Observatório das eleições brasileiras 2018

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2018 é, indefetivelmente, um ano chave para o futuro da democracia brasileira. Desde logo porque a democracia brasileira, que atravessa uma grave crise, entra agora em contagem regressiva para a escolha de um novo Presidente da República e, ao mesmo tempo, Governadores, Senadores, Deputados Federais e Deputados Estaduais.

Diante deste cenário, orientado que é para a promoção do debate sobre o futuro da democracia, o Fórum Demos cria um Observatório das eleições brasileiras de Outubro 2018.

Contará, para esse efeito, com a colaboração de Renato Janine Ribeiro, professor de ética e filosofia política, cientista político e ex-ministro da Educação do Brasil  que analisará, semanalmente, a campanha eleitoral brasileira.

Acompanhe por aqui.


Crónica n.º 1

Falta combinar com os russos

Por Renato Janine Ribeiro*

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Nunca vivemos, no Brasil, tamanha indefinição a menos de dois meses das eleições. (No Brasil, que tem um regime presidencialista, funcionando com mandatos fixos para o Executivo e o Legislativo, os pleitos demoram muito tempo a serem organizados. Em Portugal, entre a dissolução da Assembleia e a eleição, o prazo pode ser curto; para nós, não). O pleito pode levar à vitória de Lula, líder nas pesquisas (mas o Judiciário não vai deixar), de seu  suplente Haddad (ainda uma incógnita), ambos de esquerda, ou do temível Bolsonaro (segundo nas pesquisas), de extrema-direita, ou do favorito do capital e da mídia, Alckmin, pela direita (só que suas intenções de voto são medíocres).

Mas o melhor é começarmos esta série falando de algo mais grave, que é a ruína das instituições. O presidencialismo significa que haja três poderes constitucionais “independentes e harmônicos entre si”, o que é um certo exagero, porque eles não são totalmente independentes e nada garante que se mostrem harmônicos.

Ora, o que aconteceu estes anos? Primeiro, o Poder Executivo, que cabe à presidência da República, foi esvaziado, em parte com sua própria colaboração. Dilma Rousseff não teve a extraordinária habilidade política de seu criador, Lula. Governando quando já tinha acabado o boom das commodities, que alimentou as políticas sociais bem desenhadas de Lula, Dilma teve contra si a fortuna, de que fala Maquiavel (em seu caso, o infortúnio) – e lhe faltou a virtù necessária para navegar em mares tempestuosos. Segundo, o Poder Legislativo, no qual ela perdeu a maioria, levando a seu impeachment, também se debilitou por completo. Assim os dois poderes eleitos, os propriamente democráticos, cometeram um haraquiri institucional. Michel Temer, sucessor de Dilma, conseguiu o duvidoso feito de ser intensamente desprezado – a única coisa, para um político, pior do que ser odiado.

Dessa maneira o terceiro poder, o que se preenche por concursos e cooptação, isto é, o que tem critérios aristocráticos e não democráticos de acesso, assumiu a liderança do processo político. Isso é preocupante, até porque o Ministério Público se tornou parceiro dos tribunais, o que é errado: acusador e julgador se associam, por exemplo, na operação Lava Jato (sic: o correto seria Lava a Jato). Essa operação contra a corrupção, que despertou certa esperança no país, focou porém a mira no PT e seus aliados. Lula foi julgado com presteza inédita nos anais judiciários, dando à esquerda bons argumentos para sustentar que sua condenação foi política.

E agora também as carreiras jurídicas, a dos acusadores e a dos juízes, bem como a Polícia Federal, se tornam alvo de críticas. Não há mais poder que receba crédito da sociedade. Tomemos o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, que passou anos atacando o PT em falas e decisões: bastou que voltasse a ter uma visão “garantista” dos direitos dos acusados, em especial quanto ao valor básico da presunção de inocência, para a direita o demonizar. Num ambiente polarizado pelo impeachment (como o chamam os que o apoiam) ou golpe (como o chamam os setores progressistas), as instituições do Estado brasileiro somente são respeitadas quando coincidem com as convicções das pessoas. O mesmo que hoje é aplaudido pode ser vaiado amanhã, basta que ele decida de outro modo.

Pesquisas mostram que os cidadãos só confiam mesmo nas  Forças  Armadas e, sobretudo, nas Igrejas. Não espanta então que muitos falem em “intervenção militar constitucional”, uma contradição em termos, mas que é um dos eixos da extrema-direita brasileira.

Neste quadro, o que temos para a eleição? uma extrema-direita atrevida, uma direita acanhada e com poucas intenções de voto e, ainda, uma centro-esquerda por enquanto dividida entre Lula e Ciro Gomes, que foi seu ministro mas não quer mais ser apêndice do PT. Há poucas dúvidas de que Lula, se puder concorrer, terá o maior número de votos na primeira volta e possivelmente ganhará a segunda. Como, porém, tudo tem sido feito para impedi-lo, inclusive medidas à margem da lei, é provável que seu indicado, o ex-ministro da Educação Fernando Haddad, herde uma parte razoável de seus votos. Não se sabe ainda, porém, como será a disputa entre Haddad e Ciro Gomes, ambos concorrendo pela centro-esquerda, que foi banida do Estado, mas conserva popularidade devido ao sucesso das políticas sociais dos governos petistas.

Possivelmente a outra vaga na segunda volta será disputada entre Bolsonaro, pela extrema-direita, e Alckmin, ex-governador de São Paulo, pela direita.  Toda a esperança de Alckmin, da grande mídia e do empresariado que o apoia está nos minutos de televisão que sua coligação terá durante os trinta dias de campanha. Espera desidratar Bolsonaro e firmar-se como candidato. Não será fácil. Ele escolheu como vice uma senadora cujas ideias balançam entre a direita e a extrema-direita, do Sul do País, e parece ter desistido de disputar votos no Nordeste, onde nem ele nem Bolsonaro têm popularidade.

Há uma história que se conta de Garrincha que, junto com Pelé, foi um dos maiores futebolistas brasileiros. Na Copa do Mundo de 1958, a primeira que o Brasil ganhou, o técnico Vicente Feola explicava qual a estratégia a adotar na partida com a então União Soviética, que ele chamava de “Rússia”. Às tantas, Garrincha, homem simples, perguntou ao técnico: “E o senhor, combinou com os russos?” A dificuldade de Alckmin é essa: é o nome ideal para o governo, segundo o Establishment, mas falta combinar com os russos, no caso, o eleitorado. Veremos.

* Renato Janine Ribeiro é  professor de ética e filosofia política na Universidade de S. Paulo (USP) e na Universidade Federal de S. Paulo (UNIFESP). Foi ministro da Educação do Brasil (2015).


 Crónica n.º 2

A eleição brasileira e seus cinco favoritos

Por Renato Janine Ribeiro*

imagem BBC

Neste momento, a apenas 45 dias das eleições presidenciais, o Brasil vive um momento em que pouco se pode prever do futuro. Se eleições têm sempre um fator forte de imprevisibilidade, no caso este fator é fortíssimo: o que parece mais provável é que o vitorioso em outubro seja um dentre cinco candidatos. Um grande elenco, ainda mais porque vão da extrema-direita até a esquerda.

Seguindo esse itinerário, temos em primeiro lugar o extremista Jair Bolsonaro, com a promessa de pôr fim a políticas públicas de apoio aos historicamente discriminados, de mulheres a afrodescendentes e indígenas. Está estabilizado nos 20% e, como não deixarão concorrer Lula, que chegou aos 40%, fica então em primeiro lugar dentre os que estarão nas urnas eletrônicas em 7 de outubro.

Depois, o querido do mercado e da mídia, Geraldo Alckmin, do PSDB, ex-governador de São Paulo. Consegue algo como 1,7% das intenções de voto nos estados do Nordeste, Norte e Centro-Oeste, que reúnem 40% do eleitorado nacional. Nos estados mais favoráveis a ele, está com 8,4%. Terá o maior tempo na propaganda televisiva – perto de metade do total – mas os eleitores teimam em não querer votar nele. Nada mudou aqui, desde a semana passada.

No centro, há Marina Silva, duas vezes candidata, duas vezes a surpresa com 20% dos votos, soma que hoje provavelmente lhe permitiria um lugar no segundo turno e, se concorrer com Bolsonaro, uma possível vitória. Mas ela não tem estrutura partidária e, além disso, fica pouco visível nos intervalos de quatro anos entre uma disputa eleitoral e outra. Além disso, da causa ambiental, sua marca registrada na esteira de seu mestre Chico Mendes, foi migrando para o discurso econômico próximo ao PSDB, o que faz os setores populares verem seu nome com certa desconfiança. Pode ser a (boa) surpresa desta eleição.

Na centro-esquerda, temos Ciro Gomes, ex-governador do Ceará, que concorre com as credenciais de não ter nenhum processo contra si nos importantes cargos que ocupou e de propor medidas econômicas alternativas às do condomínio Temer-Alckmin. Seu problema é também seu trunfo: a disposição a falar o que lhe passa na cabeça. Assim, advertiu a Boeing que, se ela comprar a Embraer no apagar das luzes de um governo ilegítimo, ele anulará o negócio. Disse igualmente que juízes e promotores devem voltar a suas incumbências, o que levou a mídia a acusa-lo de querer tutelar o Poder Judiciário – mas, no fundo, é o que todo presidenciável fará, se eleito for.

Finalmente, a incógnita chamada PT. Se Lula for autorizado a concorrer, o que é muito improvável, ganha. Talvez no primeiro turno. Sua popularidade só cresceu, à medida que os mais pobres – e não só eles – pagavam a conta da recessão e das medidas econômicas conservadoras adotadas por Temer. Espantosamente, se o PT desde 2013 não consegue mais lotar as ruas – nem mesmo contra o impeachment de Dilma ou a prisão de Lula, os dois golpes mais duros que recebeu em sua vida de 37 anos – ele parece o mais capaz de encher as urnas de votos. Talvez porque seus eleitores vivem nos bairros pobres, onde se manifestar politicamente é muito mais perigoso do que nas avenidas centrais das grandes cidades, espaço das classes mais abonadas.

Fernando Haddad e Lula

Na hipótese mais provável de Lula não poder disputar, o nome é Fernando Haddad, que foi meu antecessor (não imediato) como Ministro da Educação. Ocupou o cargo durante oito anos, uma das gestões mais longas desta pasta, e mudou muito – para melhor – a educação brasileira. Jovem para um político (55 anos), a questão que se põe é simplesmente se Lula, preso, conseguirá emplacar no eleitorado menos informado a percepção de que, nesta eleição, “Lula é Haddad”. Por enquanto, todos os analistas que acreditaram que Lula devia sair logo do páreo e ceder o lugar a Haddad erraram. Lula, apesar de não vir de nenhuma oligarquia de políticos, parece ter a política no sangue, tanto que só fez aumentar suas intenções de voto. É provável, se tivesse cedido a vez a Haddad semanas ou meses atrás, transferisse menos votos do que ficando no páreo o mais que possa. Aliás, esta semana, quando foi se evidenciando que o candidato será Haddad, este foi brindado com uma estranha acusação aceita pela Justiça, a de um ato de corrupção que é pouco provável que ele tenha praticado. A coincidência nas datas pode não ser mera coincidência.

* Renato Janine Ribeiro é  professor de ética e filosofia política na Universidade de S. Paulo (USP) e na Universidade Federal de S. Paulo (UNIFESP). Foi ministro da Educação do Brasil (2015).


Crónica n.º 3

Haddad talvez enfrente Alckmin nas eleições brasileiras

Por Renato Janine Ribeiro*

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Os dois líderes brasileiros, nesta campanha eleitoral para a presidência da República, que se têm mostrado mais calmos são justamente o nome maior do PT, Lula, preso para não se candidatar, e o concorrente do PSDB, Geraldo Alckmin. As estratégias de ambos foram criticadas com veemência pelos analistas da política, e no entanto já estão dando certo para Lula, e podem dar para Alckmin.

Lula, de centro-esquerda, conservou sua candidatura contra ventos e marés. A sabedoria dos politólogos dizia que ele devia promover o mais rapidamente possível sua substituição pelo candidato que o PT lançará de fato, fosse ele Jaques Wagner, da Bahia, ou Fernando Haddad, de São Paulo. Mas a decisão de Lula foi de preservar seu nome na campanha o mais que pudesse, e com isso suas intenções de voto foram subindo sem parar, hoje girando em torno de 40%, o que, dadas as fortes taxas de abstenção ou anulação de voto previstas, podem beirar a maioria absoluta. Lula tem um sangue frio admirável, e mesmo sendo homem do povo, de origem pobre, com pouca educação formal, sabe negociar com as raposas velhas da política como poucos.

Alckmin, de direita, está há tempos no terceiro pelotão das sondagens de opinião pública. Fica bem depois de Lula e seguramente atrás de Bolsonaro, o nome da extrema-direita. Na verdade, Alckmin disputa o terceiro lugar com Marina Silva e Ciro Gomes. Mas resistiu a todas as tentativas de sair do páreo (talvez cedendo o lugar a Marina, que tem uma boa imagem ética), sustentando que no horário eleitoral obrigatório, com mais tempo na televisão e no rádio, reverterá a situação. O horário começa esta sexta-feira, 31 de agosto, e Alckmin tem quase metade do tempo total, graças a suas coligações. Seu primeiro programa é um ataque muito bem feito ao mantra de Bolsonaro, que confia muito na força policial para resolver toda sorte de problema.

Isso quer dizer que, dentre os cinco nomes possíveis para a presidência, que elenquei na última coluna, a disputa está-se afunilando. Ciro Gomes, o nome alternativo para a centro-esquerda, parece que ficará fora do jogo. Não apenas Lula é o primeiro nas sondagens de voto, como estas também afirmam que ele, uma vez proibido pelo Judiciário de concorrer, transferirá votos suficientes para que seu delfim, Fernando Haddad, tenha uma das vagas no segundo turno. Ou seja, do lado do centro-esquerda, parece que o jogo está se desenhando.

O que hoje resta é então a disputa pela outra vaga, melhor dizendo, fica a questão se Bolsonaro manterá sua posição de vantagem e irá à final, ou será desbancado por alguém, possivelmente Alckmin. Bolsonaro tem eleitores muito fiéis, mas eles são antes de mais nada homens e pertencem aos estados do Sul e Sudeste. Ele é muito tosco com as mulheres e nesta parte do eleitorado enfrenta fortes resistências. Nos estados que mais ganharam com as políticas sociais do PT, em especial o Nordeste e o Norte, também se mostra fraco.

Se Alckmin conseguirá dobrar ou triplicar suas intenções de voto, com os programas de televisão, é essa a questão. Bolsonaro tem apenas oito segundos por dia (o suficiente para dizer algo assim “quero um Brasil em que o homem seja homem e a mulher seja mulher”, digamos). Não é provável que, indo para o segundo turno, supere as resistências fortes a seu nome, mas a maior parte das pessoas que conheço prefere não pagar para ver.

A boa aposta seria, para Alckmin ou Lula-Haddad, ir para o segundo turno contra Bolsonaro. Um tipo de voto útil talvez unisse seus partidos contra o mal maior, suspendendo ou relativizando o fratricídio que consistiu no impeachment e numa aliança, ora fraca, ora forte, do PSDB com a extrema-direita. Mas ao que parece, hoje, esse cenário somente serviria para Haddad.

A outra vaga na final seria então disputada entre a direita e a extrema-direita. Alckmin tem sangue frio (o mesmo que eu disse de Lula). Não perde a paciência e a capacidade de cálculo. Vê à sua direita crescer a candidatura de um banqueiro, João Amoêdo, cujas ideias são próximas das de Bolsonaro (privatizar tudo + acabar com qualquer política pública pela igualdade das mulheres e dos negros), mas tem boas maneiras e por isso não incomoda os assim chamados mercados. Porém, na hora decisiva, é provável que o eleitorado de Amoêdo (provavelmente um por cento, mas que chega a 4 numa única pesquisa que, por destoar das demais e ter sido feita por um banco, está sendo contestada) vá de Alckmin.

Assim, parece que as coisas estão se ordenando melhor. A pulverização acentuada das últimas semanas está dando lugar a uma relativa concentração dos votos, pelo menos do lado da centro-esquerda. Um ponto em que Lula e Alckmin coincidem é que desde o começo ambos acreditam que a disputa final se fará entre seus partidos, o PT e o PSDB, que dominam nossa cena política há mais de vinte anos. Ainda vai rolar água nos rios brasileiros, mas esta perspectiva parece mais razoável agora. Porém, de todo modo, neste momento tudo depende de duas coisas: assegurar-se a transferência de votos de Lula para Haddad, no PT, e Alckmin triunfar de Bolsonaro, no campo oposto. A ver.

* Renato Janine Ribeiro é  professor de ética e filosofia política na Universidade de S. Paulo (USP) e na Universidade Federal de S. Paulo (UNIFESP). Foi ministro da Educação do Brasil (2015).


Crónica n.º 4

Segundo turno com Bolsonaro vs. a centro-esquerda?

Por Renato Janine Ribeiro*
montagem-3-1526308529128_615x300(FONTE: Arte/UOL)

O quadro confuso da campanha presidencial brasileira vai aos poucos tomando forma. Primeiro, salvo uma intervenção quase divina, Lula está fora do pleito e seu ex-ministro da Educação, Fernando Haddad, o substituirá. Segundo, em todas as simulações de segundo turno, o extremista de direita Jair Bolsonaro perde a eleição (exceto para Haddad, mas este está subindo e quase certamente o ultrapassará nas pesquisas da semana que vem). Terceiro, o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, candidato pela direita em que se converteu o PSDB, está com sérias dificuldades para ir até a final eleitoral, parecendo improvável que tire o lugar que parece ocupado por Bolsonaro.

