A tragédia britânica*

Por Pedro Bacelar de Vasconcelos**

BRAGA
23-7-2008
LARGO DO PA¿O - UNIVERSIDADE DO MINHO
PRESIDENTE DA R

Os sucessivos fracassos da primeira-ministra britânica nas reiteradas tentativas em que se obstinou para aprovar no Parlamento o “acordo de saída” negociado com a União Europeia conduziram a uma grave crise sem fim à vista, geradora de extrema inquietação cívica e que põe em causa os próprios fundamentos do primeiro regime democrático da história moderna.

A saída do Reino Unido da União Europeia foi ditada pelo resultado adverso do referendo realizado em 23 de junho de 2016. O primeiro-ministro, David Cameron – que tinha feito campanha a favor da permanência – demitiu-se e foi substituído por Theresa May, para evitar a convocação de eleições legislativas. Sem planos, sem qualquer preparação prévia, o novo Governo britânico logo encetou negociações com vista à definição dos termos do acordo de saída que viria a ser finalmente aprovado no Conselho Europeu pelos chefes de Estado e chefes de Governo dos restantes 27 estados-membros, em 25 de novembro do ano passado. Confrontada com a necessidade de aprovar no Parlamento o acordo de saída, a intransigência da chefe do Governo britânico agudizou contradições que não só dividiram dramaticamente os eleitores e os representantes que elegeram, como destruíram a unidade do próprio Partido Conservador, pondo em causa o governo da sua primeira-ministra, também ele afetado por demissões consecutivas de muitos dos seus ministros. Continuar a ler “A tragédia britânica*”

“Manda-se os militares…”? Uma reflexão sobre as forças armadas e a Segurança Humana

Por Carolina Novo* e Pedro Ponte e Sousa**

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(Imagem: Militares portugueses prontos para operações de salvamento na Beira, em Moçambique)

As recentes cheias em Moçambique, resultado do ciclone Idai e que deixaram destruída a cidade de Beira, são responsáveis por um número muito elevado de mortes, assim como pela destruição de infraestruturas de transportes, comunicação e energia e habitações. Prevê-se ainda que a ruína dos campos cultivados poderá despoletar um problema generalizado de fome na região. Se esta conferência não fosse já um pretexto para repensar a ideia e a prática de Segurança Humana, esta tragédia reforça essa necessidade, pois torna urgente a reflexão sobre se será possível mobilizar forças – e se sim, quais e de que forma deverão agir – para assegurar a segurança humana das comunidades afetadas pela catástrofe.

O conceito de “segurança humana” surgiu no pós-Guerra Fria pela mão das Nações Unidas [1]. Este salienta e valoriza, mais do que a segurança do Estado (das suas instituições ou do seu território), a segurança das pessoas, nas suas mais variadas dimensões – segurança económica, alimentar, de saúde, ambiental, física e política, e a proteção da sua estabilidade física e psicológica, dignidade e bem-estar. Nesse mundo em mudança, identificaram-se novas ameaças e novos riscos à segurança. A ameaça é um ato ofensivo intencional por parte de um adversário identificável; risco, por outro lado, decorre de uma realidade não direta e deliberadamente intencional, sem um inimigo imediato que o concretize [2]. Como “novas ameaças” à segurança podem mencionar-se o terrorismo, criminalidade organizada e transnacional, propagação de armas de destruição maciça, mas a segurança humana está também largamente dependente da materialização de “novos riscos”, como alterações climáticas, catástrofes naturais, desigualdades de desenvolvimento na economia, saúde ou educação.  Retomando o exemplo de Moçambique, a segurança humana foi severamente comprometida pela concretização do risco de catástrofe natural. Continuar a ler ““Manda-se os militares…”? Uma reflexão sobre as forças armadas e a Segurança Humana”

A PROPÓSITO DA UTOPIA DA SEGURANÇA HUMANA E DA PAZ

Por Ana Cordeiro de Azevedo*

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“Olho por olho, e o mundo acabará cego”

Mahatma Ghandi

No cartaz de apresentação da conferência ‘A Utopia da Segurança Humana e da Paz’ do Ciclo ‘Utopias Europeias’, introduz-se o tema dizendo, a certa altura (sic): “A segurança humana, que coloca os Direitos Humanos no centro de toda a ação militar, será a utopia que dará sentido à construção de uma política europeia de defesa?

