De golpe em golpe*

Por Marcela Uchôa*

*Texto originalmente publicado no jornal Público

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A tentativa de desestabilização das instituições liberal-democráticas por chefes de Estado autoritários, através da convocação de manifestações de cunho populista, não é novidade na história das democracias.

Depois do golpe parlamentar que levou a ex-presidente Dilma Rousseff ao impedimento, o Brasil agora vivencia a tentativa de autogolpe de Estado organizada pelo atual Presidente Jair Bolsonaro. Diante da emergência de uma insurgência popular que não aceite ataques à democracia e aos direitos sociais mais básicos e subsequente crise de governo, em meio dos festejos da maior festa popular brasileira, o Carnaval, o presidente Jair Bolsonaro apelou, através de mensagens de WhatsApp, à participação em manifestações contra os demais poderes do Estado; os poderes legislativos e jurídicos. Incentivados por parlamentares bolsonaristas e por setores militares, movimentos de extrema-direita assumem a organização do protesto contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF) a ser realizado no próximo dia 15 de março. Continuar a ler “De golpe em golpe*”

Le Brexit et son Prophete

Par Mario Telò*

Invité par l’Institut d’Etudes européennes de l’Université libre de Bruxelles, à présenter pour la première fois la position du Royaume-Uni de Boris Johnson en vue de la complexe négociation sur les relations RU-UE après le Brexit, David Frost n conseiller du Premier Ministre et négociateur en chef , en partenariat avec M Barnier en représentation de l’UE)  a présenté é une conférence très cultivée et ambitieuse mais surprénante, ayant comme titre « Reflections on the Revolutions in Europe », une véritable philosophie du Brexit.

Ce qui a frappé l’auditoire très nombreux c’est la contradiction évidente entre l’extrême gentillesse et le pragmatisme annoncé par David Frost au niveau de la négociation et de l’autre la portée philosophique du tournant historique qu’il souhaite ainsi que l’agressivité du défi souverainiste à l’Union européenne.

On ne peut que se réjouir de l’intention, au moment de la séparation du Royaume-Uni de l’UE, de situer le Brexit dans une perspective historique de longue durée, et de hausser ainsi le niveau du débat en abordant des questions fondamentales d’histoire et perspective de la pensée politique.

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Quem são os candidatos do Partido Democrático ?

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Com esta publicação iniciamos um observatório das eleições americanas – tema decisivo para o futuro da democracia e da ordem internacional.

Eu se votasse nas primárias americanas escolheria Elizabeth Warren. Este artigo explica quais são as suas qualidades. Mas no texto encontrarão links para artigos  que explicam as qualidades da maioria dos demais. Continuar a ler “Quem são os candidatos do Partido Democrático ?”

Joacine e as armadilhas da esquerda

Por Marcela Uchôa*

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Os debates que perpassaram o cenário político português nas últimas legislativas ganharam novo fôlego com três mulheres negras candidatas a vagas na Assembleia da República. Beatriz Dias pelo Bloco de Esquerda, Romualda Fernandes pelo Partido Socialista e Joacine Katar Moreira pelo Partido Livre, foram os rostos e vozes que para além de enunciar – como seus outros companheiros de partido – os desafios para a nova legislatura, trouxeram o importante debate sobre raça e racismo para esfera publica que durante longas décadas foi marcado pelo mito luso-tropicalista que ditava que o Estado do bom e inofensivo colonizador português não conheceria nem perpetuaria o racismo. Continuar a ler “Joacine e as armadilhas da esquerda”

O ódio contra a democracia 

 

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“Oppressive language does more than represent violence; it is violence; does more than represent the limits of knowledge; it limits knowledge.”

Toni Morrison

 

Algo muito grave está a acontecer no debate público em democracia. Os que querem ser ouvidos sobem o tom das suas intervenções e fazem do adversário político um inimigo e do potencial aliado um traidor. A intolerância passou a ser “o novo normal”. O contraditório pacífico é raro.

A violência verbal não é praticada apenas pelos que classificaríamos como populistas. Contaminou   a maioria dos partidos e dos comentadores .

As redes sociais são sintoma e fator da fragmentação maligna, uma demonstração da degradação da convivência democrática. Nas redes sociais a violência verbal é a regra e as teorias conspirativas que a sustentam espalham-se como um vírus. Um código ético para as redes sociais poderia contribuir para a civilidade, mas não resolveria a questão da política de ódio que as antecede. 