“Só o caos favoreceria a eleição de um candidato que sobrepõe a força à razão”, afirma uma de nossas melhores analistas políticas, Maria Cristina Fernandes, do jornal Valor, referindo-se a Bolsonaro. Mas, ainda mais depois do choque nas classes letradas que foi a destruição pelas chamas do Museu Nacional, domingo passado – um museu com enorme acervo, mas sem brigada antiincêndio e com hidrantes secos – tudo parece possível.

Vamos, então. O PT segurou o nome de Lula o quanto pôde, mas o Judiciário brasileiro, que em tempos de campanha eleitoral costuma ser veloz, está lhe impondo a substituição em poucos dias. Lula é um homem inteligente, político sagaz, e não acredito que tenha mantido sua candidatura por vaidade, e sim por cálculo. Avaliou que, quanto mais seu nome carismático estivesse em campo, maior o cabedal de votos que amealharia. E, contra a opinião de todos os analistas políticos, acertou. Nas últimas enquetes, passou de 40% das intenções de sufrágio. Agora, finalmente, é hora de sagrar seu delfim como candidato. Mas é bom dizer, tudo isso já estava na cabeça de Lula. Não foi surpresa para ele a condenação, nem a prisão, nem a inelegibilidade.

Geraldo Alckmin, o outro candidato de extremo sangue frio, apostou num grande fator para ir ao segundo turno: o fato de ter quase a metade do horário eleitoral obrigatório, impropriamente chamado de gratuito, porque é pago pelos cofres públicos. Apresenta-se como quem é, uma pessoa calma, prosaica, sem nada da dimensão épica de Lula, imperial de Fernando Henrique Cardoso, inspiradora de Marina Silva, valente de Ciro Gomes ou violenta de Bolsonaro. Promete restabelecer o diálogo no País, coisa que está mesmo faltando.

Mas tem um calcanhar de Aquiles: as propostas de seu partido são as do governo Temer, o mais impopular e mesmo desprezado de que se tem notícia. Alckmin faz o possível para se dissociar dele, mas com razão Temer, esta quarta-feira, gravou um vídeo chamando-o à ordem (veja-se em https://www.youtube.com/watch?reload=9&v=iu9jTPVCwHk ). E essa peça, não publicitária, tem tudo para atrapalhar Alckmin, ao revelar um vínculo que ele quer esconder.

Afinal, o Brasil passa pelo trauma de ter dois, de seus quatro presidentes eleitos no período democrático iniciado em 1985, afastados por impeachment. Cinquenta por cento! Uma situação agravada porque, se Collor caiu em 1992 ante a oposição quase unânime da sociedade, Dilma foi destituída tendo o apoio de uma parte variável, não mobilizada, mas que se move em torno de um terço da população. (No Brasil, pode-se dizer que há um terço à direita, outro à esquerda e um móvel).

E, enquanto Temer e seus apoiadores do PSDB iam descumprindo a promessa de fazer o Brasil melhorar imediatamente, tão logo se tirasse Dilma do poder, o terço mais à esquerda se recompunha e o terço indeciso começava a odiar os golpistas, não por terem dado o golpe, mas por não trazerem o prometido. Aliás, o mais grave foi que a própria direita se desencantou com o PSDB e este partido corre o sério risco de ficar fora do segundo turno.

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Está na hora, paradoxalmente, de já começarmos a pensar no futuro – isso mesmo sem se saber ainda os resultados de uma eleição, em que muita coisa é possível.

Para o PSDB, partido de Fernando Henrique, uma (hoje provável) derrota será um desastre. Já teve quatro derrotas sucessivas para a presidência, desde 2002, todas para o PT. Depois da última, parecia que vivíamos uma contagem regressiva até a eleição tranquila de um nome do PSDB para a presidência em outubro deste ano.  Mas a enorme impopularidade de Dilma, mais a expectativa de antecipar a subida ao poder ainda que pela via torta de um impeachment duvidoso, foram uma tentação forte demais para o presidente do partido, Aécio Neves.

Só que isso deixou o PSDB na linha de fogo. As revelações contra o próprio Aécio o liquidaram politicamente. Desistiu de concorrer ao Senado e vai disputar a Câmara de Deputados, e mesmo esta eleição mais fácil ele pode perder. Ironicamente, sua sucessora no Senado poderá ser, exatamente, Dilma Rousseff… Pior que isso, seu partido carrega a mácula de apoiar políticas duras com o trabalho, generosas com os rentistas mas, acima de tudo, até o momento sem resultados perceptíveis. Há a possibilidade de que o PSDB acabe tendo alguns governadores, inclusive nos Estados-chave que são S. Paulo e Minas Gerais, mas saia enfraquecido das eleições parlamentares e desmoralizado das presidenciais.

Para o PT, uma derrota não seria ruim. O partido se reorganizou, depois de chegar ao fundo do poço em 2016, quando foram poucas as vozes a defendê-lo. Na verdade, desde as manifestações de 2013, por melhores serviços públicos, o PT perdeu as ruas, que antes dominara. O curioso é que nos últimos dois anos o PT avançou muito nas expectativas de voto, mas não voltou a tomar as ruas. Mesmo o encarceramento de Lula despertou protestos presenciais inferiores, em dimensão, aos que exigiram, anos antes, a partida de Dilma do governo. Assim, hoje o PT, o que é espantoso para um partido que historicamente se apoiou nos movimentos sociais, é mais forte nas urnas do que nas ruas.

Continuar na oposição não será, para ele, um grande problema. Somará, em sua narrativa, a injustiça da destituição de Dilma e a do aprisionamento de Lula. Como o próximo período presidencial deve ser bastante difícil, será talvez mais fácil ser estilingue do que vidraça, como se diz no Brasil: atacar, mais que defender; estar na oposição, mais do que no poder.

O verdadeiro problema para o PT será, no governo ou na oposição, definir novos projetos políticos.  A campanha de Lula se baseou muito na volta: “o Brasil feliz de novo”. Mas não temos mais os recursos econômicos proporcionados pelo boom das commodities – e o PT, que em 2002 foi um quase consenso no Brasil, bem maior do que seus votos efetivos, hoje é odiado pela mídia, pelo patronato, pelas carreiras jurídicas no Estado, pela classe média paulista e sulista . Se ganhar o governo, terá que enfrentar essa coligação, inferior em votos mas forte no poder. Como o fará, eis a questão.

***

Finalmente, como seriam hoje, 7 de setembro, feriado que marca a independência nacional, as eleições, a um mês exato da data marcada para elas? Primeiro, exclusão do PSDB. Segundo, Bolsonaro no segundo turno. Terceiro, Ciro Gomes como seu opositor na final eleitoral (mas talvez Haddad, se nos próximos dias ficar claro para a massa lulista que ele é o substituto de Lula na urna eleitoral). Quarto, vitória da centro-esquerda, com Ciro Gomes (hoje) ou Fernando Haddad (daqui a uma semana). Mas política são nuvens, elas oferecem uma imagem que muda a cada instante.

* Renato Janine Ribeiro é  professor de ética e filosofia política na Universidade de S. Paulo (USP) e na Universidade Federal de S. Paulo (UNIFESP). Foi ministro da Educação do Brasil (2015).


Crónica n.º 5

O tecido social brasileiro em dissolução

Por Renato Janine Ribeiro*
Bolsonaro é esfaqueado durante ato de campanha em MG(Fonte: Fábio Motta/Estadão Conteúdo)

O ataque, quase um assassinato, contra Jair Bolsonaro ilustra – e agrava – a dissolução do tecido social no Brasil. Primeiro foi o Estado que entrou num processo de destruição, com os poderes executivo e legislativo se desmoralizando, perdendo legitimidade, e depois deles o terceiro poder, o judiciário, entrando na mira do desprestígio. Agora é a sociedade que entra em quase-colapso. Em comum a esses preocupantes processos, um ponto: cada um faz o que quer.

Todo aquele que tem algum poder ou força está fazendo o que lhe vem à cabeça, sem se preocupar com nenhum deste de dois grandes outros que constroem a vida social: as outras pessoas e grupos; o futuro. Literalmente, estamos no tempo dos inconsequentes. Esta semana, Bolsonaro afirmou que varreria  petistas a tiro de metralhadora, e os órgãos judiciais, tão velozes no afã de bloquear Lula e mesmo qualquer candidato petista viável à presidência, nem se mexeram. Isso, na política.

No domingo passado, o Museu Nacional ardeu, sobrando apenas algumas de suas enormes coleções. Era uma tragédia anunciada havia muito tempo. Nos últimos anos, a verba para conservação do Museu não passou de 500 mil reais, caindo este ano para apenas 50 mil: mas mesmo o valor mais alto era absolutamente insuficiente para a segurança das coleções, como agora se mostrou. Isso, na cultura.

Esta quinta-feira, o ministro Luiz Barroso, do Supremo Tribunal Federal, deu parecer favorável à prática do homeschooling, defendido por alguns como uma forma de educar os filhos em casa, fora da escola. Essa prática é condenada pela grande maioria dos educadores, porque limita seriamente a socialização das crianças. Afirmo, há vários anos, que as cortes brasileiras são bastante favoráveis aos direitos humanos, sobretudo os de titularidade individual, como é o caso, mas pouco sabem da democracia e dos direitos sociais. A decisão dá aos pais um controle sobre os filhos numa dimensão que é difícil de defender numa democracia, em que as crianças têm seus próprios direitos, inclusive o de se socializarem e de defenderem personalidades autônomas em relação a seus genitores. Mas, com o enfraquecimento do tecido político, alguns ministros do STF, entre eles Barroso, se têm posto a reescrever a própria Constituição e a tomar decisões cada vez mais políticas, no lugar dos eleitos do povo.

Estamos assim numa situação em que se somam uma non-accountability e um não-comedimento. A hybris, a soberba, a desmedida parecem haver tomado conta da coisa pública e, também, das relações sociais. Na dimensão mais política, quem tem algum poder faz uso dele ao extremo. Os juízes, que haviam conseguido uma aura de respeitabilidade na luta contra a corrupção, agora estão sendo cada vez mais criticados devido a medidas tomadas para ganharem salários acima do limite constitucional, que já é elevado – atualmente, de R$ 33 mil, mas devendo passar para 39 mil , por mês.

Já nas relações pessoais, a intolerância em relação a quem pensa, ou é, diferente está subindo a um patamar muito elevado. Em boa parte, Bolsonaro é responsável por esse clima de ódio, mas ele também é um sintoma de descontentamento. Em 2013, as ruas brasileiras foram tomadas por multidões de descontentes. O Brasil havia melhorado muito em todos os indicadores, sociais e econômicos, mas as pessoas queriam – com razão – melhores educação, saúde, transporte coletivo. Contudo, a falta de organização das manifestações, seu carater espontâneo, a insuficiente cultura política do país produziram gigantesca decepção. Naquela ocasião, talvez pela primeira vez na história brasileira, deitou pé a sensação de que os mais variados problemas teriam solução política. A política apareceu como solução. Cinco anos depois, a política aparece como monstro, como causa de todos os problemas. O apelo a candidatos extremistas, como Bolsonaro e o ainda pouco conhecido Cabo Daciolo, nasceu dessa grande decepção.

Para piorar tudo, os meios bolsonaristas parecem dispostos a uma escalada de ódio, após o atentado a seu líder. E, o que não é menos preocupante, muita gente desconfiou – e vários ainda desconfiam – da veracidade do atentado. Levantamento das reações no Facebook entre 17 e 18h30 de quinta-feira, isto é, pouco mais de uma hora após o atentado, mostram que mais da metade dos que emitiram juízo de valor acreditavam que se tratava de uma montagem, de uma “armação”, para aumentar a popularidade de Bolsonaro, dando-lhe o papel de vítima. Do ponto de vista humano, é sinal de que a compaixão, sentimento por sinal que parece faltar ao candidato, também faltou a quem diverge dele. O mínimo necessário para a convivência social parece estar falhando, no Brasil.mapa de interação

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Perspectivas eleitorais? Bolsonaro sobrevive. Não fará mais eventos de campanha, o que para ele é bom, dado seu desempenho pífio em debates e entrevistas. Sua imagem se fortalece na sua bolha, agora com a auréola de mártir. Mas vejam o dado que apontei acima: 43,4% dos posts no Facebook questionando a veracidade do ataque a Bolsonaro, 9,1% associando o ataque ao discurso de ódio do candidato, 5,5% receosos de que aumente o apoio a ele dão um total de 58% que provavelmente estão contra ele, politicamente falando. Os que assumem seu discurso, culpando a esquerda, são apenas 17%. Finalmente,  há 11,8% que criticam quem comemorou o ataque, mas que não são necessariamente favoráveis a Bolsonaro. Em suma, o candidato da extrema-direita, mesmo vítima, não parece ir além da bolha. Continua valendo o que escrevi, horas antes do ataque, na minha coluna desta semana, que agora complemento com essa assustadora breaking news.

* Renato Janine Ribeiro é  professor de ética e filosofia política na Universidade de S. Paulo (USP) e na Universidade Federal de S. Paulo (UNIFESP). Foi ministro da Educação do Brasil (2015).


Contra-revolução autoritária: Brasil alerta máximo

Por Álvaro Vasconcelos*

Grupo de Mulheres Unidas Contra Bolsonaro, no Facebook, explode e tem 10 mil pedidos de adesão por minuto

O esfaqueamento de Bolsonaro, candidato da extrema-direita militar, é mais um alerta para as gravíssimas ameaças à democracia, num quadro de contra-revolução autoritária e nacionalista que põe em perigo a liberdade.

O atentado contra Bolsonaro não foi montado pelo seu partido, e as teorias conspirativas do próprio e dos seus adversários só servem para ocultar o proveito que o candidato pretende tirar dele. O incêndio do Reichstag, ato individual ou inventona Nazi, serviu os objetivos de Hitler. Vivemos o século XXI como se tivéssemos esquecido o século XX e as suas trágicas lições.

Vivemos o século XXI como se tivéssemos esquecido o século XX e as suas trágicas lições.”

A guerra civil fria que polariza o país desde a eleição de 2014, agravada pelo impeachment de Dilma Rousseff e a prisão de Lula, líder das intenções de voto, está a ganhar contornos cada vez mais violentos.
Dias antes de ser esfaqueado, Bolsonaro tinha declarado no Acre que iria fuzilar todos os petralhas (ou seja, os políticos do PT). Num ambiente em que os discursos de ódio de Bolsonaro se multiplicavam, a caravana eleitoral de Lula foi baleada, Marielle Franco foi assassinada e refugiados venezuelanos atacados.
Como noutros países democráticos, a via da extrema-direita para o poder não passa pelo golpe militar, mas pelos atos eleitorais, como na Áustria e na Itália. Instalada no poder, sozinha ou em coligação, vai paulatinamente destruindo as liberdades públicas, o Estado de direito e a convivência intercultural, como fez o PIS na Polónia, ou o Fidesz de Viktor Orbán na Hungria. É o que Trump gostaria de fazer nos Estados Unidos, mas tem sido impedido pela independência das instituições e pela sociedade civil americana. No Brasil, porém, os contrapoderes são mais frágeis e uma vitória de Bolsonaro significaria um regresso do autoritarismo militar.

O movimento Mulheres Contra Bolsonaro, com quase um milhão de membros, é a prova de que a sociedade civil brasileira está em movimento  para prevenir uma ditadura militar pela via eleitoral.

O que a extrema-direita odeia não são as eleições, pelo menos enquanto estão na oposição, mas a liberdade, a igualdade e a fraternidade. Esses valores fundamentais são apontados como responsáveis pela decadência da sociedade e a eles contrapõem o nacionalismo e a superioridade étnica. Bolsonaro, que é quem de forma mais transparente assume a natureza neofascista da sua ideologia, elogia a ditadura militar e expressa, sem pudor, o ódio e desprezo pelos direitos das mulheres, dos homossexuais, dos negros e dos emigrantes, a quem chamou “escória do mundo”.
Perante a gravidade da situação, como devem reagir os democratas?
Alguns, como se viu com o debate sobre o convite a Marine Le Pen para participar na Web Summit, em Lisboa, defendem a via do diálogo com a extrema-direita. Há quem acuse os que se opõem a esse diálogo de incoerência, pois não criticariam com o mesmo afinco os regimes totalitários de esquerda. Esquecem-se que a guerra fria acabou há quase 30 anos e que a hipótese de tomada de poder pelos comunistas é nula enquanto a da extrema-direita é bem real. Esquecem-se do grave erro da social-democracia e dos comunistas alemães, quando, perante a ameaça do nazismo, continuaram a ver-se como inimigos. Na Europa, a incoerência perante a extrema-direita está bem patente no Partido Popular Europeu, que mantém o Fidesz e o PIS no seu seio (sem que o PSD e o CDS clarifiquem a sua posição).
No Brasil, apoiantes de Bolsonaro, mas também de outras forças que se autointitulam liberais, classificam de comunista o Partido dos Trabalhadores. Mas o PT é um partido social-democrata de esquerda, que governou, apesar dos erros graves, sem pôr em causa a economia do mercado, tendo uma política de distribuição de riqueza para enfrentar a grave dívida social do Brasil. Maduro e Chávez estão muito mais perto do caudilhismo militar latino-americano que inspira Bolsonaro do que de Lula.
Para combater a extrema-direita é fundamental aplicar a lei: os apelos ao ódio e a propagação do racismo são crime. Para isso é preciso preservar o Estado de Direito e dar-lhe os meios para agir. Na Europa nem sempre tem sido feito assim, como se vê na lentidão com que as instituições europeias têm agido contra os governos da Hungria e da Polónia.