Recordamos que a palavra Utopia surge pela primeira vez em 1516, na obra com o mesmo título de Thomas Morus (ou Thomas Moore, 1480-1535), sendo literalmente traduzível a partir da etimologia grega, como o ‘não lugar’ ou ‘lugar inexistente’ e figurativamente usada para referir uma sociedade ideal por natureza, (quase) impossível de alcançar.

Não obstante a origem da expressão, desde então tem-se recorrido ao termo Utopia, também para propor, de forma mais pragmática, metas intermédias dessa mítica sociedade perfeita, e é nesse sentido que se encara o desafio lançado por esta conferência. Dito isto, temos que voltar à questão repto, que se interpretou como propondo como meta utópica, a) toda a ação militar decorrer da manutenção da segurança humana e defesa dos Direitos Humanos, b) dando sentido à construção duma política europeia de defesa, assente nesses pressupostos.

A autora entende que “colocar os Direitos Humanos no centro de toda a ação militar” é contraditório com os princípios da Segurança Humana[i], a qual, na aceção que vem sendo preconizada pelas Nações Unidas, visa “proteger os indivíduos da pobreza, fome, doença, criminalidade, catástrofes naturais, violações dos direitos humanos, arbitrariedade, violência sexual, imigração, deslocações internas, o tráfico de pessoas e o desemprego”. Assim, por natureza, a Segurança Humana é a defesa dos Direitos Humanos, mas a própria hipótese de colocar todas as ações militares centradas no alcance desses objetivos, invalida a Utopia (a dita sociedade ideal). Infelizmente sabemos o quão martirizadas são as populações civis em cenários de guerra, e não só no seu decurso, mas continuando a sentir-lhe as consequências ainda durante muitos anos após o fim das hostilidades. Continuar a ler “A PROPÓSITO DA UTOPIA DA SEGURANÇA HUMANA E DA PAZ”

Os Novos Tempos de (In)segurança

Por Catarina Neves*

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(Imagem: Jacinda Ardern – Dubai’s Public Diplomacy Office)

É indubitável: a percepção ocidental de segurança tem vindo a mudar drasticamente ao longo dos últimos anos. Apesar dos grandes hotspots do terrorismo estarem localizados a sul e a leste da Europa, nunca o Ocidente se viu a braços com tantos atentados mediatizados num tão curto espaço de tempo. E as mortes ocidentais têm vindo a assumir um peso político cada vez maior: os governantes (especialmente os europeus) têm sido minuciosamente escrutinados — nomeadamente pela extrema-direita, que se aproveita destas situações para aplicar a sua demagogia do medo — e cada vez mais se fala na necessidade de novas práticas de liderança no que toca a gestão de crises.

Chegou-nos, nesta última semana, um bom exemplo disso mesmo, vindo da Oceânia, por ventura do ataque de 15 de março, em Christchurch (Nova Zelândia). A Primeira Ministra neozelandesa, Jacinda Ardern, posicionou-se de forma extraordinária, servindo não só como um verdadeiro símbolo de empatia mas também como um exemplo para líderes de todo o mundo. Jacinda não se limitou a oferecer o conforto dos seus braços àqueles que mais sofreram com este ataque ou a ordenar dois minutos de silêncio no parlamento e na televisão nacional. Jacinda utilizou o véu islâmico na sua visita à mesquita onde prestou condolências e prometeu que os funerais das cinquenta vítimas do ataque seriam pagos, independentemente do seu estado de imigração. Jacinda recusou-se ainda a mencionar o nome do terrorista australiano que perpetrou o ataque em Christchurch — mas, acima de tudo, menos de uma semana depois do atentado, anunciou que, a partir de abril, será proibida a venda de armas semiautomáticas e de assalto de estilo militar. As suas ações foram positivas e afirmativas. Resumindo, retirou a tónica do indivíduo que tanto a desejava e pô-la no reforço das políticas de segurança do seu país. Por isso, fixem este nome: Jacinda Ardern. É o tipo de líder que estes novos tempos de insegurança requerem. Continuar a ler “Os Novos Tempos de (In)segurança”

