O Brasil está numa profunda crise – económica, sanitária, política e ética – possivelmente a maior da sua História. Quais cenários se descortinam no período que resta até à eleição de outubro de 2022?
Renato Janine Ribeiro é professor de ética e filosofia política, cientista político e ex-ministro da Educação do Brasil.
Evalina Dias começa a sua intervenção afirmando que a presença de afrodescendentes na discussão sobre racismo e sobre o colonialismo é uma conquista depois de muitos anos a tentar ganhar voz. Salienta o esquecimento sistémico de que afro-portugueses sofrem como cidadãos portugueses de pleno direito: é frequente, conta, afro-portugueses serem questionados sobre a sua “real” origem, como se Portugal não pudesse ser a sua real origem. Existe, explica, uma certa dificuldade em reconhecer o português negro, que não é aceite pela estrutura cultural – e mesmo política – vigente.
Ana Pereira começa a sua intervenção sublinhando que a presença de mulheres negras em espaços de debate e discussão, como foi o debate em causa, não é algo adquirido, mas sim resultado de uma luta extensa e dura para ter voz e conquistar esse lugar – e que mesmo assim este ainda não é adquirido.
José Pedro Monteiro, investigador no CES – Universidade de Coimbra
José Pedro Monteiro começa a sua abordagem com o reconhecimento por todos aqueles que sofreram com o trabalho forçado e com a escravatura e cujas histórias e contributos foram fundamentais para a investigação que tem vindo a ser feita sobre a temática. Não compreende como se pode no séc. XXI assumir a narrativa de que Portugal foi dos primeiros países a abolir a escravatura sem ter em consideração a problemática do trabalho forçado.
João Figueiredo, investigador no CEDIS – Universidade Nova de Lisboa
Como introdução à temática do debate, João Figueiredo começa por salientar que origens do racismo sistémico daquilo que poderíamos considerar moderno começam com o abolicionismo e com fim da escravatura, sem esquecer a transição do Antigo Regime para uma sociedade liberal. No começo do século XIX Portugal proíbe o comércio atlântico de escravos por pressão de Inglaterra que, além do grande poderio marítimo desde a guerra napoleónica, tem novos interesses diferentes devido ao arranque da revolução industrial. As alterações na política internacional e os inúmeros tratados e acordos entre as metrópoles reconfiguram o comércio escravo que paradoxalmente com todas as proibições não só aumenta como se torna mais lucrativo.
A primeira volta para as eleições presidenciais brasileiras está programada para o dia 2 de outubro de 2022. Para já, existem 33 partidos políticos aptos para lançar os seus candidatos.
Nas sondagens mais atuais (11 de julho de 2021) o atual presidente da extrema direita, Jair Bolsonaro, que se encontra sem partido, perderia as eleições para Lula da Silva, antigo presidente pelo Partido dos Trabalhadores (PT) que em abril viu os seus direitos políticos serem repostos pelo Supremo Tribunal Federal.
Segundo os dados do Datafolha, Lula da Silva teria 46% dos votos na primeira volta se as eleições fossem no momento da sondagem e Jair Bolsonaro cerca de 25%. Na sequência estão Ciro Gomes (PDT), com 8%, João Doria (PSDB), com 5%, e Luiz Henrique Mandetta (DEM), com 4%.
Fonte: Datafolha
A preferência por Lula da Silva fica acima da média entre brasileiros com escolaridade até ao ensino fundamental (equivalente ao 9º ano português) (56%), na parcela mais carenciada, com renda familiar de até 2 salários (57%), na região Nordeste (64%), no segmento dos católicos (51%) e nos desempregados que procuram emprego (64%).
Entre os mais ricos, Bolsonaro fica à frente do petista: 41% a 21% entre quem tem renda familiar de 5 a 10 salários, e 36% a 22% na faixa de renda familiar acima de 10 salários. Na seção de empresários também lidera, com 52% das intenções de voto, contra 25% de Lula. No segmento evangélico, há um estreito empate entre Lula (37%) e Bolsonaro (38%).