Para derrotar a extrema-direita é imperioso não só que a direita liberal supere a sua incoerência ética, mas também que a esquerda democrática supere a sua incoerência social.

No Brasil a situação é particularmente perigosa porque o Estado está muito fragilizado e com um judiciário politizado, mas silencioso sobre os apelos ao ódio e à violência, as Forças Armadas intervêm cada vez mais no debate político e há uma elite pronta a tudo para se manter no poder.
Não basta, no entanto, defender as liberdades e combater o racismo.
Para ganharem eleições, os partidos democráticos têm de enfrentar as graves distorções do sistema económico e financeiro e as gritantes desigualdades que provocam, o que explica a indignação das classes médias e a sua adesão a propostas demagógicas dos populistas. Para derrotar a extrema-direita é imperioso não só que a direita liberal supere a sua incoerência ética, mas também que a esquerda democrática supere a sua incoerência social.
A situação no Brasil é particularmente grave e deve ser vista como mais um alerta para a necessidade de travar os avanços da contra- revolução autoritária, o que só será possível assumindo que o risco é real e mobilizando a sociedade, sem sectarismo ideológico, para o conter. O movimento Mulheres Contra Bolsonaro, com quase um milhão de membros, é a prova de que a sociedade civil brasileira está em movimento  para prevenir uma ditadura militar pela via eleitoral.

* Álvaro Vasconcelos, Investigador CEIS20 Universidade de Coimbra; Diretor IEEI (1980-2007), Diretor Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia(2007-2012), Professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo


Crónica n.º 6

As mulheres salvarão o Brasil?

Por Renato Janine Ribeiro*

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A semana começou com um editorial de Le Monde, lamentando “o suicídio de uma nação”, o Brasil. Uma democracia que parecia promissora foi abalada pelos conflitos figadais destes anos e corre o risco de matar-se.

Há países que se destroem: formalmente continuam vivos, mas deixam de ser funcionais. E, se Bolsonaro ganhar, o Brasil pode perder o que lhe resta de democracia, de direitos humanos, de país mesmo.

Mas estes dias surgiram melhores prognósticos. O detestável atentado contra o líder da extrema-direita, que felizmente sobrevive, pouco lhe aumentou as intenções de voto.

Mais que isso, as declarações dele e do general Mourão, seu vice, estão causando uma reação de monta, que pode prenunciar uma união, se não dos partidos, pelo menos diretamente dos eleitores, em torno de quem sobrar para a disputa final com ele, após o turno de 7 de outubro.

Do outro lado, a substituição de Lula por Haddad, como candidato do PT, está causando uma transferência de votos para o ex-ministro da Educação, que não se sabe ainda quão grande será, mas que o torna um candidato plausível para o segundo turno.

É lógico uma campanha eleitoral se afunilar entre direita e esquerda. Contudo, do lado conservador, a extrema-direita – que nada tem a ver com os ideais da criação do PSDB, trinta anos atrás – está esmagando a direita, representada por Geraldo Alckmin, desse partido. As chances de Alckmin hoje são pequenas. Tem poucas semanas de propaganda na TV e rádio para reverter esse quadro, mas a verdade é que seu partido se enfraqueceu muito, ao patrocinar o impeachment de Dilma, que muitos chamam de golpe e não trouxe nenhum dos resultados positivos e imediatos que então se prometeram.

Já pela centro-esquerda, a competição se dá entre o PT – partido sólido, que sobreviveu muito melhor que o PSDB  às agruras do impeachment, mas enfrenta uma oposição, pior, um ódio, por parte da mídia comercial, do patronato e parece que dos militares, que assustadoramente voltam a opinar sobre quem pode ou não pode ser eleito – e Ciro Gomes, leal ministro de Lula, mas que postula faz tempo a presidência.

Aqui temos grandes incógnitas. Haddad receberá votos suficientes de Lula, proibido pelo Judiciário de fazer campanha? E o pior: dado o ódio que têm ao PT os setores mais poderosos da sociedade, será que os não extremistas votarão nele na segunda volta, dia 28 de outubro? E ainda pior: conseguirá governar, ante tanto ódio?
Esta, a razão para muitos quererem Ciro, reputado pela decência e pela firmeza, embora se tema seu humor explosivo.

Ou seja, além das questões de primeiro turno, precisamos pensar já no segundo. Haverá uma união de todos os democratas, inclusive os mais ou menos, contra o fascismo? Ou uma parte da direita votará neste último, preferindo-o ao PT? Porque disso se fala, por aqui.

Mas termino com um bom sinal: tal a revolta das mulheres com o machismo era-das-cavernas do postulante extremista, que uma página nova do Facebook – “Mulheres unidas contra Bolsonaro” – atingiu em dois dias um milhão de membros, aparentemente apenas mulheres.

Será que, 2500 anos depois que Lisístrata e as mulheres salvaram Atenas, será a vez de conhecer o Brasil outro episódio de heroísmo fortemente feminino?

* Renato Janine Ribeiro é  professor de ética e filosofia política na Universidade de S. Paulo (USP) e na Universidade Federal de S. Paulo (UNIFESP). Foi ministro da Educação do Brasil (2015).


Crónica n.º 7

A civilização contra a barbárie

Por Renato Janine Ribeiro*

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A política moderna deu força às instituições. Em meu livro A sociedade contra o social (Companhia das Letras: 2000), sustento que a modernidade cria duas “aberturas” (como no jogo de xadrez): uma é a abertura Maquiavel, outra a abertura Mandeville. Começar o jogo com Maquiavel significa dar toda a força à ação política, no que tem de imprevisto e inovador: é a abertura propícia às revoluções, às novidades, às rupturas. Abrir com Mandevile (o autor da Fábula das abelhas, célebre pelo moto “vícios privados, benefícios públicos”) significa criar instituições sofisticadas que façam até mesmo o mal gerar o bem. Assim, a ganância, inegavelmente um vício, se tivermos instituições como as do mercado, acaba engendrando a livre concorrência, o capitalismo, a prosperidade.

Digamos que o herói, o criador, o príncipe de Maquiavel é raro, e que é raro precisarmos dele. Já as instituições são forjadas justamente para evitar que anti-heróis, que personagens inapropriados destruam o tecido político. Hoje, seu papel é reduzir o mal que gente como Trump ou Berlusconi pode causar à sociedade.

Mas, para isso, as instituições precisam ser fortes e resistentes. Resistirão elas a Bolsonaro, se ele se eleger presidente do Brasil? As últimas pesquisas apontam seu crescimento. Teve 28% das intenções de voto na sondagem do Ibope desta semana, o que é insuficiente para vencer – mas, se considerarmos apenas as intenções de voto válidas, uma vez que houve 21% entre votos nulos, brancos e “não sei” – esse total sobe a 35%, o que se agrava quando se vê que Fernando Haddad, do PT, atingiu 19%, Ciro Gomes 11% e Geraldo Alckmin, do PSDB, meros 7%. Resistirão as instituições brasileiras a uma vitória de Bolsonaro?

Revisitemos Berlusconi e Trump. O cavaliere governou a cena política italiana por longos anos. Mudou a lei para proteger-se de processos. Acabou saindo, mas a extrema-direita hoje está no governo da Itália. E Trump? Nomeou um ministro da Corte Suprema e está para escolher outro. Deixará suas garras na jurisprudência decisiva de seu país por décadas. O Congresso não o enfrenta. Mesmo sem ter revogado explicitamente o Obamacare, vai se aproveitando de tudo o que é brecha no sistema legal para reverter conquistas no plano dos direitos humanos. O emblema desse desastre são as mais de dez mil crianças separadas de seus pais, imigrantes ilegais, ora presas no País.

O Brasil, com instituições mais frágeis, poderá enfrentar um presidente dessa estirpe? É duvidoso. Elas foram cruciais para destituir Dilma Rousseff e condenar Lula à prisão. Mas, nos dois casos, as bases reais das acusações eram fracas. Dilma foi condenada por ter feito o mesmo que seus acusadores fizeram, antes ou depois dela. Lula foi sentenciado porque teria recebido um apartamento que jamais foi seu, e continua não sendo.

As instituições foram fortes para tirar o PT, somadas à mídia e ao patronato. Serão fortes para impor, a Bolsonaro, algum comedimento? Poucos dias antes de sofrer a facada que providencialmente o retirou dos debates – nos quais estava sendo desconstruído – ele falou em matar, a tiros de metralhadora, petistas. Pois o Judiciário entendeu que era apenas força de expressão, e nem mesmo abriu um inquérito a respeito. As instituições são feitas de homens e mulheres; se estes não tiverem um espírito equânime, elas não funcionam sozinhas.

E a novidade desta semana é esta que já indiquei acima: a direita, que no Brasil se autodenomina “centro”, embora seja mais conservadora que os partidos assumidamente de direita de Portugal, Alemanha, França e Reino Unido, continua desacorçoada. Seu principal nome, Alckmin, está nos 7%, e se lhe somarmos João Amoedo, Henrique Meireles e Alvaro Dias, cada um com 2%, chega apenas a 13% – e nenhum deles está querendo apoiar o nome do PSDB. A campanha pela televisão e rádio, da qual Alckmin esperava milagres, já passou da metade e ele continua longe dos dois dígitos. Enquanto isso, Haddad supera Ciro Gomes, o que era de se esperar.

Se no segundo turno estiver o candidato da extrema-direita, seu adversário – seja ele quem for! – representará a civilização contra a barbárie. E no entanto, tal é a divisão no Brasil entre as famílias do PT, hoje recomposta, e do PSDB, hoje pulverizada, que será difícil reunir todos os que sentem alguma coisa pela civilização, para votarem unidos contra a barbárie. Os valores civilizados ainda sofrem das cicatrizes deixadas pelo impeachment. E no entanto será preciso, no dia 28 de outubro, data marcada para a segunda volta, formar uma unidade contra a ameaça de um retrocesso enorme na sociedade brasileira.

* Renato Janine Ribeiro é  professor de ética e filosofia política na Universidade de S. Paulo (USP) e na Universidade Federal de S. Paulo (UNIFESP). Foi ministro da Educação do Brasil (2015).


Crónica n.º 8

O que os candidatos querem?

Por Renato Janine Ribeiro*

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Enquanto as pesquisas indicam um avanço de Fernando Haddad, o candidato do PT e do ex-presidente Lula, com chances de derrotar o nome da extrema-direita, Jair Bolsonaro, é bom perguntar o que cada um dos principais presidenciáveis brasileiros quer.

Nem sempre é fácil perceber isso.  Dois anos e meio depois de Dilma Rousseff ser afastada num processo rumoroso, mas que teve o apoio de muitos brasileiros, enquanto seus defensores se calavam, o seu PT volta ao favoritismo. O que promete ele? “O Brasil feliz de novo” é seu slogan, aludindo aos oito anos Lula (2003-2010). Mas o que significa isso, hoje?

Haddad foi um ministro da Educação de grandes realizações. Dobrou as matrículas no ensino superior federal, criou 18 universidades públicas e, além disso, destinou dinheiro e expertise ao ensino básico, que compete aos Estados e municípios, mas que eles não conseguem tocar sem o apoio da União. Sem a menor dúvida, retomará o protagonismo da educação nas políticas públicas. Fora isso, haverá de reverter ou pelo menos frear a supressão de controles estatais e sociais sobre a economia, promovida pelo governo Temer.

Mas seria difícil imaginar que promova uma gestão irresponsável da economia: como prefeito de São Paulo (2013-2016), reduziu a dívida da cidade, detonou uma quadrilha de corruptos que operava fazia anos e foi responsável nas finanças – a ponto de se prejudicar eleitoralmente, não tendo sido reeleito ao final de seu mandato.

Das ideias de Jair Bolsonaro, de extrema-direita, hoje líder nas pesquisas de voto, pouco se sabe. Ele é apenas o candidato do antipetismo e da recusa cabal dos direitos humanos. Estatista e nacionalista no passado, hoje afirma defender uma agenda ultraliberal de privatizações e presta (literalmente) continência à bandeira dos Estados Unidos. Se a eleição se jogar entre petismo e antipetismo, tem chances de ser eleito, mas há o fundado receio de que não saiba o que fazer da economia (desautorizou seguidas vezes seu guru na área, o empresário Paulo Guedes, que por sinal tem defendido medidas inviáveis) e de que adote uma agenda de repressão à liberdade pessoal, sobretudo de costumes, em especial atacando mulheres, negros, indígenas e LGBTs.

Além desses favoritos, é preciso mencionar outros dois candidatos, que ainda não estão fora do páreo. Ciro Gomes é o postulante por um centro ou centro-esquerda, que valoriza as políticas sociais do governo Lula, mas não deseja a volta do PT ao governo. Promete rever algumas medidas de Temer no apagar das luzes, como o sinal verde à venda da poderosa Embraer à Boeing. Evoca constantemente seu passado de gestor: como prefeito de Fortaleza, governador do Ceará e ministro de Itamar e posteriormente de Lula, jamais teve défice nas contas que administrou.

Finalmente, Geraldo Alckmin, que patina bem abaixo dos 10% mas é o candidato do sistema. Presidente do PSDB, que no passado elegeu Fernando Henrique Cardoso, apoiou as medidas econômicas de Temer mas procura se dissociar do impopularíssimo presidente. Muitos analistas entendem que, ao patrocinar o impeachment de Dilma (que parte da população chama de golpe), o PSDB queimou as chances de ganhar estas eleições. Tivesse o mandato dela seguido até o fim, o PT estaria desmoralizado e o PSDB, consagrado. Seu programa é, essencialmente, dar continuidade à flexibilização da economia e à redução do papel do Estado nesta última. Aliás, chegou a sugerir a cobrança de anuidades nas universidades federais, o que toca num nervo sensível dos estudantes e futuros estudantes.

Mas o cenário continua pulverizado. A direita propriamente dita, que no Brasil se autodenomina “centro”, rachou entre quatro principais nomes: o próprio Alckmin, do PSDB; Henrique Meirelles, do PMDB, o banqueiro que foi ministro de Lula (com sucesso) e de Temer (sem o mesmo êxito); Alvaro Dias, dissidente do PSDB e que baseia sua campanha numa nota só, a denúncia do PT por corrupção; e João Amoedo, outro banqueiro, que defende (pelo Partido Novo) uma agenda ultraliberal, sem nenhuma política social, alegando que o mercado sozinho resolverá o problema da pobreza. Fernando Henrique Cardoso tentou, esta semana, reuni-los em torno de Alckmin, com resultado nulo. Aliás, ele também pediu isso a Marina Silva, da Rede Sustentabilidade, candidata que é mais difícil de situar: ela partiu de uma agenda ambientalista, anos atrás, para hoje focar medidas econômicas liberais e, ainda, a preocupação ambiental. Ninguém acedeu ao rogo do ex-presidente.

E o panorama continua turvo. A última pesquisa do Ibope mostra Haddad ascendendo, consolidando-se num segundo lugar das intenções de voto, com 21%, depois de Bolsonaro, com 27%, mas à frente de Ciro, com 12%, e de Alckmin, com 8%. Já no segundo turno, Bolsonaro perderia para todos eles: para Ciro, por 44 a 35%; para Haddad, por 42 a 38%; para Alckmin, por 40 a 36%. No caso dos dois últimos, a decisão está na margem de erro da pesquisa.

É cedo para dizer que a ameaça autoritária está afastada. Não se sabe se os candidatos da direita, ou seus eleitores (que nem sempre seguem as consignas dos votados), efetivamente se unirão em torno de Haddad, caso ele vá ao segundo turno. O nome mais seguro para derrotar Bolsonaro continua sendo Ciro Gomes, mas suas chances de ir para a final desta Copa do Brasil eleitoral estão diminuindo.

* Renato Janine Ribeiro é  professor de ética e filosofia política na Universidade de S. Paulo (USP) e na Universidade Federal de S. Paulo (UNIFESP). Foi ministro da Educação do Brasil (2015).


Ameaça nas eleições vem da extrema direita (*)

Por Maria Herminia Tavares de Almeida**

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Ameaça nas eleições vem da extrema direita. A centro-direita se despedaçou. O PSDB perdeu a capacidade de reunir em torno de seu candidato a grande parcela do eleitorado dessa vertente. A cada dia fica mais provável que a disputa se dará entre Fernando Haddad e Jair Bolsonaro.

A migração dos eleitores rumo aos dois candidatos vem dando embalo à interpretação de que caminhamos para um enfrentamento entre forças políticas extremistas, nenhuma delas comprometida com instituições e valores democráticos. Há quem descreva a situação como um embate catastrófico entre duas formas de populismo.

Haddad e Bolsonaro, para além de suas abissais diferenças, seriam igualmente nefastos para a estabilidade e a permanência de democracia. Ela estaria ameaçada qualquer que fosse o resultado das urnas, pois seriam grandes as chances de que sucumbisse a uma variante de chavismo ou a um governo de extrema direita sob permanente tutela militar.

Essa versão do dilema político que nos aflige rende imagens fortes para o horário eleitoral e muita fúria no Facebook. Mas é difícil sustentá-la à luz da experiência dos últimos 30 anos de democracia plena.

Cabe debitar ao PT muitos dos malfeitos que levaram o país à crise presente: a cegueira diante das condições externas que nos permitiram passar quase ilesos pela crise mundial de 2008; o descompromisso com o controle da inflação e com a responsabilidade fiscal; o desenho canhestro e o descontrole na execução de programas sociais em si positivos –como o Fies, o Ciência sem Fronteiras, entre outros.

Por último, porém não menos importante, como atestam o mensalão e o petrolão, há os extremos a que o partido levou as práticas ilícitas de caixa dois, prevaricação, conluio com grandes empresas e corrupção –comuns, de resto, a quase todos as siglas brasileiras.