Debater a Paz

Por F. Marina Azevedo Leitão

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[Legenda: Chamberlain rolls the world towards peace cartoon in Flickr]

Costuma dizer-se, nesta segunda década do século XXI, que a combinação dos avanços democráticos em boa parte do mundo e a internacionalização dos sistemas financeiro, comercial e produtivo deveriam ter tido já um “efeito estabilizador” na ordem mundial, “com a moderação das tendências belicistas ou de ameaças do uso da força” que ainda persistem[1].

Ao mesmo tempo, diante da progressão histórica, em sentido claramente evolutivo, das conexões internacionais e, com estas, dos instrumentos teóricos aptos a orientar proficuamente as relações entre os Estados e, entre estes, e seus componentes, conclama-se, com igual veemência, que a paz deveria ser já “o estado normal do sistema internacional; e anômalos, a tensão, a hostilidade e o conflito”[2].

No entanto, longe de quaisquer antolhos da história do tempo presente, sabe-se que o mundo de hoje dista ainda da concretização cabal de tal ideal ou, por outras palavras, como mencionaram a respeito Correia e Gonçalves, sabe-se que “o mundo está muito longe de ser um oásis de paz”[3]. E, em coerência com este ponto de vista, como acentuou o cientista político francês Dominique Moïsi (2017), uma “visão distorcida do presente é [sempre] a pior maneira possível de nos prepararmos para os desafios do futuro”[4]. Continuar a ler “Debater a Paz”

Mary Kaldor: Segurança Humana e Governança Global

Mary Kaldor, professora de Governança Global e diretora do Núcleo de Investigação em Sociedade Civil e Segurança Humana da London School of Economics and Political Science (LSE), marcará presença, como oradora, no próximo dia 26 de março, às 21:30, em Serralves, na sessão A UTOPIA DA SEGURANÇA HUMANA E DA PAZ.

Neste vídeo, Kaldor refere alguns dos fatores que hodiernamente contribuem para o crescimento da insegurança – sem esquecer o impacto da violência sobre o ambiente, o aumento de doenças e o subdesenvolvimento – reflectindo, depois, sobre a actuação das forças militares convencionais.

The real problem today is that there are large parts of the world that are deeply deeply insecure and yet our security capabilities which are based on military forces – conventional military forces – are completely in ill adapted for dealing with this situations […]

Mary Kaldor

Mais informação sobre a sessão: AQUI.

Contamos com a vossa presença.

A Utopia da Segurança Humana e da Paz

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No próximo dia 26 de março, pelas 21h30, no Auditório de Serralves, terá lugar o oitavo debate do ciclo de conferências “Utopias Europeias: o poder da imaginação e os imperativos do futuro” dedicado ao tema A UTOPIA DA SEGURANÇA HUMANA E DA PAZ.

A União Europeia foi construída como uma utopia da paz, inspirada pela horrível experiência do nacionalismo extremo que submergiu a Europa e o Mundo na tragédia de duas guerras mundiais, enquanto as guerras coloniais deslegitimaram as guerras imperiais. A segurança humana, que coloca os Direitos Humanos no centro de toda a ação militar, será a utopia que dará sentido à construção de uma política europeia de defesa? Será a segurança humana a doutrina que permitirá pôr termo aos conflitos que a Sul e a Leste da União Europeia criam tanto sofrimento?

Cartaz Utopia

João Cravinho (Ministro da Defesa de Portugal)  e Mary Kaldor (Professora da London School of Economics e autora do livro “Segurança Humana”) serão os oradores desta sessão que contará com a moderação de Álvaro Vasconcelos.

Bilhete da Sessão: €5 (50% desconto para Estudantes, > 65 e Amigos de Serralves).