Na segunda volta, a realizar-se no dia 30 de outubro, os resultados da sondagem apontam para que Lula tenha 58% das intenções de voto e Bolsonaro 31%. Entre aqueles que optam por Ciro Gomes no 1º turno, 64% migram seu voto para Lula neste cenário, e 17% votariam em Bolsonaro. Na parcela que indica voto em Doria, 49% escolheriam Lula no 2º turno, e 27% preferem o atual presidente. Nas simulações da 2ª volta, Lula vence todos os adversários com quem é confrontado, e Bolsonaro perde para todos.
Seis em cada dez brasileiros (59%) não votariam de forma alguma em Jair Bolsonaro para presidente em 2022.
O Forum Demos associou-se ao Transeuropa Festival, promovido pelas Alternativas Europeias, que se realizará na cidade do Porto, entre os dias 21 e 25 de abril de 2022.
O Transeuropa Festival tem como objetivo explorar questões sobre as relações da Europa com o resto do mundo, a sua diversidade interna, o feminismo e a igualdade de género e as novas práticas de democracia numa cidade como o Porto, mais uma vez reconhecida pela sua qualidade artística, intelectual e cena literária. O programa do Transeuropa Festival Porto irá focar-se fundamentalmente no panorama político (o futuro da Europa e a relação Europa-Mundo), cultural e da educação pública. Os parceiros portugueses do Festival são o Forum Demos, a Universidade do Porto, a Cooperativa Árvore e Common Home of Humanity.
No quadro do Festival, o Forum Demos organizará uma Assembleia de Cidadãos , na qual se irão explorar questões como a diversidade, a hospitalidade, a igualdade e os direitos fundamentais na União Europeia. As assembleias inscrevem-se no projeto Assembleias de Solidariedade, criado pela coligação Citizens Take Over Europe.
O 11 de Setembro não foi apenas um crime contra a humanidade, sinal da emergência do extremismo identitário, mas transformou-se num conceito, como afirmaram Derrida e Habermas no mais interessante livro sobre o tema. Um conceito que refletia a enorme inquietude e medo que a monstruosidade do crime criara. Vivido em direto, como num espelho, criou o efeito de terror mundial que era o objetivo de Bin Laden. A 11 de setembro de 2001 estava em São Paulo. Debatíamos o projeto de um acordo de livre comércio entre a UE e o Mercosul. Era a esperança de uma nova ordem internacional, de um novo multilateralismo, capaz de humanizar e regular a globalização económica, cujos atores fundamentais seriam os espaços supranacionais. Assisti, com Celso Lafer, então Ministro dos Negócios Estrangeiros do Brasil, à queda da segunda torre. Erámos todos americanos, como diria um célebre editorial do Le Monde. Já então, porém, eram enormes as dúvidas sobre a atuação de George W. Bush. A hegemonia suave de Clinton tinha sido substituída pelo unilateralismo da única superpotência. Celso Lafer lembrou na ocasião a lição de Hannah Arendt de que a violência não cria poder. Ela destrói o poder como capacidade de agir conjunto. Como escrevi então, desejávamos que fosse a América mundo “de Manhattan, plural e aberta” a emergir na resposta, mas temia-se o pior.
O que mudou o mundo? Num artigo para o Público de 19 de setembro de 2001, defendi que “o que pode vir a mudar o mundo é a natureza da resposta”. O que deixou o mundo sem ordem foi a tentação de utilizar a comoção internacional para impor uma impossível paz imperial, no contexto de hegemonia americana pós-Guerra Fria. Bush fez de Bin Laden uma superpotência e “da guerra contra o terrorismo” uma ameaça à paz e à democracia. A cabeça de Bin Laden foi posta a prémio, Guantánamo tornou-se no exemplo da violação dos direitos humanos e os caçadores de prémios venderam os seus inimigos. O efeito de terror foi tragicamente amplificado.