São verdades inconvenientes que as lideranças petistas insistem em negar. Nesta campanha, traz também muita inquietação a proposta de governo que parece ter sido feita por uma legenda que se preparava para perder e virar oposição e não para enfrentar as responsabilidades de gerir o país.

Isso posto, é impossível ignorar o imenso e bem-sucedido esforço de inclusão promovido pelos governos petistas, que transformou a paisagem social brasileira e trouxe ganhos que vieram para ficar, apesar da profunda crise econômica.

É míope quem atribui o extenso e duradouro apoio a Lula entre a maioria dos pobres à mera ilusão produzida por um prestigitador populista. Tem motivos bem racionais para gostar de Lula o eleitor do município onde a eletricidade só chegou na última década do século passado, com o Luz para Todos, e cujo filho foi o primeiro negro da família a entrar na universidade, graças ao Prouni e à política de cotas, assim como aquele que passou a trabalhar com carteira assinada ou tem a proteção mínima do Bolsa Família.

Da mesma forma, desde a sua fundação, o PT apostou tudo na disputa pelo poder pela via eleitoral –e só por ela. Adotou assim estratégia característica dos partidos reformistas de tipo social-democrata ao redor do mundo.

Derrotado em 1989, 1994 e 1998, aceitou os resultados sem contestá-los. Ao ascender ao Planalto, a agremiação consolidou uma liderança moderada de centro-esquerda e governou rigorosamente dentro das regras democráticas. Não procurou calar a imprensa que lhe fazia oposição, nem controlar o Judiciário que exerceu com liberdade sua vocação antimajoritária.

Não tratou de alterar as instituições em benefício próprio nem quando seus opositores apostaram que Lula tentaria, à semelhança de Chávez, Morales e congêneres, abolir os limites à reeleição. Apeado da Presidência, com dirigentes condenados e presos em consequência da Lava Jato, o partido buscou a via judicial para contestar as penas recebidas e investiu forte nas eleições, reafirmando-as, assim, como a única forma legítima de conquistar o governo.

Nesta hora, a democracia corre risco, mas o perigo vem da extrema-direita.

(*) Artigo originalmente publicado na Folha de S. Paulo, em 26.09.2018. 

** Maria Herminia Tavares de Almeida é Professora titular aposentada de Ciência Política da USP e pesquisadora do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).


Democracia à deriva: A Crise do Capitalismo Semiperiférico e as Eleições no Brasil

Por Marcela Uchôa*

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A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer. Nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparecem.”

Antonio Gramsci

Desde o retorno à democracia em 1985, o Brasil não enfrentava uma crise de representatividade tão profunda. Um povo despolitizado pelos média e pelas várias igrejas, escandalizado pela corrupção e privilégios grosseiros de seus representantes, sente-se cada vez mais representado por ninguém. O candidato com maior aprovação popular é proibido de participar nas eleições enquanto que a taxa de rejeição dos principais candidatos à presidência supera o dobro das suas respetivas percentagens de  apoio nas sondagens.

Contudo, para além das estratégias eleitorais a crise que assombra a democracia brasileira se configura com um problema muito mais grave e profundo que assombra não só o Brasil, mas grande parte das democracias de países em desenvolvimento, é uma crise do modelo de capitalismo semiperiférico.

Embora o capitalismo queira-se colocar como uma condição necessária, para a democracia, essa relação é historicamente contingente e muitas vezes antagônica. É verdade que no período pós-guerra, a democracia prevaleceu nos países capitalistas mais desenvolvidos. Mas isso não é porque o desenvolvimento capitalista gera democracia. A razão é que, havia uma sociedade civil forte – com associações, sindicatos e partidos fortes que representassem a diversidade da sociedade – e que havia riqueza suficiente para distribuir. Nesse mundo as elites econômicas e políticas nunca arriscariam o fantasma de uma ditadura.

O mesmo, contudo, não acontece na lógica de capitalismo semiperiférico, este com sua estrutura de base econômica dependente e estrutura ideológica muito frágil, foi desde sempre assombrado com o fantasma de discursos fascistas eugênicos. O desenvolvimento capitalista periférico à base de superexploração de recursos e mão de obra barata, não permitia nem democracia política nem democracia social. Enquanto Europa e os Estados Unidos montavam o estado social democrático,  na América Latina, os períodos de exceção – incluindo intervenções militares – mantiveram-se regra.

Quando acabou a bonança dos preços dos commodities e a bolha financeira; acabou a margem econômica e política que tinha permitido ao governo de Lula fazer a média entre as várias classes sociais. Acabou também o período de sonho de emancipação social democrática e pacífica – sustentado na corrupção dos aparatos políticos, duma bolha financeira e a cooptação dos movimentos sociais. Sem alternativas emancipatórias, novos sonhos para lutar; entram os pesadelos: em períodos de crise os novos/antigos discursos autoritários cooptam cada vez mais adeptos – veja se também o recente ressurgimento em força da extrema direita nos países europeus.

No caso do Brasil não estamos a falar só do perigo de um apocalipse antidemocrático na figura de Bolsonaro, mas de um processo que remonta ainda antes do golpe institucional contra Dilma. A criminalização da política e a manutenção do pleno poder a determinadas instituições sedimenta o caminho para a edificação de um “fascismo soft” que se realiza a despeito do funcionamento regular dos aparelhos de poder democráticos. O crescimento das práticas fascistas no Brasil nas vésperas das eleições presidenciais e parlamentares 2018 assusta sobretudo porque se reveste de algumas singularidades. Não se trata apenas do estabelecimento de medidas excecionais de segurança, como aquelas impostas pelo aparato militar ao estado do Rio de Janeiro, a impunidade de crimes políticos, como o assassinato de Marielle Franco e a perseguição jurídica de opositores políticos. Trata-se de um autoritarismo que se estabelece como um modelo de sociabilidade que promete resolver todos os problemas – nomeadamente aqueles com base social – pela violência de estado.

É importante perceber que estas ações não são desatinos de governantes, mas são, sobretudo, produtos de um contexto político onde a possibilidade de mediação política desapareceu. Domina um discurso moralista permeado por uma hipocrisia que criminaliza a atividade política e parece dar liberdade ao aparelho judiciário a agir sem qualquer controle social. Ao mesmo tempo que estas instituições que se colocam como baluartes da dignidade e da ética e sua condição de total soberania, os seus dirigentes fazem negócios escusos com os donos do poder.

Às véspera das eleições e corrida presidencial no Brasil, o panorama político trazido pelos candidatos elegíveis não apontam caminhos razoáveis de mudança real de paradigma político/social. Opondo-se á extrema-direita de Bolsonaro, e a direita neoliberal de Alckmin temos os candidatos de centro alinhados a velha tentativa de política de conciliação como Marina Silva, Ciro Gomes, e Fernando Haddad com pautas aparentemente progressistas, mas com políticas econômicas de continuidade neoliberal e dependente que terão sérias dificuldades de implementação das mesmas.  Ademais, com um modelo de congresso onde a corrupção tem sido a única linha política coerente, e golpes inconstitucionais fazem parte da tradição, qualquer candidato a presidente estará fragilizado. Independente do resultado das eleições, podemos já concluir que a tempestade de instabilidade política vai permanecer no país por algum tempo.

* Marcela Uchôa cursa doutoramento em Filosofia Política na Universidade de Coimbra em regime de cotutela com a Universidade Federal do Rio de Janeiro, é membro colaborador do Instituto de Estudos Filosóficos, Vice-Presidente da APEB Coimbra (Associação dos Pesquisadores e Estudantes Brasileiros em Coimbra). Professora de Ética e Filosofia do Direito na Faculdade Cearense. Ativista de Direitos Humanos com ênfase em refugiados e movimentos feministas.


Crónica n.º 9

No Brasil hoje não se morre de tédio

Por Renato Janine Ribeiro*

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Uma amiga astróloga publicou em seu Facebook estes dias: “O Brasil terá quatro anos de crise econômica e social, a maior de sua história, entre 2019 e 2022. Este é o consenso dos astrólogos”. Ela está apavorada com a possível vitória de Jair Bolsonaro, o candidato da extrema-direita, que pelo andar da carruagem poderá até mesmo vencer este domingo, já na primeira volta – mas a mesma crise ocorrerá seja quem for o vitorioso, agora ou no dia 28, data da final da Copa eleitoral, tais são os problemas acumulados e tal o racha de valores no País.

Nesta hora, a política brasileira pode matar muita gente do coração, mas de tédio, seguramente não. Estamos vivendo um suspense intenso, que teve como maior constante um aumento sistemático das intenções de voto no extremista. Os analistas políticos previam sua desidratação à medida que começasse a campanha, até porque tinha meros 8 segundos diários por programa na rádio e TV, contra quase 5 minutos do candidato da direita, o ex-governador de São Paulo Geraldo  Alckmin – mas, enquanto este último patinava rumo à irrelevância, o ex-capitão ia subindo. Atribuiu-se a ele um teto de 20, depois de 25, depois de 30%, e ele os foi ultrapassando. O atentado contra ele, ação de um lobo solitário, poupou-o do desgaste dos debates com os concorrentes, em que ele estava se saindo mal, e o transformou em vítima.

Mais que tudo, a campanha de Bolsonaro se baseou no WhatsApp, a rede digital secreta, na qual as mensagens não se tornam públicas, dificilmente são passiveis de desmentido e menos ainda de processo na Justiça. Foi o triunfo da fake news, porque seus partidários difundiram montagens do homem que o esfaqueou junto com os líderes do PT, vídeos em que a grande manifestação convocada pelas mulheres contra seu machismo – e que teve muitos homens, Brasil afora – era transformada quase em culto satânico, e mais por aí. Some-se a isso o forte apoio dos pastores evangélicos de extrema-direita, especialmente no fim de semana passado, o último antes da eleição.

Tudo isso decorre do fato de que o descontentamento enorme com o PT, afastado da presidência sob acusações de corrupção, não foi apropriado devidamente pela direita, concentrada no PSDB (que Fernando Henrique Cardoso liderou, mas não lidera mais) e no PMDB do presidente Michel Temer. O governo atual não entregou a melhora de vida prometida e, além disso, foi alvo de denúncias de corrupção iguais, pelo menos, às que fulminaram o PT. Sem ídolos à esquerda ou à direita, muita gente optou pelo extremismo de direita. O ex-capitão se mostrou blindado a todo ataque. Desmentidos não fazem nem mossa em seus eleitores, que vivem de fake news. O mundo da fantasia capturou o imaginário deles.

Faltando dois dias para a eleição, não se sabe ainda o que vai acontecer domingo.

Primeira hipótese, a mais provável: Bolsonaro lidera, passa dos 40% de votos válidos, mas não chega à maioria absoluta. Haddad, do PT, se habilita a ser seu concorrente na segunda volta. Tem, porém, um grande problema: a rejeição ao PT é enorme e lhe será difícil ultrapassar a extrema-direita. Muitos irão para Bolsonaro, outros se omitirão. Haddad precisará se aproximar da direita, prometer ser duro com a corrupção no próprio PT (não que esse partido tenha sido mais corrupto do que seus adversários) e, ainda, deixar claro que não é Lula. A identificação com o líder preso (“Lula é Haddad, Haddad é Lula”) ajudou muito até agora, mas será preciso mudar – muito – a estratégia. Uma terá servido para superar os 20% de intenções de voto, mas para atingir 50% mais um dos sufrágios outra será necessária.

Segunda possibilidade: os eleitores de direita se bandeiam em massa para Bolsonaro, atraídos pela ideia de votar no vitorioso, e ele ganha já no primeiro turno. Isso só acontecerá se praticamente todos os eleitores da direita não fascista desertarem seus candidatos, acabando talvez com suas perspectivas políticas. Segundo uma pesquisa divulgada quarta-feira à noite, o militar contava com 38% dos votos válidos: precisaria ganhar mais 12% em três dias.

Terceira hipótese, a menos provável: Ciro Gomes consegue superar Haddad e vai para a segunda volta. É bem difícil, porque Ciro está abaixo dele pelo menos dez pontos porcentuais. Porém, há um movimento nessa direção, menos por simpatia em relação a Ciro e mais pelo receio de que o antipetismo eleja Bolsonaro. Seria trazer o segundo turno para o primeiro, isto é, votar a frio, com a razão, e não a quente, com o coração. Como disse o próprio Ciro, ele se considera a segunda melhor opção de muitos. (Ciro não é tão associado ao PT, porque manteve sua independência, mesmo tendo sido ministro de Lula, e por isso sofre menos rejeição).

Um sinal forte desta eleição é o esvaziamento e divisão da direita que poderíamos chamar de democrática, mas que mesmo assim patrocinou o impeachment de Dilma Rousseff e causou, desta maneira, sua própria ruina. O laborioso trabalho de convencer a direita brasileira a viver na democracia, que demorou anos e em boa parte foi obra de Fernando Henrique Cardoso, depois sustentando seus governos, está seriamente ameaçado – isto é, se não estiver liquidado. Isso não é nada bom, ainda mais porque a direita, que no Brasil se esconde sob a denominação de “centro”, é bem mais conservadora que a direita das democracias europeias, que por sinal não sente vergonha de dizer-se direita, porque é uma posição inteiramente democrática.

Precisaremos segurar nossa ansiedade até as 20 horas de domingo, no horário de Brasília, meia-noite em Lisboa, quando se encerram os últimos postos de votação, nos estados do Amazonas e do Acre, e o tribunal eleitoral divulga os resultados já apurados que, cobrindo a maior parte do Brasil, serão quase definitivos.

* Renato Janine Ribeiro é  professor de ética e filosofia política na Universidade de S. Paulo (USP) e na Universidade Federal de S. Paulo (UNIFESP). Foi ministro da Educação do Brasil (2015).


Eleições Presidenciais Brasileiras, 2018: análise Fórum Demos (parte 1)

faixa-presidencial(Faixa Presidencial | Foto: Ricardo Stuckert / Instituto Lula)

No próximo domingo, dia 7 de outubro de 2018, a sociedade brasileira está convocada para decidir que modelo de país deseja e apoia; não só, mas também através da escolha do Presidente da República que conduzirá os rumos da democracia brasileira nos próximos anos. A fim de conhecermos um pouco mais alguns dos contornos do atual sistema político-institucional, exploramos nesta análise as principais regras da eleição do chefe de Governo e chefe de Estado brasileiro.

[1]. Como é eleito o Presidente da República do Brasil?

No Brasil, o legislador constituinte adotou como sistema de governo o presidencialismo, no qual o Presidente da República exerce, simultaneamente, as funções de chefe de Governo e chefe de Estado.

Tal como acontece na maior parte dos sistema presidencialistas do mundo, aquele é eleito através de um sistema maioritário a duas voltas.

A primeira volta realiza-se, obrigatoriamente, no primeiro domingo de outubro, considerando-se eleito Presidente o candidato que, registado por partido político, obtiver a maioria absoluta dos votos, não computados os em branco e os nulos.

Não se verificando essa maioria, será convocada uma nova eleição, em segundo turno, entre os dois candidatos mais votados, considerando-se eleito aquele que obtiver a maioria dos votos válidos, excluídos os brancos e nulos (Constituição Federal, artigo 77 §§ 2.º e 3.º).

Em caso de um 2.º turno, este realizar-se-á no último domingo daquele mês (que em 2018, será o dia 28). Já a tomada de posse, em sessão do Congresso Nacional, ocorrerá no primeiro dia de janeiro do do ano seguinte ao da sua eleição.

A eleição do Presidente da República resulta, também, na eleição do candidato a Vice-Presidente com ele registado (Constituição Federal, artigo 77 § 1) e que o substituirá em caso de vacatura do cargo.

No caso de impedimento ou ausência de ambos – do Presidente da República e do Vice-Presidente, prevê a Constituição que serão sucessivamente chamados ao exercício do cargo o presidente da Câmara dos Deputados (e, na impossibilidade deste, o do Senado, ou, em última alternativa, o do Supremo Tribunal Federal) que assumirá interinamente a presidência até à realização de uma eleição intercalar.

Uma vez eleito, o Presidente da República, escolhe livremente os seus ministros e procede à nomeação dos altos comandos militares. Tem ainda por atribuições a iniciativa legislativa exclusiva em alguns domínios, podendo vetar leis aprovadas pelo Parlamento e também propor emendas constitucionais.

Possui também, como Chefe de Estado, a prerrogativa da representação externa do país, conduzindo e orientado a política internacional do Brasil.

[2]. Quem vota?

Diferentemente do que ocorre em Portugal, o voto, no Brasil, é preponderantemente obrigatório. Assume, nestes termos, a condição de dever jurídico, uma obrigação suscetível de sanção caso não seja exercida. Nos termos da vigente Constituição Federal, essa obrigatoriedade estende-se a todos os brasileiros natos e naturalizados, desde que alfabetizados, maiores de 18 anos e menores de 70 e, assim sendo, quem não votar, sem apresentar uma boa justificação para isso, está sujeito a multa e à perda de alguns direitos.

Para os brasileiros entre os 16 e 18 anos e maiores de 70 anos, além dos analfabetos a partir dos 16 anos, o voto é facultativo.

Segundo o Politize, em 2016 o eleitorado brasileiro ultrapassou a marca de 144 milhões de pessoas.

Apesar da obrigatoriedade, nem todos comparecem às urnas e, entre os que comparecem e votam, ainda existe uma parcela que vota em branco ou nulo. No segundo turno de 2014, por exemplo, registaram-se apenas 105 milhões de votos válidos (num universo de 142 milhões de eleitores).

[3]. Quem pode concorrer a Presidente da República?