O discurso de ódio começou por ser, no início deste século, o da extrema-direita contra os imigrantes e muçulmanos, e contaminou políticos democráticos de vários quadrantes. Espalhou-se como um fungo, para utilizar a expressão de Hannah Arendt, e abriu caminho à extrema-direita. 

Nos Estados Unidos, Trump foi eleito com um discurso de ódio contra os seus adversários, desde logo contra Hillary Clinton (“Ponham-na na cadeia!”), com mentiras impregnadas de racismo e xenofobia, tal como a sua descrição dos imigrantes mexicanos como violadores, traficantes de drogas e criminosos, que se estendeu, com outros adjetivos, a jornalistas, dirigentes estrangeiros e deputados. Donald Trump, enquanto Presidente, é responsável por um aumento significativo de crimes de ódio, só comparável aos que se seguiram ao 11 de Setembro.

Donald Trump, enquanto Presidente, é responsável por um aumento significativo de crimes de ódio, só comparável aos que se seguiram ao 11 de Setembro. 

No Brasil, com o discurso de ódio contra “Os criminosos do PT” foi destituída a Presidente Dilma Rousseff e eleito Bolsonaro, que usa como símbolo uma pistola. Recorrendo a um discurso racista antimuçulmano, chegou ao poder Modi, na Índia, e têm sucesso na Europa políticos como Salvini, Orban, Abascal e Le Pen. Portugal não está imune, como se viu com a eleição para o Parlamento de um político com um discurso de ódio racial. 

Vivemos uma época em que o discurso de ódio racial é aceite como parte da política-espetáculo ou como uma manifestação de liberdade de expressão, mas não é, é um crime que abre caminho a crimes monstruosos. Por isso, o Parlamento, o Presidente da República e a Justiça têm de reagir às declarações do deputado da extrema-direita de que Joacine Katar Moreira deveria ser deportada. 

Não se restringindo a declarações racistas, o discurso de ódio já não é apenas apanágio da extrema-direita. Assim aconteceu nas eleições espanholas, com partidos que se queriam do centro, como o Ciudadanos ou o PP, a usarem todo o vocabulário do nacionalismo extremo para classificar os adversários políticos; em França, com as manifestações dos coletes amarelos a popularizaram as expressões de ódio; no Brasil, os opositores a Bolsonaro, dividem-se em pequenos ódios e tendem a  considerar traição toda a discordância, o que impede a emergência de uma vasta frente democrática contra o obscurantismo e o autoritarismo. 

A polarização maligna impede o consenso necessário para defender as democracias contra os abusos de poder de lideres autocráticos, como o atesta a posição do Partido Republicano no julgamento de Trump. 

O debate contraditório, sobre a crise democrática, torna-se inaudível, e a manifestação cívica da oposição às opções políticas dos Governos mais difícil, como está a acontecer com a discussão da reforma das pensões em França. 

Em Portugal, a intolerância de muitos contra Joacine diluiu a discussão importante, iniciada pelos   que defendem uma visão crítica do multiculturalismo em nome do Universalismo, sobre a sua visão da identidade da mulher negra e dos seus direitos. Joacine, ao deixar de ser vista como política, feminista ou ativista negra, com quem se podia concordar ou discordar, passou a ser vítima de uma bateria de ataques  como se  ela fosse um dos  grandes problemas da democracia portuguesa.

Joacine, ao deixar de ser vista como política, feminista ou ativista negra, com quem se podia concordar ou discordar, passou a ser vítima de uma bateria de ataques  como se  ela fosse um dos  grandes problemas da democracia portuguesa.

As democracias liberais, as únicas que existem, enfrentam um desafio existencial: sectores importantes da população, revoltados contra as desigualdades e as fraquezas da democracia liberal, tendem a aceitar um discurso de ódio face aos eleitos, que aos seus olhos perdem legitimidade mal chegam ao poder. São então muitos os que aderem ao discurso racista e sexista dos populistas.

Um outro caminho é possível, o do debate cívico sobre as alternativas, tendo por base o respeito pelas diferenças de opinião, de causas e de Utopias. É altura de pararmos para pensar onde pode levar tanto ódio e assumir um compromisso com uma ética de tolerância, no debate  público e nas redes sociais, embora não menos vigilantes perante quem faz do ódio e da intolerância uma política . 

Este artigo foi publicado no jornal Público de 2 de Fevereiro de 2020