Por Ana Rodrigues
O caso do Miguel Duarte tem, nas últimas semanas, feito correr muita tinta. Meio país indignou-se com a possibilidade de ele vir a ser acusado pela Justiça italiana de auxílio à imigração ilegal. À conta dessa indignação, alguns responsáveis institucionais têm vindo a terreiro pronunciar-se, apoiando mais ou menos explicitamente a posição deste nosso concidadão, mas lembrando muito cautelosa e diplomaticamente a soberania de que goza o Estado italiano. É a esse propósito que me parece importante tecer aqui algumas considerações.
Quer o direito penal quer a política e os procedimentos de gestão de fronteiras são, em parte, um dos últimos redutos de soberania de que gozam os Estados. Não obstante, é indubitável que a complexidade da sociedade contemporânea mundial e regional restringe o campo de actuação de cada Estado dito soberano, mesmo em matérias em que este à partida manteria tal soberania. E a criminalização associada às políticas migratórias acaba por ser, como já foi apontado, o recurso que muitos Estados utilizam para convencer os seus cidadãos de que têm poder, quando na verdade já não o têm.
Importa, por um lado, não esquecer que, em especial nas últimas duas décadas, se tem assistido a uma política de externalização do controlo migratório, que se decompõe essencialmente em duas vertentes: por um lado, deslocalizar os procedimentos de controlo de fronteiras para fora do respectivo território, enquanto por outro lado se faz impender sobre os países terceiros, a troco de apoio financeiro, as obrigações que directamente decorrem do direito internacional. Esta política de externalização não tem só sido levada a cabo pelos Estados-Membros da UE; tem sido também, à vez, fomentada e levada a cabo directamente pela própria União. É de realçar, a propósito, que a agência europeia de gestão da cooperação operacional nas fronteiras externas da UE, a Frontex, que tem como principal propósito a gestão e controlo das fronteiras externas, conta entre as suas atribuições a coordenação de operações conjuntas que cobrem as fronteiras da UE, e dentro das operações conjuntas está a intercepção de embarcações com potenciais imigrantes. Estas operações têm-se pautado, entre outros problemas, por uma flagrante opacidade e falta de escrutínio público, decorrentes, designadamente, do carácter secreto de que se têm revestido os acordos que estão na base das operações em águas territoriais de países terceiros. Continuar a ler “Sic semper tyrannis…”