São condições de elegibilidade do Presidente da República:

[a]. ser brasileiro nato (ou seja, nascido no Brasil ou filho de brasileiro);

[b]. ter idade mínima de 35 anos;

[c]. possuir filiação partidária (e estar no partido atual por, pelo menos, seis meses antes da data da eleição);

[e]. estar no gozo dos direitos políticos e cumprir os critérios de elegibilidade previstos na Ficha Limpa (dentre os quais, não ser condenado em segunda instância na Justiça, por órgão colegiado).

[f]. ter domicílio eleitoral no Brasil;

[g]. não ter substituído o atual presidente nos seis meses antes da data marcada para a eleição.

presidentes-historico
(Histórico dos Presidentes do Brasil 1889 a 2017 | Fonte: Politize)

[4]. Quanto tempo fica no cargo?

Nos termos do artigo 77.º da vigente Constituição Federal de 1988, o Presidente da República será eleito para um mandato de quatro anos. Pode, porém, ser reeleito uma vez mais, durando assim o seu mandato oito anos seguidos. Foi o que aconteceu com Fernando Henrique Cardoso (eleito em 1994 e reeleito em 1998); Luiz Inácio Lula da Silva (eleito em 2002 e reeleito em 2006) e, também, com Dilma Vana Rousseff (eleita em 2010 e reeleita em 2014).

Após ficar oito anos seguidos no cargo, o presidente não pode concorrer nas eleições seguintes. Mas nada impede que ele volte a se candidatar e se eleger quatro anos depois.

Art. 77 da Constituição Federal de 88

Art. 77. A eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República realizar-se-á, simultaneamente, no primeiro domingo de outubro, em primeiro turno, e no último domingo de outubro, em segundo turno, se houver, do ano anterior ao do término do mandato presidencial vigente. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 16, de 1997)

§ 1º A eleição do Presidente da República importará a do Vice-Presidente com ele registrado.

§ 2º Será considerado eleito Presidente o candidato que, registrado por partido político, obtiver a maioria absoluta de votos, não computados os em branco e os nulos.

§ 3º Se nenhum candidato alcançar maioria absoluta na primeira votação, far-se-á nova eleição em até vinte dias após a proclamação do resultado, concorrendo os dois candidatos mais votados e considerando-se eleito aquele que obtiver a maioria dos votos válidos.

§ 4º Se, antes de realizado o segundo turno, ocorrer morte, desistência ou impedimento legal de candidato, convocar-se-á, dentre os remanescentes, o de maior votação.

§ 5º Se, na hipótese dos parágrafos anteriores, remanescer, em segundo lugar, mais de um candidato com a mesma votação, qualificar-se-á o mais idoso.

Fontes consultadas:

 Bolsonaro: a ameaça do Neofascismo 

Por Álvaro Vasconcelos*
candidatos à presidencia debate

No caso de Bolsonaro, os objetivos anti-democráticos e contra o estado de direito não estão escamoteados em nenhum resquício de linguagem liberal, o que é significativo da sua vontade de pôr em prática o que diz. E, pelo que diz, com a ajuda de Humberto Eco, define-o como um fascista, ou, se preferirmos, como um neofascista.

Como classificar a ideologia e a ação política de Bolsonaro e dos membros do seu movimento? Prefiro falar de movimento porque, mesmo que Bolsonaro seja um populista que se apresenta como o salvador do Brasil, ele criou um movimento que envolve numerosos militares e grupos para-militares, como pude constatar em Minas Gerais.

As comparações com os partidos da extrema-direita europeus são insuficientes para definir o seu movimento, apesar de alguns traços semelhantes. Como os seus congéneres europeus e latino-americanos, como Orbán, Putin ou Erdogan procura chegar ao poder pela via eleitoral, para depois ir desconstruindo as liberdades públicas e o estado de direito.

A esta corrente tem-se chamado de “democracia iliberal” ou de “autoritarismo eleitoral”, para acentuar o facto de chegarem ao poder usando os instrumentos da democracia e o facto de ali chegados não porem em causa a realização de eleições, mais ou menos transparentes. O termo terá sido usado pela primeira vez por Viktor Orbán, mas foi em seguida retomado por especialistas como Yascha Mounk em O povo contra a democracia, para explicar as razões do sucesso eleitoral dos populistas nacionalistas na Europa e nos EUA.

Mas as posições políticas de Bolsonaro fazem com que os termos “democracia iliberal” ou “autoritarismo eleitoral” sejam insuficientes para as caracterizar. Nele encontramos muitas das características do que Humberto Eco, numa célebre conferência em Nova York, chamou de Ur-Fascismo. Ali afirmou que seria muito fácil identificar um fascista se ele afirmasse que iria instalar câmaras de gás e não escondesse, por detrás de declarações de fé nas eleições, o seu caráter fascista, mas é, acrescento, preciso chamar a besta pelo nome.

Na Europa e nos Estados Unidos, estamos, regra geral, perante partidos políticos que disputam eleições e, chegados ao poder, continuam interessados em legitimar, pela via eleitoral, o seu poder. É evidente que com o tempo, o enfraquecimento do estado de direito e o controlo que procuram exercer sobre os meios de comunicação, vão restringindo a possibilidade de crítica ao Governo e as campanhas eleitorais tornam-se menos livres. A erosão dos direitos fundamentais, em particular das minorias, é lenta e há um confronto constante com a sociedade civil e as instituições do estado de direito, que, ainda que vão sendo corroídas, vão resistindo.

No caso de Bolsonaro, os objetivos anti-democráticos e contra o estado de direito não estão escamoteados em nenhum resquício de linguagem liberal, o que é significativo da sua vontade de pôr em prática o que diz. E, pelo que diz, com a ajuda de Humberto Eco, define-o como um fascista, ou, se preferirmos, como um neofascista.

É abertamente anti-democrático e defensor da ditadura militar. No passado, declarou várias vezes que o voto não servia para nada, que era preciso uma “guerra civil” e “matar 30 000…incluindo o FHC” (Fernando Henrique Cardoso). Bolsonaro tem repetido que a única coisa que aceita como resultado das eleições é a sua vitória e ameaça com golpe militar se perder.

Na primeira volta há um amplo leque de candidatos democratas da esquerda do centro e da direita: Haddad e Ciro, Alkimim e Marina, tudo votos anti Bolsonaro.

Como todos os neofascistas é um populista. Para ele, os indivíduos, na sua enorme diversidade e os seus direitos, não existem, o ele o povo “é apenas uma ficção teatral” (Humberto Eco na Conferência de Nova York). Bolsonaro, tem a palavra “povo”, constantemente na boca, mesmo quando diz “eu sou favorável à tortura e o povo é também”. O “povo” deixou de ser o dos grandes comícios e passou a ser um apanhado das declarações mais reaccionárias nas redes sociais.

Uma das características do Fascismo é o apelo às frustrações da classe média, ao seu medo do futuro e o seu arrepio perante, citando Humberto Eco, o medo da “pressão dos grupos sociais mais desfavorecidos”. No Brasil, o horror que uma parte da classe média manifestou estes anos pela ascensão social dos pobres, a crise económica e os casos de corrupção são explorados por Bolsonaro, que não perde uma oportunidade para mostrar o seu desprezo pelos mais pobres, que [segundo ele] recebem dinheiro para “fazer filhos que não têm a mínima condição para serem cidadãos”. Ao contrário do fascismo tradicional , Bolsonaro não defende o estatismo, mas antes um capitalismo selvagem contra os direitos sociais dos mais pobres, o aumento da desigualdade que é o problema mais grave do Brasil, por isso tem o apoio dos mais privilegiado, dos herdeiros dos senhores de escravos.

O machismo é outra característica do Fascismo, onde se encontra o desprezo pelas mu- lheres e o ódio à homossexualidade – lembremos que os nazis consideravam os homossexuais uma peste e, por isso mesmo, muitos foram mortos em campos de concentração. Bolsonaro defende que as mulheres devem ganhar menos do que os homens e afirma que os pais devem usar a violência – o “cabedal” , o “cinto”- para acabar com a homossexualidade. Como os machistas, faz do culto das armas, como escreveu Humberto Eco: “o herói Ur-Fascista joga com as armas, que são seu Ersatz fálico”.

Os fascistas exploram também o medo do diferente e fazem “do outro” o inimigo, em nome da pureza racial ou moralista. Bolsonaro é abertamente racista, fala-nos dos des- cendentes dos escravos, os afro descendentes,  como parasitas de “ 7 arrobas” e afirma que o seu sangue é mais “puro” do que o dos homossexuais.

Não existe  nenhuma justificação para se votar no fascismo.

Se Bolsonaro triunfar, o Brasil será uma mistura de Fascismo com Neoliberalismo, uma combinação de Mussolini com Pinochet. Enganam-se os que pensam que, como nos Estados Unidos, os contra poderes e o jogo parlamentar impedirá que Bolsonaro ponha em prática a sua agenda reaccionária. Olhem para as Filipinas [de Rodrigo Duterte] e reparem como ele tem cumprido as suas promessas, designadamente, a de assassinar os  consumidores e traficantes de droga (cerca de 12000 assassinados segundo a Human Rights Watch).

No caso de Bolsonaro, não podemos dizer que os brasileiros não estão avisados. Mesmo com toda a informação, muitos que se proclamam democratas, por ódio pelo PT ou por ganância, e por pensarem que ele lhes vai baixar os impostos e vai acabar com os direi- tos dos trabalhadores, dizem que vão votar Bolsonaro – egoísmo extremo e de vistas curtas. O mais provável é o caos como na Venuzuela.

Na primeira volta há um amplo leque de candidatos democratas da esquerda do centro e da direita: Haddad e Ciro, Alkimim e Marina, tudo votos anti Bolsonaro.

Não existe  nenhuma justificação para se votar no fascismo.

* Álvaro Vasconcelos, Investigador convidado IRI/USP, São Paulo, 2014-2015; coordenador da obra Brasil nas Ondas do Mundo.

** Fotografia: Debate entre Presidenciáveis na Rede Globo | El País Brasil.


Eleições Presidenciais Brasileiras, 2018: análise Fórum Demos (parte 2)

candidatos presidente da Republica

Confira abaixo, por ordem alfabética, quais são os candidatos à Presidência confirmados pelos partidos nas suas convenções nacionais:

[1] ALVARO DIAS

[1] Alvaro Dias

TRAJETÓRIA POLÍTICA

Candidato a Presidente do Brasil pelo PODE – Podemos. Iniciou a carreira política em 1968 como vereador de Londrina (PR)  e deputado federal pelo MDB nos anos 70 e 80. Foi governador do Paraná entre 1986 e 1991, período em que se filiou ao PSDB. Chegou a ser expulso do partido em 2001 por pedir a abertura de um processo de impeachment contra o então presidente Fernando Henrique Cardoso. Filiou-se então no PDT, mas voltou ao PSDB em 2002, do qual saiu em julho de 2017, filiando-se no Podemos, dando início a sua pré-campanha para presidente.

PROPOSTAS

O combate à corrupção e o ajuste nas contas do governo são as principais bandeiras da campanha. No programa de governo que apresenta sob o título “Metas 19 + 1: Pela Refundação da República”, Alvaro Dias propõe eliminar sete impostos federais, mas não refere qual modelo seria implementado. É a favor do porte de armas e contra a descriminalização das drogas, defendendo um combate “implacável”. Também propõe a criação de uma Frente Internacional de Combate à Produção e ao Tráfico de Drogas na América Latina e promete gerar mais de 10 milhões de empregos em 4 anos.

Programa completo: AQUI.

[2] CABO DACIOLO

[2] Cabo Daciolo

TRAJETÓRIA POLÍTICA

Candidato a Presidente do Brasil pelo PATRI – Patriota. Iniciou a carreira política em 2014 como deputado federal pelo PSOL. Foi expulso do partido em 2015, sob acusação de descumprir ordens da liderança do partido. Em 2011, ganhou notoriedade ao liderar uma greve de bombeiros no Rio de Janeiro. Entrou no Patriota em 2018.

PROPOSTAS

O candidato a presidente do Patriota tem como eixo de suas propostas aumentar o investimento nas Forças Armadas e na educação, bem como melhorar os problemas de saúde e de violência urbana por meio da prevenção. Com várias menções a Deus, Daciolo promete no seu ‘Plano de Nação para a Colonia Brasileira’ baixar juros e impostos para promover o crescimento económico.

Programa completo: AQUI.

[3] CIRO GOMES

[3] Ciro Gomes

TRAJETÓRIA POLÍTICA

Candidato a Presidente do Brasil pelo PDT – Partido Democrático Trabalhista. Concorre pela terceira vez à Presidência da República. Dentre os cargos que ocupou como político estão os de prefeito (em Fortaleza, entre 1989 e1990), governador do Ceará,  deputado estadual, deputado federal. Foi ministro da Fazenda no governo de Itamar Franco, e da Integração Nacional no primeiro mandato de Lula da Silva. Após sair do governo, foi deputado federal até 2010. Desde 2013, passou pela Secretaria Estadual de Saúde do Ceará e pela diretoria da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN).

PROPOSTAS

Defensor de uma maior intervenção do Estado na indução do desenvolvimento econômico, no programa de governo de 62 páginas que apresenta advoga, entre outras medidas, por um duro combate à corrupção através do fortalecimento dos mecanismos de transparência e do chamado controle social, assim como do aperfeiçoamento dos mecanismos de responsabilização ao mau uso dos recursos públicos. Defende também a ampliação do investimento em infraestruturas, e a alteração da política de câmbio para favorecer a indústria do País, via exportação. Promete taxar lucros e dividendos e aumentar o imposto sobre heranças (acima de R$ 2 milhões). Outra das suas promessas prende-se com a criação de um fundo para ajudar os brasileiros com nomes sujos por dívidas a refinanciar as suas pendências e aumentar a margem de consumo da população.

Programa completo: AQUI.

[4] EYMAEL

[4] Eymael

TRAJETÓRIA POLÍTICA

Candidato a Presidente do Brasil pelo DC – Democracia Cristã. Concorre pela sexta vez à Presidência da República. Iniciou a carreira política em 1986 como deputado federal, reelegendo-se em 1990. Participou da Assembleia Constituinte que redigiu a Constituição Federal de 1988. Participou da fundação do seu partido em 1995. Concorreu à prefeitura de São Paulo em 1985 e 2012, e foi candidato à presidência nos anos 1998, 2006, 2010, 2014 e 2016.

PROPOSTAS

Promete cumprir a Constituição; governar o País com ética, segundo os princípios da Democracia Cristã, combatendo todas as formas de corrupção; diminuir a carga tributária, e fazer o Sistema Único de Saúde (SUS) funcionar. Defende também a universalização do acesso ao desporto amador.

Programa completo: AQUI.

[5] FERNANDO HADDAD

[5] Fernando Haddad

TRAJETÓRIA POLÍTICA

Candidato a Presidente do Brasil pelo PT – Partido dos Trabalhadores. Começou a carreira política em 2001, quando assumiu o cargo de chefe de gabinete da Secretaria de Finanças na gestão de Marta Suplicy na Prefeitura de São Paulo. Foi ministro da Educação nos governos de Lula e Dilma Rousseff. Ocupou o seu primeiro cargo eletivo em 2012, como prefeito de São Paulo. Foi indicado como candidato à Presidência em substituição de Luís Inácio Lula da Silva, impedido de concorrer pelo TSE.

PROPOSTAS

Com 61 páginas, o Plano de Governo de Fernando Haddad inscreve-se assumidamente na herança dos Governos do PT. Defende a implementação de políticas que visam a igualdade de género, a superação da pobreza, a democratização do Poder Judiciário, a reforma política com participação popular, o fortalecimento do SUS e assume a educação como prioridade estratégica. A sua principal aposta para retomar o crescimento económico é através do estímulo ao consumo do mercado interno, facilitando crédito a juros mais baixos. No que diz respeito ao combate ao crime, sugere um reforço do papel da Polícia Federal e promete ainda aprefeiçoar leis e procedimentos que garantam uma maior transparência e prevenção à corrupção, bem como aprimorar os mecanismos de gestão e as boas práticas regulatórias dos órgãos públicos. Promete aumentar significativamente a presença das mulheres e de negras/os nas instâncias de decisão do Poder Executivo, sobretudo na composição dos ministérios, do Poder Judiciário, do Poder Legislativo e Ministério Público.

Programa completo: AQUI.

[6] GERALDO ALCKMIN

[6] Geraldo Alkmin

TRAJETÓRIA POLÍTICA

Candidato a Presidente do Brasil pelo PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira. Iniciou a carreira política como vereador em 1972 pelo MDB em Pindamonhangaba. Pelo mesmo partido, foi eleito presidente da câmara municipal e prefeito. Mais tarde, foi deputado federal e deputado estadual pelo PMDB e, em 1988, participou da fundação do PSDB. Foi vice-governador de São Paulo e assumiu o mandato interinamente em 2001, após a morte de Mário Covas, sendo reeleito em 2002. Entre 2010 e 2018, atuou como governador por dois mandatos consecutivos.

PROPOSTAS

Composto por 9 páginas e dividido em três eixos – Brasil da Indignação, Brasil da Solidariedade e Brasil da Esperança -, o programa de governo de Alckmin salienta a tolerância zero para com a corrupção, defendendo também a implementação de reformas (tributária, política e da Previdência), o combate ao crime organizado, a priorização da primeira infância e a abertura da economia para atrair investimentos. Geraldo Alckmin pretende ainda atribuir à Guarda Nacional poderes de polícia e dificultar a progressão de pena para crimes graves.

Programa completo: AQUI.

