
Extratos da minha entrevista ao Público de 3 de Março de 2019
Os contornos são semelhantes, mesmo em países tão distantes como o Brasil ou até a Índia. O que aconteceu, penso eu, foi que as democracias liberais passaram a estar intimamente ligadas a um sistema financeiro — os chamados mercados — que corrompeu o seu funcionamento. Deixou, de alguma forma, de haver alternativas democráticas à política dominante.
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A terceira dimensão da crise europeia é a que resulta do fim daquilo a que chamávamos o mundo bipolar, a que se seguiu um mundo unipolar, com a hegemonia americana sem adversário, e que está agora a dar lugar a um mundo policêntrico. E, num mundo policêntrico, os Estados têm muito mais liberdade de acção, incluindo os Estados que são potências de média dimensão. A Alemanha é hoje uma potência média, mas já não aquela potência que precisava a todo o custo da UE e da solidariedade dos outros europeus — porque estava dividida, porque tinha a ameaça soviética na sua fronteira.
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O PPE tem no seu seio partidos que estão disponíveis para alianças com a extrema-direita e aos quais não se ouve nenhuma crítica É aí que está o verdadeiro perigo. É assim na Áustria. Em Espanha — que parecia, como Portugal, imune à contaminação — surgiu agora o Vox, com um discurso próximo dos antigos franquistas, que não tinham sido verdadeiramente deslegitimados, mas que se tinham integrado no consenso da transição espanhola. O Partido Popular espanhol, membro do PPE, prepara-se para tentar chegar ao poder em aliança com ele. O PPE não está a assumir com clareza o combate à extrema-direita e ao nacional-populismo como devia. Não faz disso uma das suas bandeiras. E isto, evidentemente, fragiliza a UE, ao facilitar o caminho a estes partidos.
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Em Portugal ser nacionalista, racista, xenófobo é equivalente a ser salazarista e isso a classe política que nasceu no 25 de Abril não pode aceitar. Mas os anos vão passando : as redes sociais portuguesas estão cheias do discurso de ódio….Há a sensação de que alguma imprensa portuguesa, sobretudo televisiva, parece pensar que a extrema-direita é um bom filão para as audiências. É polémica, é disruptiva, é escandalosa.
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A União foi construída com base nos valores políticos e sociais defendidos pela resistência ao nazismo.
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Foi a transformação profunda do sistema económico, em que os mercados financeiros ganharam uma importância desmesurada, que gerou a revolução conservadora de Thatcher e Reagan e, a partir daí, esse consenso rompeu-se. A direita passou a considerar que a intervenção do Estado na protecção dos cidadãos era contrária aos interesses da concorrência económica e do crescimento económico, e que a desigualdade e os grandes salários não eram um problema porque, se os ricos fossem mais ricos, investiam mais e geravam mais empregos. A esquerda foi criticando essa lógica cada vez mais timidamente, o que deu origem à “terceira via”, como ainda todos nos recordamos.
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Há hoje um fenómeno que foi mal percebido e, como tal, contrariado por aquilo que era o consenso europeu: o aparecimento de partidos de alternativa à esquerda. É o caso de Alexis Tsipras na Grécia, mas também do Podemos em Espanha e, de alguma forma, o que pode passar-se com o Bloco de Esquerda em Portugal. E que é também o que uma parte significativa do Labour quer fazer na Grã-Bretanha, mas que ainda enfrenta a resistência de Jeremy Corbyn. Estas correntes nasceram nas redes sociais, estão mais próximas da sociedade civil do que os velhos partidos tradicionais de centro-esquerda em franco declínio.
https://www.publico.pt/2019/03/03/mundo/entrevista/direita-democratica-traiu-valores-europeus-1863989#gs.hsRa4f4K