Mais informação sobre o ciclo: AQUI.

Mais informação sobre a sessão: AQUI.

Contámos com a V/ presença e participação,

Fórum Demos.

A Direita democrática traiu os valores europeus!

 

foto jornal

 

 

 

Extratos da minha entrevista ao Público de 3 de Março de 2019

 

Os contornos são semelhantes, mesmo em países tão distantes como o Brasil ou até a Índia. O que aconteceu, penso eu, foi que as democracias liberais passaram a estar intimamente ligadas a um sistema financeiro — os chamados mercados — que corrompeu o seu funcionamento. Deixou, de alguma forma, de haver alternativas democráticas à política dominante.

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A terceira dimensão da crise europeia é a que resulta do fim daquilo a que chamávamos o mundo bipolar, a que se seguiu um mundo unipolar, com a hegemonia americana sem adversário, e que está agora a dar lugar a um mundo policêntrico. E, num mundo policêntrico, os Estados têm muito mais liberdade de acção, incluindo os Estados que são potências de média dimensão. A Alemanha é hoje uma potência média, mas já não aquela potência que precisava a todo o custo da UE e da solidariedade dos outros europeus — porque estava dividida, porque tinha a ameaça soviética na sua fronteira.
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O PPE tem no seu seio partidos que estão disponíveis para alianças com a extrema-direita e aos quais não se ouve nenhuma crítica É aí que está o verdadeiro perigo. É assim na Áustria. Em Espanha — que parecia, como Portugal, imune à contaminação — surgiu agora o Vox, com um discurso próximo dos antigos franquistas, que não tinham sido verdadeiramente deslegitimados, mas que se tinham integrado no consenso da transição espanhola. O Partido Popular espanhol, membro do PPE, prepara-se para tentar chegar ao poder em aliança com ele. O PPE não está a assumir com clareza o combate à extrema-direita e ao nacional-populismo como devia. Não faz disso uma das suas bandeiras. E isto, evidentemente, fragiliza a UE, ao facilitar o caminho a estes partidos.
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Em Portugal ser nacionalista, racista, xenófobo é equivalente a ser salazarista e isso a classe política que nasceu no 25 de Abril não pode aceitar. Mas os anos vão passando : as redes sociais portuguesas estão cheias do discurso de ódio….Há a sensação de que alguma imprensa portuguesa, sobretudo televisiva, parece pensar que a extrema-direita é um bom filão para as audiências. É polémica, é disruptiva, é escandalosa.

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A União foi construída com base nos valores políticos e sociais defendidos pela resistência ao nazismo.

Foi a transformação profunda do sistema económico, em que os mercados financeiros ganharam uma importância desmesurada, que gerou a revolução conservadora de Thatcher e Reagan e, a partir daí, esse consenso rompeu-se. A direita passou a considerar que a intervenção do Estado na protecção dos cidadãos era contrária aos interesses da concorrência económica e do crescimento económico, e que a desigualdade e os grandes salários não eram um problema porque, se os ricos fossem mais ricos, investiam mais e geravam mais empregos. A esquerda foi criticando essa lógica cada vez mais timidamente, o que deu origem à “terceira via”, como ainda todos nos recordamos.

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Há hoje um fenómeno que foi mal percebido e, como tal, contrariado por aquilo que era o consenso europeu: o aparecimento de partidos de alternativa à esquerda. É o caso de Alexis Tsipras na Grécia, mas também do Podemos em Espanha e, de alguma forma, o que pode passar-se com o Bloco de Esquerda em Portugal. E que é também o que uma parte significativa do Labour quer fazer na Grã-Bretanha, mas que ainda enfrenta a resistência de Jeremy Corbyn. Estas correntes nasceram nas redes sociais, estão mais próximas da sociedade civil do que os velhos partidos tradicionais de centro-esquerda em franco declínio.

 

https://www.publico.pt/2019/03/03/mundo/entrevista/direita-democratica-traiu-valores-europeus-1863989#gs.hsRa4f4K