[7] GUILHERME BOULOS

[7] Guilherme Boulos

TRAJETÓRIA POLÍTICA

Candidato a Presidente do Brasil pelo PSOL – Partido Socialismo e Liberdade. Coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e da Frente Povo Sem Medo, que reúne vários movimentos sociais no Brasil. Não concorreu, nem ocupou cargos políticos até sua candidatura. Filiou-se ao PSOL em março de 2018, já na condição de pré-candidato a presidente da República.

PROPOSTAS

O programa de governo de Guilherme Boulos (Psol) tem 228 páginas de propostas. Com críticas ao “golpe jurídico-parlamentar-midiático”, o plano está centrado na luta contra desigualdade e por direitos. Entre as propostas, está um grande programa de obras públicas, para expandir investimentos públicos e gerar empregos. Promete aumentar as consultas, plebiscitos e referendos para validar propostas que não passem pelo crivo do Congresso. É a favor da descriminalização e da legalização do aborto, defende o aumento de impostos para a população de maior renda e a desmilitarização das polícias estaduais.

Programa completo: AQUI.

[8] HENRIQUE MEIRELLES

[8] Henrique Meirelles

TRAJETÓRIA POLÍTICA

Candidato a Presidente do Brasil pelo MDB – Movimento Democrático Brasileiro. Iniciou a carreira política em 2002, quando foi eleito deputado federal pelo PSDB. Em 2003, renunciou ao cargo para assumir a presidência do Banco Central no governo Lula, onde continuou até 2010. Foi nomeado ministro da Fazenda em 2016 por Michel Temer, após o impeachment de Dilma Rousseff. À frente da pasta, aprovou a PEC que estabelece o teto de gastos para o orçamento federal por 20 anos. Saiu do governo para concorrer à Presidência pelo MDB.

PROPOSTAS

No seu plano de governo Henrique Meirelles dá prioridade à responsabilidade fiscal, com a promessa de reduzir gastos do governo e aprovar reformas no sistema tributário e na Previdência, nos moldes da PEC proposta por Michel Temer. Na área de segurança pública, propõe a construção de presídios e o aumentar policiamento ostensivo por meio de parcerias público-privadas (PPPs). Na saúde, defende o repasse da gestão de unidades a empresas.

 Programa completo: AQUI.

[9] JAIR BOLSONARO

[9] Jair Bolsonaro

TRAJETÓRIA POLÍTICA

Candidato a Presidente do Brasil pelo PSL – Partido Social Liberal. Capitão da reserva do Exército, iniciou sua carreira política em 1991 como deputado federal no Rio de Janeiro e foi eleito sete vezes consecutivas, de 1991 a 2015, por diferentes partidos.

PROPOSTAS

Defende o período da ditadura militar brasileira, inclusive a tortura e é contra a divulgação dos arquivos secretos da ditadura. Bolsonaro adotou recentemente um discurso ultraliberal na economia, com a defesa das privatizações e adoção de políticas ortodoxas. Denuncia a ideologia de género e os direitos das minorias e do LGBT. Defende a redução da maioridade penal para 16 anos, o homeschooling e a livre venda e porte de arma para toda a população. Caso eleito, o candidato do PSL afirma que dará espaço para as Forças Armadas nos ministérios.

Programa completo: AQUI.

[10] JOÃO AMOÊDO  

[10] João Amoêdo

TRAJETÓRIA POLÍTICA

Candidato a Presidente do Brasil pelo NOVO – Partido Novo. Foi diretor-executivo do Banco BBA Creditanstalt, vice-presidente do Unibanco e membro do conselho de administração do Banco Itaú BBA. É fundador do partido Novo, criado em fevereiro de 2011, e concorre à Presidência pela primeira vez. Não teve atuação política até esta eleição.

PROPOSTAS

Defende a privatização de todas as empresas estatais, e que o investimento público se concentre nas áreas de segurança, educação e saúde. O candidato também defende propostas como o fim do fundo partidário e do fundo eleitoral, além de propor a redução do número de parlamentares. Também propõe abertura da economia para mais investimento estrangeiro.

 Programa completo: AQUI.

[11] JOÃO GOULART FILHO   

[11] João Goullart Filho

TRAJETÓRIA POLÍTICA

Candidato a Presidente do Brasil pelo PPL – Partido Pátria Livre. Filho do ex-presidente João Goulart, deposto no golpe de 1964, começou a carreira política em 1982 como deputado estadual no Rio Grande do Sul, e foi subsecretário de Agricultura e presidente do Iterj (Instituto de Terras do Rio de Janeiro).

PROPOSTAS

Defende a revogação da reforma trabalhista aprovada no governo Temer, e tem como meta dobrar o valor real do salário mínimo até o fim do mandato. Promete rever privatizações e aumentar o investimento público. Outras propostas do candidato do PPL preveem a redução da taxa de juros e o investimento em fontes renováveis de energia.

Programa completo: AQUI.

[12] MARINA SILVA

[12] Marina Silva

TRAJETÓRIA POLÍTICA

Candidata a Presidente do Brasil pelo REDE – Rede Sustentabilidade. Iniciou a carreira política em 1984 como vice-coordenadora da CUT no Acre. Foi eleita vereadora de Rio Branco em 1988, deputada estadual em 1990 e senadora em 1994. Foi reeleita ao Senado em 2002 e assumiu o cargo de ministra do Meio Ambiente no ano seguinte, no primeiro mandato de Luís Inácio Lula da Silva. Ficou no MMA até 2008. Foi candidata à Presidência da República em 2010 e em 2014, substituindo Eduardo Campos.

PROPOSTAS

Propõe que o casamento entre pessoas do mesmo sexo seja protegido por lei e que o Banco Central tenha autonomia, mas não tenha independência institucionalizada. Defende ainda mudanças na Previdência, no sistema tributário, e a reforma política com “limitação da doação de pessoas físicas e de autofinanciamento” e criminalização do caixa 2.

Programa completo: AQUI.

[13] VERA LÚCIA     

[13] Vera Lúcia

TRAJETÓRIA POLÍTICA

Candidata a Presidente do Brasil pelo PSTU – Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado.

PROPOSTAS

Vera Lúcia (PSTU) apresenta 16 pontos de “um programa socialista para o Brasil contra a crise capitalista”. Entre as suas propostas estão a revogação de todas as reformas que retiram direitos à classe trabalhadora, a redução da jornada de trabalho sem redução de salários, aumento geral dos salários e aposentadorias e estatização das cem maiores empresas sob controlo dos trabalhadores.

 Programa completo: AQUI.

* Imagens retiradas do jornal O Estadão – Portal do Estado de S. Paulo. Eleições 2018.  

** Informações compiladas a partir dos Programas de Governo dos candidatos à Presidência, do jornal O Estadão – Portal do Estado de S. Paulo. Eleições 2018 e da Gazeta do Povo.


 

Eleições Presidenciais Brasileiras, 2018: análise Fórum Demos (parte 3)

111

O Brasil escolhe hoje, dia 7 de outubro de 2018, o presidente que irá substituir Michael Temer no Palácio do Planalto.

Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 147.306.275 brasileiros estão aptos a votar na primeira volta das presidenciais.

As urnas foram abertas pelas 08H00 (12H00 Lisboa) e têm o seu encerramento previsto para as 17H00 de cada fuso horário. As últimas urnas eletrónicas a fechar serão no Estado do Acre, pelas 21H00 em Lisboa. As primeiras projeções devem ser conhecidas ao final da noite e os números oficiais ao início da madrugada de segunda-feira.

Quem será eleito Presidente do Brasil em 2018? O que dizem as sondagens? 

O Datafolha divulgou este sábado (6) a sua última pesquisa presidencial antes das eleições deste domingo.

[1] sondagem

De acordo com os dados publicados, o candidato da extrema-direita Jair Bolsonaro, do Partido Social Liberal (PSL) lidera a corrida eleitoral à Presidência do Brasil, com 40% dos votos válidos, sem contar o número de eleitores dispostos a votar em branco ou nulo e os inquiridos que se declararam indecisos.

Em segundo lugar surge Fernando Haddad, substituto do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva à frente do Partido dos Trabalhadores (PT) com 25% das intenções de voto, seguido por Ciro Gomes do Partido Democrático Trabalhista (PDT), com 15% e pelo ex-governador de São Paulo, o candidato Geraldo Alckmin do Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB), com 8%.

[2] sondagem

Em relação ao levantamento anterior, concluído pelo Datafolha na passada quinta-feira, dia 4 de outubro, Bolsonaro oscilou um ponto percentual para cima e Haddad ficou estagnado.

Já Ciro Gomes (PDT) oscilou dois pontos percentuais, alcançando agora 15% das preferências e assim se distanciando e Geraldo Alckmin (PSDB) que oscilou negativamente um ponto percentual.

A sondagem publicada este sábado, encomendada pelo jornal Folha de São Paulo e pela TV Globo, ouviu 19.552 eleitores, em 382 municípios brasileiros, entre os dias 5 e 6 de outubro. O levantamento dos dados foi registado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sob o protocolo BR – 01584/2018.

Segundo os analistas, a margem de erro do levantamento é de dois pontos percentuais para mais ou para menos, e o intervalo de confiança é de 95%.

Se hoje se mantiverem estas posições nas urnas, tudo indica que haverá uma segunda volta com os dois primeiros colocados, que está marcada para o dia 28 deste mês.

[3] sondagem

 

Numa simulação sobre a segunda volta presidencial, Bolsonaro e Haddad aparecem com 43% e 44% das intenções de voto, respetivamente. Como a margem de erro é de dois pontos percentuais, ambos estão tecnicamente empatados.

[4] sondagemNum outro cenário, num eventual confronto com Bolsonaro, Ciro Gomes aparece com 47% face aos 43% do seu adversário. Esta simulação sugere igualmente um empate técnico no limite da margem de erro, porque a distância é de quatro pontos.

Todavia qualquer tipo de projeção neste sentido será muito arriscada num cenário de uma alta voltagem passional.

Diante da concretização do resultado das urnas no primeiro turno, os eleitores que optaram pelos que não venceram irão ter a oportunidade de repensar as suas intenções de voto, dando início a uma nova eleição.

[5] sondagem

Quando analisada a evolução em votos totais, Bolsonaro subiu de 32% para 35% e de 35% para 40% desde os levantamentos divulgados na passada terça (2) e quinta-feira (4). A curva já vinha ascendente: na semana anterior, ele tinha 28% dos votos totais entre 26 e 28 de setembro.

Fernando Haddad manteve-se estável na segunda posição isolada. Com 22% das intenções de voto no levantamento anterior, regista agora 25% dos votos válidos.

Ciro Gomes manteve as suas posições inalteradas entre 28/09/2018 e 04/09/2018, com 11%, tendo oscilado quatro pontos percentuais de 04/09/2018 para 06/09/2018.

Já Alckmin oscilou negativamente em cerca de um ponto percentual entre 28/09/2018 e 04/09/2018, contando agora com 9% das intenções de voto.

Marina Silva (Rede) encabeça o bloco final com 4%, seguida por João Amoêdo (Novo) com 3%, Alvaro Dias (Podemos) e Henrique Meirelles (MDB) com 2% e Cabo Daciolo (Patriota), com 1%.

[6] sondagem

Também a pesquisa divulgada neste sábado (6) pelo IBOPE, apontam que Jair Bolsonaro e Fernando Haddad devem avançar para o segundo turno da disputa.

De acordo com o IBOPE, Bolsonaro lidera com 41% das intenções de votos válidos, seguido por Haddad com 25%. Ciro Gomes (PDT) aparece em terceiro, seguido por Geraldo Alckmin (PSDB).

[7] sondagem

Mas, se por um lado as sondagens têm mantido Jair Bolsonaro e Fernando Haddad destacados nos dois primeiros lugares das intenções de voto, também lhes dão as maiores taxas de rejeição.

Com efeito, 44% dos inquiridos declararam que não votariam de “jeito nenhum” em Jair Bolsonaro. A rejeição a Haddad é de 41%, enquanto a de Marina é de 31%.

A taxa de rejeição a Geraldo Alckmin é de 24% e a de Ciro Gomes, 21%.

Henrique Meirelles, Alvaro Dias, Daciolo e Guilherme Boulos têm todos uma taxa de rejeição de 15%, enquanto Eymael é rejeitado por 14% dos eleitores ouvidos. Vera Lúcia ficou com 13% de rejeição e João Amôedo tal como João Goulart Filho, 12%.

2% dos eleitores inquiridos rejeitam todos os candidatos e aqueles que votariam em qualquer um perfazem 1%. Três por cento não sabe ou não quis declarar candidato que rejeita.

*

As pesquisas eleitorais não são instrumentos de previsão, mas sim instrumentos de diagnóstico e análise devendo ser avaliadas consoante o momento em que são realizadas. Os estudos analisam, por outro lado, uma amostra que tenta ser proporcional às características do todo, mas os resultados dessa amostra são sempre e em última instância uma generalização: 19.552 eleitores inquiridos pelo Datafolha não são, naturalmente, os 147.306.275 brasileiros que estão aptos a votar na primeira volta das presidenciais. É aqui que se pressupõe a margem de erro.

É ainda preciso considerar que nas pesquisas de intenção de voto não é possível estimar o índice de abstenção, quando os eleitores não comparecem à votação. Nas eleições de 2014, a abstenção foi de 19,4%, um pouco maior que o percentual, um pouco maior que o percentual de 2010, quanto 18,1% dos eleitores não compareceram às urnas.

Sobre as pesquisas eleitorais e o seu poder numa campanha: AQUI.

Sobre o que esperar sobre as hipóteses de acertos e erros dos institutos de pesquisa nas eleições de 2018 no Brasil: AQUI.


Crónica n.º 10

Há duas pequenas boas notícias…

Por Renato Janine Ribeiro*

Haddad

Há duas boas notícias. A primeira é que Bolsonaro não se elegeu no primeiro turno. A segunda é que praticamente todos os eleitores de direita e do autointitulado centro que iriam passar para ele, já passaram. Para Alckmin, do PSDB que era o segundo ou terceiro maior partido do Brasil, ficar abaixo dos 5%, e para Marina, que nas duas últimas eleições poderia ter vencido, e teve 20% dos votos, cair a menos de 1%, é porque muitos de seus simpatizantes voaram para outros nomes, em última análise, para o próprio Bolsonaro. A hemorragia já ocorreu.

Porém, o resto são apenas más, péssimas notícias.

Bolsonaro ficou a um passo da presidência. Pesquisas divulgadas hoje dizem que a maior parte dos eleitores de Alckmin e Marina votará em Haddad, do PT, sucessor nas urnas eletrônicas do presidente Lula, preso e impedido de candidatar (teria vencido as eleições, é quase certo). Mas não bastará. Haddad precisa que todos os eleitores não fascistas lhe deem seu apoio, o que hoje parece impossível.

Porque se somaram duas divisões, nesta eleição. Primeira, a cisão entre quem apoiou o impeachment de Dilma, em 2016 (que muitos, inclusive eu, chamamos de golpe, porque inverteu completamente as políticas aprovadas pelos eleitores em 2014), e quem foi contra ele. Segunda, a divisão entre quem apoia a extrema-direita, fascista segundo muitos, com uma pauta extremamente contrária aos direitos humanos, e quem defende estes últimos.

O problema é que estas duas divisões são diferentes. Há quem defenda os direitos humanos e se oponha ao golpe: votará em Haddad. Há quem seja contra os direitos e defenda o golpe: vota em Bolsonaro. E há, finalmente, quem apoia os direitos humanos, mas também o impeachment: sua tendência logica pode ser a abstenção ou o voto em branco. Se Haddad conseguir somar apenas seus votos e todos os de Ciro Gomes (o que já não é fácil), não ganha as eleições. Precisa do apoio de gente que repudia o PT, por considera-lo um partido corrupto, mesmo que tenha aversão a Bolsonaro.

Uma saída parcial, mas importante, é o PT procurar tirar votos do próprio Bolsonaro. Parte dos possíveis eleitores de Lula foi votar na extrema-direita. Talvez, na verdade, a única força capaz de conquistar votos bolsonaristas seja o próprio PT. Se Lula estivesse livre, mesmo que inelegível, ele faria isso com gosto e provavelmente com sucesso. Mas, sem ele, não é fácil.

E note-se que a esquerda brasileira, essa tímida centro-esquerda composta do PT e de Ciro Gomes, perdeu de longe nas eleições para o Senado, que renova dois terços este ano, a Câmara de Deputados, os governos e assembleias estaduais. Não sei se lhe serve de consolo o fato de que de modo geral os partidos e candidatos tradicionais saíram perdendo. Foram ladeira abaixo a centro-esquerda, o centro e a direita: tudo o que passa à população a impressão de ser do Establishment. Em vários Estados, venceram – ou se posicionaram bem para o segundo turno na disputa dos governos locais – nomes de novatos e neófitos.

É uma renovação de nomes, embora não de práticas políticas. Na verdade, o mais inquietante é que triunfa o retrocesso nos costumes. A eleição foi em boa parte disputada com base em questões ditas morais. O que os vitoriosos mais repetiam era que não queriam homossexuais, nem liberdade das mulheres, nem aborto, nem cotas nas universidades e empregos para negros e indígenas. Essas pautas foram associadas ao PT e mesmo ao PSDB, partido cujos quadros históricos tiveram um compromisso muito sério com os direitos humanos. Um sinal de que até aí as coisas mudaram é que no mesmo PSDB o ex-prefeito de São Paulo, que disputará o segundo turno para governador do mesmo estado, João Doria, não tem compromisso com os direitos humanos e, desde a semana passada, já estava sacrificando o candidato presidencial de seu partido, ex-governador Alckmin, e indicando sua opção por Bolsonaro. Seria inimaginável que algum líder histórico do PSDB fizesse essa transição. O próprio presidente Fernando Henrique Cardoso já insinuou, semanas atrás, que num segundo turno entre Bolsonaro e Haddad, apoiaria este último, candidato do PT. É possível que FHC, como ele é chamado, coloque algumas dificuldades ou condições para esse apoio, mas seria impossível ele apoiar Bolsonaro, e mesmo uma posição de neutralidade de sua parte é difícil de conceber no caso de alguém que tem uma história com os direitos humanos.

