Entre eles, muitos estão cobrando o Rei por ser alienado politicamente, ou por decisões da vida pessoal de Edson Arantes do Nascimento.

Discordo em parte, não posso dizer que é possível ver dessa forma, mas eu peço para trocarmos as nossas lentes de ver o mundo por óculos escuros. Talvez estejamos ofuscados por tanta claridade. 

Defenderei Pelé, mas não é porque sou brasileiro. Antes disso, sou humano e internacionalista. Confesso também que me identifico muito mais com outros ídolos do futebol como Maradona (outro ídolo repleta de contradições). Venho falar sobre ser humano.

Parece-me injusto cobrar tanto de Pelé desconsiderando o seu contexto. Ele fez coisas fascinantes no futebol e é isso que ele pôde fazer, assim como nós nos destacamos em uma ou outra coisa.

O Brasil é um país extremamente desigual, com pobreza extrema, dificuldade de acesso à educação, com alta taxa de analfabetismo comparado aos seus vizinhos, em uma região pobre do mundo, um país extremamente religioso, com violência extrema e intolerância generalizada.

Se ainda é assim hoje, imagina nos anos 1960? A escravidão oficialmente havia acabado em 1888, não muito longe.

Continuar a ler “Pelé, mais que um futebolista. Um homem como todos, ídolo de um povo soberano – Guilherme Giuliano Nicolau”

«Memórias em Tempos de Amnésia. Uma Campa em África», de Álvaro Vasconcelos serve de mote a conversa sobre descolonização na UCCLA

Fotografias da UCCLA – União de Cidades de Língua Portuguesa

Na passada terça feira, dia 10 de janeiro, na UCCLA, em Lisboa, teve lugar a apresentação do mais recente livro de Álvaro Vasconcelos. O Forum Demos associou-se a esta iniciativa. A apresentação de «Memórias em Tempo de Amnésia. Uma Campa em África», por Victor Barros e Margarida Calafate Ribeiro, com moderação de Marta Lança, teve sala cheia de membros do Forum Demos, amigos e curiosos. A sessão de apresentação contou com a récita dos poemas citados pelo Autor ao longo das páginas de «Memórias em Tempos de Amnésia», na voz da performer Aoani Salvaterra.

Leia os poemas aqui:

A minha dor, De Noémia de Sousa

Dói
a mesmíssima angústia
nas almas dos nossos corpos
perto e à distância.
E o preto que gritou
é a dor que se não vendeu
nem na hora do sol perdido
nos muros da cadeia
Deixa passar o meu povo

Noite morna de Moçambique
e sons longínquos de marimbas chegam até mim
– certos e constantes –
vindos nem sei eu donde.
Em minha casa de madeira e zinco,
abro o rádio e deixo-me embalar…
Mas vozes da América remexem-me a alma e os nervos.
E Robeson e Maria cantam para mim
spirituals negros do Harlém.
“Let my people go”
– oh deixa passar o meu povo,
deixa passar o meu povo! -,
dizem.
E eu abro os olhos e já não posso dormir.
Dentro de mim soam-me Anderson e Paul
e não são doces vozes de embalo.
“Let my people go!”
Nervosamente,
sento-me à mesa e escrevo…
Dentro de mim,
deixa passar o meu povo
“oh let my people go…”

E já não sou mais que instrumento
do meu sangue em turbilhão
com Marian me ajudando
com sua voz profunda – minha Irmã!
Escrevo…
Na minha mesa, vultos familiares se vêm debruçar.
Minha Mãe de mãos rudes e rosto cansado
e revoltas, dores, humilhações,
tatuando de negro o virgem papel branco.
E Paulo, que não conheço
mas é do mesmo sangue e da mesma seiva amada de Moçambique,
e misérias, janelas gradeadas, adeuses de magaíças,
algodoais, o meu inesquecível companheiro branco.
E Zé – meu irmão – e Saúl,
e tu, Amigo de doce olhar azul,
pegando na minha mão e me obrigando a escrever
com o fel que me vem da revolta.
Todos se vêm debruçar sobre o meu ombro,
enquanto escrevo, noite adiante,
com Marian e Robeson vigiando pelo olho luminoso do rádio
– “let my people go
oh let my people go!”
E enquanto me vierem do Harlém
vozes de lamentação
e meus vultos familiares me visitarem
em longas noites de insônia,
não poderei deixar-me embalar pela música fútil
das valsas de Strauss.
Escreverei, escreverei,
com Robeson e Marian gritando comigo:
Let my people go
OH DEIXA PASSAR O MEU POVO

sem título, De José Craveirinha (1954)

Grito negro
Eu sou carvão!

E tu arrancas-me brutalmente do chão
e fazes-me tua mina, patrão.
Eu sou carvão!
E tu acendes-me, patrão,

para te servir eternamente como força motriz

mas eternamente não, patrão.
Eu sou carvão
e tenho que arder sim;

queimar tudo com a força da minha combustão.

Eu sou carvão;
tenho que arder na exploração
arder até às cinzas da maldição
arder vivo como alcatrão, meu irmão,
até não ser mais a tua mina, patrão.