Bush pôs o poder americano ao serviço da agenda dos neoconservadores, da tragédia anunciada de democratização pela força do grande Médio Oriente, de Marraquexe ao Bangladesh. Como em todos os projetos imperiais, a missão civilizadora era a justificação ideológica para o projeto de dominação e conquista no Médio Oriente. No mundo pós-Guerra Fria, diziam os neoconservadores, os Estados Unidos eram uma hiperpotência, livre para usar a superioridade militar ao serviço dos seus interesses. A invasão do Afeganistão foi justificada com a legitima necessidade de impedir a Al Qaeda de usar esse território. Esse, no entanto, não era o objetivo principal, como ficou bem patente na reunião de Bush com os seus principais conselheiros, logo a seguir ao 11 de setembro. Rumsfeld e Wolfowitz defenderam que a resposta devia ser a ocupação do Iraque, apesar de Saddam Hussein ser um inimigo de Bin Laden, e foram Colin Powell e Condoleezza Rice que convenceram Bush que não teria apoio internacional para tal. Bush adiou a invasão do Iraque e invadiu o Afeganistão. A ocupação militar do país, é bom lembrar-nos hoje, passou a fazer parte da estratégia de mudança de regime pela força do mundo islâmico.
As consequências Vinte anos depois, o balanço da guerra contra o terror é trágico: mais de um milhão de civis mortos, só no Iraque e no Afeganistão, milhões de refugiados, a Al Qaeda continua ativa, no Iraque invadido surgiu o Daesh. Nestes 20 anos, as democracias entraram em refluxo. Escudadas na guerra contra o terror, na ameaça supostamente existencial, a segurança, ao arrepio do Estado de direito, ganhou um lugar central no discurso político. Banalizou-se a teoria do choque das civilizações de Huntington, da visão maniqueísta de que os conflitos do futuro seriam entre o Ocidente cristão e os muçulmanos. Visão que escondia as graves desigualdades sociais criadas pela hegemonia do pensamento único neoliberal. Este foi o terreno favorável para a extrema-direita e o racismo: os muçulmanos eram apontados como a ameaça, numa perigosa amalgama entre islão, islamismo e extremismo. Salvini, já ele, num jornal do seu partido, La Padania, titulava então “um milhão de imigrantes, quantos terroristas?”.
As ditaduras apropriaram-se da guerra contra o terror, argumento perfeito para reprimir as oposições, agora rotuladas de terroristas – basta recordar a Tchetchénia ou olhar para o Egito. A democracia pagou um elevado preço pela guerra contra o terrorismo.
A alternativa Os americanos poderiam ter aprofundado a via, de Bush pai e de Clinton, de construção de uma ordem internacional assente num multilateralismo eficaz. Foi essa nova ordem internacional que permitiu a reunificação alemã e a integração de quase toda a Europa. A ela se deve também a vasta coligação internacional, legitimada pela ONU, que impediu a anexação do Koweit. Os acordos de Oslo criaram a esperança da criação de um Estado palestino. Depois da impotência perante os massacres do Ruanda e de Timor, foi possível pôr termo à limpeza étnica na Bósnia e no Kosovo. A substituição da responsabilidade de proteger pela mudança de regime tornou o consenso internacional para intervenções humanitárias extremamente difícil. A intervenção na Líbia demonstrou tragicamente que o projeto de mudança de regime dos neoconservadores tinha sobrevivido a Bush. Os sírios sofreram as consequências. O Conselho de Segurança da ONU poderia ter criado um tribunal especial para julgar os crimes contra a humanidade da Al Qaeda. No combate ao terrorismo deveria ter sido privilegiada a ação dos serviços de segurança – como diria Obama mais tarde, não se faz guerra a uma tática. No Médio Oriente, o apoio às ditaduras, que alimentava o radicalismo antiocidental, poderia ter sido substituído pelo apoio a forças democráticas. Tudo deveria ter sido feito para desconstruir a perceção dos muçulmanos como os novos bárbaros.
Em suma, do crime contra a humanidade, na mais cosmopolita das cidades, poderia ter emergido a convicção de que éramos uma só humanidade, o que continua a ser um imperativo político, social e ético. Estar à altura desse imperativo é responsabilidade dos cidadãos e particularmente dos políticos – foi o que fez o Presidente Jorge Sampaio quando se opôs à guerra do Iraque e fez do reconhecimento de que os “outros” somos nós, todos refugiados, a sua última grande causa.