Então, o roteiro para derrotar Bolsonaro passa, primeiro, pelo compromisso do eleitorado não fascista de não apenas não votar nele, mas de votar contra ele. Segundo, pela capacidade do PT de retirar votos do próprio oponente, o que pode ser facilitado – um pouco – pelo fato de que a onda bolsonarista desta semana não chegou até a praia, e assim pode haver um refluxo, uma decepção de gente que o seguiu sem pensar muito. Terceiro, é fundamental deslocar o debate da questão dos costumes, onde Bolsonaro deitou e rolou, como aqui se diz, para a dos programas sociais, nos quais o candidato tem posições muito impopulares. Quarto, é preciso que Haddad, que subiu meteoricamente nas intenções de voto como duplo de Lula, exponha agora cada vez mais sua identidade. O próprio Lula só ganhou as eleições quando deixou de ser quem o partido queria que ele fosse, para ser ele. Lição que o PT deve agora aprender, parando de impor caminhos a quem, em última análise, é o único capaz de derrotar o retrocesso. E finalmente, a responsabilidade não é somente do PT. É de todos os que defendem os direitos humanos, em que pesem as restrições que tenham ao partido de Lula. Teremos três semanas de muito suspense. O thriller Brasil 2018 ainda não terminou.

* Renato Janine Ribeiro é  professor de ética e filosofia política na Universidade de S. Paulo (USP) e na Universidade Federal de S. Paulo (UNIFESP). Foi ministro da Educação do Brasil (2015).


 Crónica n.º 11

Bolsonaro parte na frente

Por Renato Janine Ribeiro*

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Na quarta-feira, apenas três dias após um primeiro turno em que Jair Bolsonaro, o deputado de extrema-direita, teve 46% dos votos contra 29% de Fernando Haddad, as primeiras pesquisas – realizadas entre segunda e terça-feira – davam perto de 58% para o primeiro, contra uns 42% para Haddad. Mais grave que isso para os setores democratas, foram poucas as adesões dos candidatos derrotados ao ex-ministro da Educação de Lula.

Se Guilherme Boulos, do pequeno PSOL, à esquerda do PT, deu logo seu apoio, Marina Silva, que não obteve sequer 1%, Geraldo Alckmin, do ex-poderoso PSDB, Joao Amoedo, do ultraliberal Partido Novo, e Henrique Meirelles, o banqueiro que concorreu pelo MDB do presidente Temer, se calaram ou se negaram explicitamente a pregar o voto em Haddad, embora também tenham dito ou insinuado que não votariam em Bolsonaro. Já Ciro Gomes, o terceiro colocado na votação de domingo, com 12%, chamou Haddad de “presidente” ao atender seu telefone, mas viajou para a Europa esta quinta-feira, ficando assim fora da campanha.

Haddad parece estar isolado, enquanto os empresários cercam Bolsonaro. Já a mídia está perplexa. Apenas El País, que tem no Brasil uma edição online muito respeitada, se tem posicionado, editorialmente, contra a extrema-direita. Os jornais o Globo e O Estado de S. Paulo, às vésperas do primeiro turno, atacaram muito mais Haddad do que Bolsonaro. A Folha de S. Paulo atacou os dois.

O que causa estranheza, olhando o Brasil de uma perspectiva europeia e democrática, é, primeiro, que um candidato como o deputado e capitão alcance um tal cabedal de votos, impensável na Europa Ocidental (embora esteja ocorrendo na Hungria, na Polônia e, graças a uma coalizão quase absurda, na Itália que hoje tem ministros fascistas). E segundo, que não se produza de imediato uma aliança dos partidos republicanos, como diriam os franceses, ou democráticos, contra a ameaça de retrocesso social, político e civilizacional que paira sobre os brasileiros.

Fernando Henrique Cardoso estaria disposto a apoiar Haddad, mas desmentiu a informação neste sentido que deu o jornalista Gilberto Dimenstein. Alguns especulam que acabará apoiando. Mas o que sai nos jornais é que todo apoio será negociado. Quando pensamos na união republicana que se realizou em França, nos anos 2002 e 2017, contra o pai e depois a filha Le Pen, sem negociação, sem barganhas, sem ameaças, espontaneamente, contra o inaceitável, fica um travo amargo a denunciar a imaturidade da democracia brasileira.

Haddad enfrenta uma tarefa difícil. Não há precedente, nas seis eleições brasileiras entre 1989 e 2014, realizadas com a exigência de maioria absoluta que antes não existia, de um candidato mais bem posicionado na primeira volta perder para seu competidor. O caso de Mario Soares, que em 1986 conseguiu inverter o resultado da primeira volta que era favorável a seu concorrente Freitas do Amaral, passando de 25,4 para 50,7% dos votos, é raro mundialmente e desconhecido nas presidenciais brasileiras (embora em 1994 tenha acontecido algo dessa ordem na eleição para governador de Minas Gerais).

De que precisará Haddad, para vencer na segunda volta?

Primeiro, desligar-se da imagem de delfim de Lula, de seu indicado. A bênção do ex-presidente o levou a quase 30% dos votos, mas não consegue dar-lhe 50% mais um. Isso já está em andamento. Ele mesmo reduziu as menções a Lula e está substituindo a cor vermelha pelas nacionais, verde e amarelo.

Segundo, tranquilizar os mercados. Haddad tem sugerido que poderia nomear um grande empresário, como Josué Gomes, filho de José Alencar, que foi vice de Lula e lhe deu trânsito no patronato, ou talvez Marcos Lisboa, dirigente do Insper, poderosa faculdade de economia valorizada pelos economistas ortodoxos.

Terceiro, conter a tendência de vários petistas a, como disse alguém, serem carneiros que se apresentam com pele de lobo. Assim, José Dirceu, o ex-poderoso líder do PT que foi condenado por acusações de corrupção e que não fala com Lula há anos, disse que não bastava ao PT o governo,  precisava ter o poder – o que alguns entenderam até como sabotagem a uma candidatura que enfrenta o tsunami antipetista. Ou Gleisi Hofmann, presidente do partido, que atacou Ciro  Gomes durante a campanha dizendo que “nem com reza braba” o PT o apoiaria. Ou muitos anônimos que, no Facebook, veículo altamente politizado no Brasil, se deram aos esportes de atacar os eleitores paulistas, chamando-os de fascistas em bloco, ou mesmo de debochar dos que não votaram no PT. Esse processo de moderação da candidatura está em andamento.

Mas o difícil mesmo é ver que não existe, por parte dos outros partidos, uma reação em defesa das conquistas da civilização. É possível que seus líderes pensem que podem sobreviver tranquilamente a um governo Bolsonaro e até sair ganhando, diante de seu provável fracasso, sem pensarem no custo que o Brasil pagará.

* Renato Janine Ribeiro é  professor de ética e filosofia política na Universidade de S. Paulo (USP) e na Universidade Federal de S. Paulo (UNIFESP). Foi ministro da Educação do Brasil (2015).

** Fotografia retirada de SIC Notícias.


Debate Fórum Demos: Sobreviverá a democracia brasileira às eleições de 2018?

Após mais um debate do Fórum Demos, desta vez dedicado ao tema das eleições brasileiras deste 2018, publicar-se-ão agora algumas das ideias partilhadas e posições discutidas.

O debate, moderado por Gonçalo Marcelo (Investigador no CECH da Universidade de Coimbra e Professor convidado na Católica Porto Business School), decorreu na Cooperativa Árvore, no dia 15 de outubro pelas 18H30 e contou com a intervenção de Marcela Uchôa (Doutoranda em Filosofia Política na Universidade de Coimbra em regime de cotutela com a Universidade Federal do Rio de Janeiro, Vice-Presidente da APEB Coimbra e Professora de Ética e Filosofia do Direito na Faculdade Cearense), Pedro Bacelar de Vasconcelos (Deputado e Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República) e Álvaro Vasconcelos (Investigador Convidado IRI/USP, São Paulo 2014-2015; coordenador da obra ‘O Brasil nas Ondas do Mundo’).

No início, foi apresentado um pequeno vídeo com as declarações de Renato Janine Ribeiro (Professor de ética e filosofia política, cientista político e ex-ministro da Educação do Brasil – 2015), sobre a situação política do Brasil após a primeira volta das eleições, realizada no passado dia 7 de outubro.

O vídeo pode ser visto aqui ou, diretamente, na página do Youtube do Fórum Demos:


Debate Fórum Demos: Sobreviverá a democracia brasileira às eleições de 2018? – Síntese da intervenção de Marcela Uchôa

Debate Fórum Demos

Síntese da intervenção de Marcela Uchôa* no Debate Fórum Demos: Sobreviverá a Democracia Brasileira às eleições de 2018?, realizado no passado dia 15 de outubro na Cooperativa Árvore:

A  democracia  sobreviverá? 

Independente  deste  ato  eleitoral,  a  democracia  é  jovem,  precária  e  já  voltou  a  ruir  a  algum  tempo.  A  violência  contra  os  pobres,  indígenas,  mulheres  e  classe  trabalhadora  sempre  existiu  no  Brasil.  Houve  um  período  de  estabilidade  social,  de  acordos  transclassistas  do  PT,  que  parecia  poder  garantir  direitos  sociais,  ecológicos  e  políticos  para  a  população  negra,  trabalhadora,  indígena,  feminina  e  LGBT.  Mas  a  crise  rapidamente  acabou  com  essa  ilusão.  Ainda  era  no  governo  Dilma,  quando  se  começou  a  criminalizar  os  movimentos sociais  com  as  leis  antiterrorismo.  O  processo  do  impeachment,  os  julgamentos  arbitrários  no processo  contra  Lula  e  o  fracasso  da  investigação  à  morte  de  Marielle  Franco  demonstraram  o  fim  do  estado  de  direito  muito  antes  de  Bolsonaro  chegar  ao  poder.

Bolsonaro  é  só  a  cristalização  eleitoral  e  aceleração  destes  processos.  Depois  da sua  vitoria  no primeiro  turno  nas  eleições  presidenciais,  e  a  previsível  vitoria  no  segundo turno;  é  evidente  que  não  só  todas  as  conquistas  sociais,  mas  a  própria  democracia  eleitoral  esteja  em  risco.    Mesmo  que  Haddad  consiga  vencer  Bolsonaro;  liderará  um  governo  fraco  com  um programa  político  esvaziado  pelas  coligações  democráticas  impossíveis:  já  durante  a  campanha  deixou  cair  as  bandeiras  dos  impostos  sobre  fortunas  e  o  direito  do  aborto  para  agradar  alguns  eleitores  da  direita.  Uma  hegemonia  fascista  parece  à  beira  da  esquina.  Para  não  cair  em  desespero  é  preciso  entender  que  nem  todos  dos  58%  que  votariam  Bolsonaro  são  neonazis.

Podemos  diferenciar  três  tipos  de  pessoas  que  votam  Bolsonaro.  Existem  os  eleitores  fascistas  convictos,  votam  no  Bolsonaro  aqueles  que  sempre  foram  saudosos  do  regime  militar  e  que  vêem  nele  a  eliminação  da  democracia  como  uma  base  de  estabilidade  social  necessária  para  o  desenvolvimento  nacional  ou  acreditam  na  supremacia  branca.  Existe  também  a  parte  da  classe  media  reacionária;  que  vê  na emancipação  social  da  população  mais  pobre  um  ataque  ao  seu  status  social:  Votam  no  Bolsonaro  porque  não  querem  compartilhar  o  avião  ou  a  universidade  com  pessoas  pobres,  ficam  a  babá  das  crianças  em  condições  esclavagistas.  Mas  estes  dois  grupos  são  uma  minoria  da  população  Brasileira.  Existe  uma  terceira  categoria  que  vota  Bolsonaro:  aqueles  que  vêem  em  Bolsonaro  uma  voz  anti-sistema,  aqueles  que  querem  gritar  NÃO  contra  a  corrupção,  promessas  frustradas,  esperanças  de  ascensão  social  frustrada,  contra  as  alianças  duvidosas.  As  pessoas  pobres,  negras,  trabalhadores,  faveladas,  mulheres  que  votam  Bolsonaro.  A  esperança  da  democracia  deve  estar  nestas  pessoas  desta  categoria  que não  tem  interesse  pessoal  na  vitoria  de  Bolsonaro:  estas  pessoas  são  a  maioria  do  apoio  a  Bolsonaro, e  podem,  e  devem,  ser  ganhas  de  volta… Mas  para  isso  será  necessário  um  reorganização  da  esquerda,  e  uma  profunda  critica  interna, e o renascer da esperança de muitas outras “Marielles”, pessoas comuns, que acreditam que a mudança através da luta é possível .

* Marcela Uchôa cursa doutoramento em Filosofia Política na Universidade de Coimbra em regime de cotutela com a Universidade Federal do Rio de Janeiro, é membro colaborador do Instituto de Estudos Filosóficos, Vice-Presidente da APEB Coimbra (Associação dos Pesquisadores e Estudantes Brasileiros em Coimbra). Professora de Ética e Filosofia do Direito na Faculdade Cearense. Ativista de Direitos Humanos com ênfase em refugiados e movimentos feministas.


 Sobreviverá a democracia brasileira às eleições de 2018? – Síntese da intervenção de Álvaro Vasconcelos

Brasil

Síntese da intervenção de Álvaro Vasconcelos* no Debate Fórum Demos: Sobreviverá a Democracia Brasileira às eleições de 2018?, realizado no passado dia 15 de outubro na Cooperativa Árvore:

A violência de Bolsonaro!

A democracia brasileira corre um sério risco com a eventual vitória eleitoral do candidato da extrema-direita, antigo capitão do Exército, o medíocre Jair Bolsonaro, cujas declarações neo-fascistas faziam prever um esvaziamento rápido da sua candidatura.

Ele sozinho não seria nada, nem ninguém, mas encontrou apoio num conjunto de forças económicas e sociais interessadas em pôr termo à experiência social-democrata do Brasil, que foi iniciada na presidência de Fernando Henrique Cardoso e continuada pelas presidências do PT.

Impulsionam a sua candidatura os saudosistas do antigo regime militar, os sectores mais reaccionários dos evangélicos e os sectores económicos mais retrógrados.

As lideranças evangélicas conservadoras opõem-se aos avanços significativos que, no capítulo dos Direitos Humanos, nomeadamente dos direitos das minorias, ocorreram no Brasil, e a burguesia retrógrada quer cortes nos impostos e o fim das limitações ecológicas à exploração das riquezas da Amazónia. Encontraram apoio em vastos sectores da população inquieta com o seu futuro, dada a gravidade da recessão brasileira, desde as eleições de 2014, e a incriminação de líderes dos partidos que, desde o fim da ditadura, governaram o Brasil.

O processo de impeachment da Presidente eleita e a prisão de Lula criaram uma situação de extrema radicalização, que levou a uma polarização da sociedade, pôs em causa a convivência e a tolerância, essenciais à vida democrática. Num ambiente de guerra [civil] fria, banalizou-se um discurso violento contra os partidos democráticos, em particular contra o PT, acusados da corrupção generalizada e da impunidade da grande criminalidade que faz mais de 60000 mortos por ano.

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Como em todos os processos de emergência do fascismo, identificado o inimigo, ele é diabolizado, é-lhe retirada toda a humanidade e são-lhe atribuídos todos os males da sociedade. A violência escondida, numa sociedade injusta e fracturada, como a brasileira é canalizada para um projeto de poder anti-democrático, o que não é novidade, foi assim na Alemanha com a subida ao poder de um outro medíocre como Hitler.

Os discursos de ódio e medo de Bolsonaro, os seus apelos a armar a população e a que a polícia atire a matar, legitimam a violência dos seus apoiantes mais radicais.

Só com cinismo, imoral e soberbo, se pode afirmar que a erupção da violência escondida, com a eleição de Bolsonaro irá civilizar essa mesma violência.

Prova do seu contrário, são os actos graves de violência, a que já assistimos hoje, inspirados pelo discurso de ódio de Bolsonaro contra os seus opositores políticos, as mulheres, os homossexuais e os negros.

Uma das maiores mentiras de Bolsonaro é a promessa de que irá combater a violência com eficácia, armando a população e dando autorização à polícia para atirar a matar. Já hoje um número significativo de brasileiros são assassinados pela polícia e são vítimas de milícias. A eventual vitória de Bolsonaro só irá aumentar a violência e representa um sério risco para a vida de muitos.

Para o derrotar não basta esperar pela aliança de todos os democratas que, dada a atitude de neutralidade assumida por Fernando Henrique Cardoso e Ciro Gomes, parece, não vai acontecer. É necessário que Haddad alerte não só para o retrocesso democrático que a eleição de Bolsonaro representa, mas também para o agravar das desigualdades e da injustiça social, mas sobretudo é necessário que também assuma a bandeira da tolerância e se assuma contra o sectarismo e a violência.

* Álvaro Vasconcelos – Investigador Convidado IRI/USP, São Paulo 2014-2015; coordenador da obra ‘O Brasil nas Ondas do Mundo’.