Eu sou carvão.
Tenho que arder

Queimar tudo com o fogo da minha combustão.

Sim!

Eu sou o teu carvão, patrão.

Bem fardados de avental
obedientes nós até vamos a correr
depressa entregar o papelinho da patroa.
E chegamos à esquadra
ao posto
ou ao comissariado todos ofegantes
e nos ouvidos a ordem: – Vai depressa rapaz não demores ouviste –
E o polícia que veio com a terceira rudimentar

lá da aldeia talvez minhota
talvez transmontana tanto faz
depois de soletrar bem soletrado o papelinho
entra imediatamente no esquema
chama o sipaio e manda somar
somar bem os algarismos com força
dando-nos com uma palmatória
algumas lições de aritmética
com 20 na mão esquerda
e mais 20 na mão direita

Xicuembo, Rui Nogar

Eu bebeu suruma
dos teus ólho Ana Maria
eu bebeu suruma
e ficou mesmo maluco
agora eu quero dormir quer comer
mas não pode mais dormir
não pode mais comer
suruma dos teus olhos Ana Maria
matou sossego no meu coração
oh matou sossego no meu coração
eu bebeu suruma oh suruma suruma
dos teus ólho Ana Maria
com meu todo vontade
com meu todo coração
e agora Ana Maria minhamor
eu não pode mais viver
eu não pode mais saber
que meu Ana Maria minhamor
é mulher de todo gente
é mulher de todo gente
todo gente todo gente
menos meu minhamor

De Reinaldo Ferreira
Receita para fazer um Herói
Tome-se um homem,
Feito de nada, como nós,
E em tamanho natural.
Embeba-se-lhe a carne,
Lentamente,

Duma certeza aguda, irracional,
Intensa como o ódio ou como a fome.

Depois, perto do fim,
Agite-se um pendão
E toque-se um clarim.
Serve-se morto.

Song, Alain Ginsberg

The weight of the world
is love.
Under the burden
of solitude,
under the burden
of dissatisfaction
the weight,
the weight we carry
is love.
Who can deny?
In dreams
it touches
the body,
in thought
constructs
a miracle,
in imagination
anguishes
till born
in human–
looks out of the heart
burning with purity–
for the burden of life
is love,

but we carry the weight
wearily,
and so must rest
in the arms of love
at last,
must rest in the arms
of love.
No rest
without love,
no sleep
without dreams
of love–
be mad or chill
obsessed with angels
or machines,
the final wish
is love
–cannot be bitter,
cannot deny,
cannot withhold
if denied:
the weight is too heavy
–must give
for no return
as thought
is given
in solitude
in all the excellence
of its excess.
The warm bodies
shine together
in the darkness,
the hand moves
to the center
of the flesh,
the skin trembles

in happiness
and the soul comes
joyful to the eye–
yes, yes,
that’s what
I wanted,
I always wanted,
I always wanted,
to return
to the body
where I was born.

Assembleia Cidadã 2023: FD reúne em Lisboa para ouvir Cidadãos sobre temas e processos – por Lissa Bulu

No âmbito dos trabalhos da Assembleia Cidadã de 2022, organizada pelo Forum
Demos com a Câmara Municipal de Valongo, no Festival TransEuropa, promovido pelas European Alternatives, foi realizada
uma reunião na UCCLA, no passado dia 10 de Janeiro.

Nesta reunião estiveram presentes Álvaro Vasconcelos e Inês Granja, membros do Forum Demos, e cidadãos engajados em diversas causas sociais, Alexandre Pereira, ativo na defesa da liberdade religiosa, Daniel Borges e Andreia Galvão, ativistas climáticos e Vitor Barros, Domingos Alberto, Lissa Bulu e
Aoani Salvaterra ativistas no combate ao racismo.

Na reunião informal, em tom de conversa, foi feita uma retrospetiva da Assembleia Cidadã de 2022 e as perspetivas para a de 2023. Debruçando-nos sobre o enriquecimento da população participante (nível académico e etário), dos temas e da metodologia de trabalho, assim como a delegação de
resposabilidades para com a organização do mesmo evento, traçamos
objectivos claros para que o próximo encontro seja de valor acrescido e
atingindo poderes decisivos.


Numa dualidade de sentimentos, pela clara demora na discussão e acção
produtiva nestas questões, e na esperança de uma utopia social, faço um
depósito de forças e recursos na Assembleia Cidadã, pois acredito nos
resultados já atingidos e nos muitos mais que, juntos com o Forum Demos,
havemos de alcançar.