*Versão revista do artigo do Público de 11 de Setembro de 2021
Jorge Sampaio (dir.) no Congresso “Portugal e o Futuro da Europa”, organizado pelo IEEI em maio de 2003, e Álvaro Vasconcelos (esq.), antigo diretor do IEEI.
No seguimento do Congresso “Portugal e o Futuro da Europa” organizado pelo IEEI em maio de 2003, que Jorge Sampaio abriu, o texto que resultou dessa apresentação foi publicado tanto no número 43 do Mundo em Português, como no número 18-19 da Revista Estratégia, tal a pertinência da intervenção. Jorge Sampaio refletia sobre o futuro da União Europeia no contexto do alargamento e da situação da segurança internacional – nomeadamente no rescaldo do 11 de setembro e no contexto da guerra do Iraque. A Política Externa e de Segurança Comum (PESC) da União Europeia era pensada, tal como o próprio projeto europeu, como mediadora para o aprofundamento de uma política mais solidária e multilateral. Como parte essencial da concretização do projeto europeu, a sua reformulação é parte integral da reformulação da UE. Após os Tratados de Roma e, depois, do Tratado de Maastricht, o projeto europeu, dizia, tinha de progredir para novas fronteiras, mais ambiciosas, sendo o Tratado Constitucional, entre muitas outras coisas, enquanto facilitador de uma Política Externa Europeia, um novo e decisivo passo.
Não se furtando, como diz, à sua consciência e à sua responsabilidade, aborda a questão do Iraque expressando a sua opinião sobre a mesma. Admite a sua posição sem ambiguidades, numa altura em que assumia o cargo de Presidente de Portugal: “cabe ao Conselho de Segurança – e só a ele – a decisão última sobre o modo de fazer cumprir as suas resoluções. Considero, portanto, que o recurso a uma intervenção militar sem o seu mandato será ferida de ilegitimidade e porá em grave risco o ordenamento jurídico elaborado no pós-guerra, nomeadamente por lúcido impulso da então Administração americana”.
Insiste, neste contexto, e à semelhança da posição da França e da Alemanha, que a guerra deve ser sempre um último recurso uma vez esgotados todos os meios pacíficos de desarmar o Iraque, como é propósito da Comunidade Internacional. Esta solução pacífica não deve, recorda, passar por qualquer outra estratégia ou mudança de regime – por mais insuportável que este seja. No caso de a solução pacífica falhar – numa altura em que a situação se agravava a largos passos – deve ser evitada uma ação militar unilateral pelas perigosas feridas que uma intervenção desse género comportaria nas relações internacionais e nas relações de cooperação e solidariedade. Ao mesmo tempo condena qualquer ação que pretenda esgotar as vias diplomáticas e enverede pela militância belicosa.
Como Jorge Sampaio coloca de forma incisiva, os acontecimentos do 11 de setembro e a detioração da paz e da segurança internacionais fazem parte de um processo agudo de reordenação que se precipitava desde a queda do muro de Berlim. Restava olhar para o futuro e para a possibilidade de uma Europa mais aberta e integrada, ator imprescindível de uma ordem multilateral mais inclusiva e eficaz.
Os relógios marcavam 08:46 horas em Nova Iorque quando no dia 11 de setembro de 2001 o voo 11 da American Airlines com destino a Los Angeles embateu contra a Torre Norte do World Trade Center. Quando já o mundo inteiro observava as imagens e se questionava sobre o que estava a acontecer, às 9:03, o voo 175 da United Airlines embate na Torre Sul e cerca de meia hora mais tarde, o voo 77 da American Airlines atinge o Pentágono.
Não restava dúvida: Os Estados Unidos sofriam um violento atentado terrorista que causou quase 3000 mortos e a natureza da sua resposta condicionaria o rumo que este dia traria para o Mundo.
Esta abrupta alteração na ordem internacional foi objeto de numerosas publicações do Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais (IEEI), como se pode ver pela lista abaixo, que tratou abundantemente do tema ao longo de vários anos, acompanhando a evolução da intervenção americana no Médio Oriente, as decisões da Administração Bush, o posicionamento da União Europeia e as consequências para a ordem internacional.