Lissa Bulu, 29 anos, ativista do movimento negro

Forum Demos acompanha Cidadãos na entrega de «7 pontos para o Futuro» à Assembleia da República


Fotografias da reunião na Assembleia da República e de alguns dos momentos da Assembleia Cidadã 2022, no Forum Ermesinde

O Forum Demos reuniu ontem com o Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, o deputado e vice-presidente da Assembleia da República Fernando Negrão, para apresentar o resultado do trabalho desenvolvido no ano 2022 no âmbito da Assembleia Cidadã «Como Garantir o Imperativo da Hospitalidade na Igualdade?».  Na reunião estiveram presentes Relatores e Representantes dos Grupos de Trabalho e um dos participantes da Assembleia de 2023: Lissa Bulu, Susana Silveira, Mubarak Hussein e Adam Labar. Inês Granja, do Forum Demos, introduziu e contextualizou o Relatório, enquanto parte da organização da Assembleia Cidadã. Neste encontro, cada um dos participantes teve oportunidade de destacar um aspeto do Relatório e relatar uma experiência pessoal e/ou coletiva com ele relacionado. A reunião com a Comissão presidida por Fernando Negrão foi para os Relatores dos grupos «muito produtiva e, sobretudo, motivadora».

O Relatório entregue na Assembleia da República foi o produto desta iniciativa conjunta do Forum Demos e da Câmara Municipal de Valongo, que teve o seu ponto alto entre os dias 20 e 23 de abril, quando se realizou o encontro presencial de cidadãos no Fórum Cultural de Ermesinde. A democracia participativa foi posta à prova neste processo que envolveu cerca de seis dezenas de cidadãos ativos dedicados a refletir e procurar soluções às múltiplas vulnerabilidades sociais que experienciam individualmente e que partilham entre si. Em resposta aos flagelos identificados na sociedade portuguesa, os participantes, migrantes, Roma e afrodescendentes, desenharam após os dias de debate presencial e um conjunto de encontros à distância, um conjunto de recomendações específicas a cada grupo de trabalho e identificaram um conjunto de recomendações comuns a todos. São sete os pontos comuns e atravessam áreas tão relevantes como a educação, a habitação e a saúde. 

A iniciativa de ontem encontra-se alinhada com os valores e a visão do movimento cidadão independente Forum Demos, fundado em Portugal em 2016, que focado na defesa dos direitos humanos universais, como a não discriminação, a igualdade de género ou o direito ao clima estável, tem vindo a desenvolver a sua atividade no plano nacional e internacional, de modo cada vez mais consistente e com impacto público.

Este encontro na Assembleia da República, que permitiu aproximar os cidadãos anónimos dos decisores políticos e influenciar políticas inclusivas, foi também o momento para lançar a Assembleia Cidadã de 2023, que este este será num outro concelho do norte do país. Em 2023, a organização da Assembleia Cidadã será organizada pelo Forum Demos em parceria com a School of International Futures e procurará alargar o olhar a um conjunto de novos temas de direitos humanos, numa perspetiva de justiça intergeracional, que convoca novos participantes (cidadãos, decisores políticos, académicos, empresas, etc), e implica novas metodologias e estratégias para aprofundar o debate e aumentar o seu impacto social. 

O Forum Demos encontra-se, neste momento, a organizar reuniões com grupos parlamentares para explorar o desenho de políticas concretas dirigidas a resolver os problemas identificadas pelos cidadãos na Assembleia Cidadã 2022.

10 JANEIRO, 18h, na UCCLA, em Lisboa | Lançamento de livro «Memórias em Tempos de Amnésia. Uma Campa em África», de Álvaro de Vasconcelos

O Forum Demos associa-se ao lançamento do novo livro de Álvaro Vasconcelos, Memórias em Tempo de Amnésia. Uma campa em África, publicado pelas Edições Afrontamento. No próximo dia 10 de janeiro, na UCCLA, às 18h, vai ter lugar o primeiro encontro de lançamento do livro do autor.

O livro será apresentado por Victor Barros e Margarida Calafate Ribeiro, com moderação de Marta Lança.

A sessão conta com o apoio da UCCLA.

Pretende ser um testemunho da viagem às trevas que era viver em África no tempo em que o racismo era política de Estado (Álvaro Vasconcelos)

«Estas Memórias em Tempo de Amnésia são publicadas em dois volumes. O livro trata, sobretudo, do que era proibido lembrar, do que era subversivo memorizar. Os crimes deviam ser esquecidos para todo o sempre. Podia-se ser preso e torturado por ter visto o crime que nenhum registo podia guardar e ficava, apesar de todo o esforço dos fazedores de silêncio, na memória dos homens. Nos contadores de histórias, nos que pela tradição oral preservam as lembranças dos seus antepassados. Mas as dificuldades do presente funcionam como uma droga que apaga a memória e propaga como um vírus a amnésia coletiva, tornando a sociedade mais frágil perante ameaçadas já conhecidas pela humanidade. Uma Campa em África, o primeiro volume, aborda os caminhos que me levaram, ainda menino, para África. Aí vivi entre 1953 e 1967, primeiro em Moçambique, depois na África do Sul. Pretende ser um testemunho da viagem às trevas que era viver em África no tempo em que o racismo era política de Estado, quer fosse na mentira lusotropical ou no horror do apartheid. É um testemunho em nome do dever de memória, contra a política do esquecimento e o revisionismo histórico sobre o crime contra a humanidade que foi o colonialismo» (Da contracapa do vol. I, por Álvaro Vasconcelos).