** Imagem n.º 1: “Manifestação em São Paulo contra a violência cometida pelos apoiantes do candidato de extrema-direita Jair Bolsonaro” | Fonte: EPA/CM


 Sobreviverá a democracia brasileira às eleições de 2018? – Síntese da intervenção de Pedro Bacelar de Vasconcelos

 

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Síntese da intervenção de Pedro Bacelar de Vasconcelos* no Debate Fórum Demos: Sobreviverá a Democracia Brasileira às eleições de 2018?, realizado no passado dia 15 de outubro na Cooperativa Árvore:

Só faltam dez dias mas é ainda possível derrotar o candidato neofascista à presidência do Brasil. Para o conseguir, é preciso que muitos dos que votaram nele na primeira volta arrepiem caminho e decidam, no dia 28 de Outubro, votar em Fernando Haddad… ou, em alternativa, que optem por votar nulo ou em branco. Não há cinquenta milhões de neofascistas no Brasil. Muitos dos que votaram em Bolsonaro estão zangados com o PT e com as promessas que os seus governos deixaram por cumprir, estão exasperados com a insegurança que ameaça as suas vidas, estão cansados de uma corrupção endémica que a democracia veio expor de forma ainda mais flagrante e, claro, estão decepcionados com o fim de um ciclo de progresso inédito que permitiu aos Governos de Fernando Henrique Cardoso e de Lula da Silva tirar milhões de brasileiros da miséria mais extrema. Esta insatisfação não é uma singularidade brasileira. Bem pelo contrário! Só para enumerar os casos mais recentes, atente-se nos resultados obtidos pela extrema direita na Inglaterra, na América do Norte, na Áustria ou na Itália. Um antigo líder da KU-Klux-Klan, apoiante de Donald Trump e adepto dos “supremacistas brancos”, dizia sobre Jair Bolsonaro: – “Ele soa como nós”.

Indiferentes aos sinais que anunciam de forma cada vez mais assustadora a possibilidade de Jair Bolsonaro sair vitorioso da 2ª volta das eleições presidenciais, os democratas brasileiros continuam remetidos a uma passividade indesculpável. Não há tempo para ressentimentos e cálculos eleitoralistas de médio ou longo prazo. Se as forças democráticas não conseguirem transferir os votos dos seus tradicionais eleitores para Fernando Haddad e Bolsonaro assim conseguir ser eleito, ninguém sabe quando haverá de novo eleições no Brasil nem, se as houver, em que condições serão disputadas. A tudo isto, soma-se a descarada manipulação das redes sociais transformadas no veículo principal da campanha de Bolsonaro. Uma campanha empenhada na invenção despudorada de notícias falsas e caluniosas contra o seu adversário mas que o ajudam a subir nas sondagens

Tudo o que era interdito ou reprovável no mundo real – a violação da liberdade de consciência e da autodeterminação individual, o respeito pela reserva da intimidade privada ou pelo sigilo da correspondência, a calúnia e a difamação – tornou-se inocente ou vulgar no universo virtual. O debate, o contraditório, o benefício da dúvida renderam-se ao óbvio e à  ânsia de certezas. Não se trata de uma singularidade brasileira. Um triste fim aguarda as nossas democracias caso não saibamos enfrentar de forma resoluta e eficaz esta ameaça inédita e fatal.

* Pedro Bacelar de Vasconcelos – Deputado e Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República.


Crónica n.º 12

Nada de novo na Frente Eleitoral!

Por Renato Janine Ribeiro*

Haddad

Nada de novo na Frente Eleitoral! Mais uma semana se passou, e Bolsonaro, o candidato da extrema-direita que a mídia brasileira teima, ao contrário da imprensa internacional, em chamar de “direita”, atinge uns 60% das intenções de voto. Enquanto isso, seu adversário Fernando Haddad, civilizado, professor universitário, educador, patina nos 40%.

Nenhum dos candidatos que saíram da primeira volta, no espectro que separa a centro-esquerda de Haddad e a extrema-direita de Bolsonaro, deu apoio a Haddad. Somente Boulos, à sua esquerda, e Ciro Gomes, outro nome de centro-esquerda, o apoiaram. E Ciro o fez bem mais ou menos. Fernando Henrique Cardoso, embora cada vez mais isolado e mesmo desrespeitado no seu PSDB, que um dia quis ser social-democrata, prefere se colocar neutro.

Na melhor das hipóteses, os candidatos – e muitos dos eleitores – intermediários pedem um mea culpa do PT, por uma lista quase interminável de pecados, uns reais, outros imaginários. Reais: a complacência, senão a prática, da corrupção; uma gestão infeliz da economia, no governo Dilma. Não tão reais, ou nada pecados: a política de cotas para egressos de escolas públicas e, no seio destes,  descendentes de africanos e de indígenas; a ambição de fazer do Brasil uma referência internacional, o que Lula conseguiu, Dilma descuidou e Temer enterrou; os projetos econômicos ambiciosos, um dos quais resultou na descoberta do pré-sal. E a lista só aumenta. Em muitos casos, é apenas um pretexto para não formar uma frente antifascista em favor do candidato do PT.

Há tentativas dessa frente, umas vindo do PT e com o risco de serem linha auxiliar de um partido que se desgastou, outras que vêm de intelectuais ou de movimentos independentes. Mas até o momento nenhuma se firmou.

***

O que não comentei até agora: dos cinco principais Estados do Brasil, a centro-esquerda elegeu o governador em apenas um, Pernambuco, e ainda assim um aliado apenas circunstancial do PT – Paulo Câmara, do PSB. Pior que isso: nos quatro Estados maiores em população e riqueza, nenhum nome progressista foi para a segunda volta, que em quase todos eles está sendo disputada entre partidários do impeachment/golpe de 2016 e apoiadores de Bolsonaro. Aliás, nenhum dos finalistas nestas eleições está atacando Bolsonaro. A única diferença que existe está entre quem o defende exaltadamente e os que, como aqui se diz, “fazem a egípcia”, ficam olhando de lado como se não fosse com eles.

As casas legislativas federais e estaduais, todas elas renovadas, marcaram um triunfo acentuado dos grupos de extrema-direita. O sistema proporcional vigente no Brasil dificulta a obtenção de maiorias, mas o partido de Bolsonaro, uma agremiação antes minúscula, hoje é a segunda bancada na Câmara, e se ele for eleito logo ultrapassará o PT, hoje o maior grupo parlamentar (cada um tem cerca de 10% dos deputados). O poder é um ímã e Bolsonaro terá maioria, pelo menos nos primeiros meses ou ano.

Muitos já fazem seus cálculos. O empresariado e os partidos de direita se esmeram em dizer que ele não é tão feio quanto se pinta. Esperam poder negociar com ele. A esquerda alerta para a ilusão de Von Papen, que em 1933 recomendou Hitler como chanceler, imaginando que o grande capital o manipularia. Deu no que deu.

Na comparação com Trump, as instituições brasileiras são muito fracas. O Judiciário é extremamente tímido com Bolsonaro. São várias as acusações que ele acumulou ao longo dos anos, escapando de todas. Difícil imaginar que os poderes constitucionais consigam, ou mesmo queiram, refreá-lo.

Enquanto isso, ele mostra não ter controle sobre sua base. Afirma uma coisa, seu vice diz outra. Seu guru econômico multiplica declarações insensatas do ponto de vista da economia e inoportunas politicamente. Parece haver uma bagunça na possível futura liderança do País. O possível chefe da principal pasta ministerial, a da Casa Civil, prometeu demitir 25 mil ocupantes de cargos de confiança. Mas só existem 23 mil. Não perdeu o aplomb: demitirá 20 mil, disse. Há o fundado receio de que uma equipe totalmente despreparada assuma o governo. O Brasil já viveu isso com Collor, em 1990, e pagou caro pela aventura. Desta vez, a incompetência parece ainda maior. Mas o empresariado prefere não enxergar nada disso.

O deputado propôs ensino a distância para as crianças de seis anos: seriam alfabetizadas sem professor. Além do absurdo da medida, em termos pedagógicos, ela implica o fim da merenda escolar, do uniforme dos calçados entregues pelo Estado e que são decisivos para os mais pobres. Não se pensou, tampouco, que sem a escola as mães terão dificuldade em sair para trabalhar. A leitura que faço é que as políticas de governo são propostas de forma irrefletida, como jorros incontidos de fala.

Outro próximo de Bolsonaro recomendou o ensino, nas aulas de ciência, a par da teoria da evolução, da doutrina criacionista. Mais uma vez, é curioso que os empresários não tenham protestado. Sabe-se que a baixa qualificação da mão de obra brasileira tem a ver com a má qualidade das aulas de ciências. Mas, se parte delas vai ser substituída por religião, só poderá piorar a economia. Contudo, os empresários aplaudem as prometidas privatizações e descuidam da formação de mão de obra.

Esse, o quadro preocupante a uma semana das eleições. Possivelmente, o Brasil e vários de seus Estados vão eleger governantes não apenas conservadores, mas muito incompetentes. A crise brasileira somente vai se agravar.

* Renato Janine Ribeiro é  professor de ética e filosofia política na Universidade de S. Paulo (USP) e na Universidade Federal de S. Paulo (UNIFESP). Foi ministro da Educação do Brasil (2015).

** Fotografia retirada de agenciapatriciagalvao.org.br


Brasil: a Injustiça contra a democracia (*)

* Por Álvaro Vasconcelos

(*) Artigo originalmente publicado no Público, em 24 de Outubro de 2018.

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Se Bolsonaro não for derrotado todos sofreremos. Os brasileiros terão ainda mais razões de revolta contra as injustiças, nós todos porque não haverá um Brasil democrático.

A campanha eleitoral de Fernando Haddad tem-se concentrado na defesa da Democracia, das liberdades, da tolerância e na desmontagem da retórica securitária do candidato neo-fascista. A consciência de que há um risco sério para a Democracia e para o Estado de direito foi, pouco a pouco, impondo-se, mas parece não ser suficiente para derrotar Bolsonaro. E pode não ser suficiente porque muitos dos que nele votam, fazem-no por estarem indignados com a crise económica, com as desigualdades que ela revelou e pelo impacto que teve na qualidade de vida da classe média e dos pobres. E muitos responsabilizam, por tudo isso, a corrupção.

A indignação não é apenas brasileira, é mundial, e tem sido, na maioria dos casos, canalizada pela extrema-direita. A grande recessão de 2008 veio tornar claro que os grandes financeiros, com a conivência e a cumplicidade corrompida dos governantes, fizeram fortunas colossais especulando com as poupanças dos cidadãos. A consciência das desigualdades é um dos fatores que explica o descontentamento com os partidos políticos do centro esquerda e do centro direita e o sucesso dos partidos anti-sistema, incluindo o da extrema-direita neo-fascista.

No Brasil, as consequências da recessão de 2008, fizeram-se sentir de forma mais grave a partir de 2014. A incapacidade do Governo Dilma de lançar um new deal brasileiro, a crise aberta pelo processo de impeachment e o fracasso das políticas de austeridade de Temer, tiveram como consequência o Brasil ter hoje 13 milhões de desempregados, três vezes mais do que há quatro anos.

A corrupção reforça a consciência da desigualdade. Porém, ao dirigir-se o ódio pela corrupção contra os políticos, esconde-se a quem ela serve. Se há corrupção é porque há corruptores, grandes grupos económicos que corromperam a política e os políticos, que, através de doações ilegais para campanhas, colocaram no poder, em Brasília e nos estados da Federação, políticos atentos aos seus interesses.

A questão que os brasileiros antes de votar, indignados com as injustiças e a corrupção, deviam colocar é: qual dos dois candidatos terá mais condições para  melhor distribuir a riqueza do Brasil e combater a corrupção?

A violência de seguidores de Bolsonaro, as ameaças contra opositores, jornalistas e contra o próprio Supremo Tribunal, bem como o recurso à mentira como instrumento de campanha, tenderam a relegar para segundo plano a resposta à questão não menos essencial: que interesses representam os dois candidatos?

Haddad representa os sectores sociais-democratas do PT, os que querem uma regulação do capitalismo brasileiro e dar continuidade à política económica de Lula e de Fernando Henrique Cardoso, que retirou 40 milhões de brasileiros da miséria, deu-lhes acesso à educação e à saúde. Mas a política económica seguida não diminuiu substancialmente a desigualdade social , que com a recessão de 2015 se tem vindo a agravar-segundo o Banco Mundial só 10 países são, hoje, mais desiguais que o Brasil.

É compreensível que muitos brasileiros duvidem que “mais um” Presidente do PT possa combater a corrupção, mas há razões para pensar que pode. A corrupção foi o crime de políticos individualmente considerados, num sistema político de pulverização partidária que a facilita. O PT pagou um preço alto, mais alto ainda pagaram o PSDB e o MDB que quase desapareceram. A indignação com a corrupção cria condições para, em Democracia, se fazerem reformas políticas, se criarem mecanismos para a dificultar e para condenar os que se deixam corromper e os que corrompem. Foi a Democracia que permitiu o Lava Jato, na Ditadura militar tal não era, possível, nem passará a ser se for (re)instaurada.

Bolsonaro é um político medíocre que aparece, aos olhos de uma parte da população, como independente dos partidos e dos grupos de interesses que fazem do Brasil um dos países mais injustos do Mundo. Quando Paulo Guedes, o economista de Bolsonaro, ultra neo-liberal, admirador da experiência económica de Pinochet, diz que vai diminuir os impostos para os mais ricos, privatizar as estatais ou reverter conquistas sociais está a refletir os interesses do sector mais retrógrado e ganancioso da burguesia brasileira. O projeto de desmatar ainda mais a Amazónia que agrava o aquecimento global mostra que os interesses dos grandes latifundiários também movem Bolsonaro.

A corrupção não acaba com Bolsonaro, herdeiro do clientelismo dos Coronéis, já está demonstrado, designadamente, pela reportagem da Folha de São Paulo, que revelou o financiamento ilegal da sua campanha por empresários.

A razão por que Bolsonaro não aceita participar em debates televisivos prende-se com a necessidade que teria de expor as sua ideias para a Economia – de que diz nada saber -, o mesmo é dizer, para o futuro do Brasil. Bolsonaro tem medo que o voto dos brasileiros seja um voto esclarecido pelo debate [contraditório], tem medo que os brasileiros descubram o que se esconde por trás da sua violência verbal.

Se Bolsonaro não for derrotado todos sofreremos com isso, os brasileiros que terão ainda razões maiores para se revoltarem contra as injustiças, nós todos porque não teremos um Brasil democrático, empenhado na resolução dos grandes problemas mundiais, mas um “Brasil-problema”, que se poderá transformar numa nova Venezuela.

Nesta segunda volta da campanha tem havido um despertar da consciência sobre o que significaria a vitória de Bolsonaro para a Democracia brasileira, para os direitos das suas gentes, para a convivência pacífica na sua enorme diversidade. Será suficiente? Os democratas pelo mundo fora esperam que sim.

* Álvaro Vasconcelos, Antigo director do Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia; Coordenador da obra Brasil nas Ondas do Mundo.

** Fotografia retirada de ELPaís. Ricardo Moraes (REUTERS).


Os dados não estão lançados

Crónica n.º 13 – Observatório das Eleições Brasileiras, 2018

Por Renato Janine Ribeiro *

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Estamos a menos de vinte e quatro horas das eleições presidenciais mais tensas da história do Brasil. Ás 19 horas de domingo, em Brasília – começo da madrugada em Portugal – teremos provavelmente os resultados. Há semanas, as pesquisas marcaram clara vantagem do candidato Jair Bolsonaro. Mas uma virada começou estes dias. Se o pleito tivesse lugar daqui a uma semana, a vitória de Fernando Haddad se tornaria, talvez, provável. Por ora, é o imponderável.

Dois foram os eixos de conflito nesta eleição. Primeiro, o petismo vs o antipetismo. Lula pensou que o conflito se daria entre o golpe, que derrubou Dilma Rousseff em 2016 sob acusações especiosas (por isso, golpe), mas tendo como base política erros cometidos por ela na economia e na falta de articulação política. Como o golpe não trouxe a prometida cornucópia, Temer e os seus ficaram impopulares e os vários candidatos ligados a sua plataforma foram praticamente pulverizados na eleição.

Mas, se para Lula a oposição era entre golpe e antigolpe, para muitos a tensão se dava entre petismo e antipetismo. Aqui, por um lado, houve uma campanha implacável da mídia e da oposição, com o apoio a partir de um certo momento do patronato (mas penso que mais na última hora do que antes), para destruir a imagem tão favorável de Lula à saída do governo, em 2010. E por outro lado houve os erros do PT, não só na falta de liderança de Dilma, como também na condução da própria campanha.

Desde que Ciro Gomes se lançou candidato à presidência, em começos do ano, retomando um projeto seu da década de 1990 mas que ele tinha calado em deferência e apoio aos dois presidentes petistas, alertei que era imperioso ele e o PT se entenderem. Nenhum lado se empenhou nisso. Aparentemente, dois presidenciáveis petistas, Jaques Wagner, da Bahia, e o paulista Fernando Haddad, quiseram um acordo, talvez até dando a presidência a Ciro. Mas a cúpula do partido, com a presidente Gleisi Hofmann, e o próprio Lula, à altura já preso em Curitiba, apostaram mais alto.

Hoje, na véspera da eleição, parece que foi um erro essa aposta petista, que incluiu o golpe baixo de explodir alianças que Ciro já tinha negociado. Assim, a liderança do PT preferiu deixar o PSB neutro na disputa, a aceitar que ele apoiasse Ciro. Mágoas certamente ficaram, tanto que Ciro foi passear na Europa durante as três preciosas semanas do segundo turno.

O outro eixo de conflito foi fascismo vs antifascismo. Já antes da votação inicial, que se deu em 7 de outubro, vários – entre os quais eu e Álvaro Vasconcelos – alertamos que a pauta tinha mudado. Não era mais reverter o golpe e restaurar os projetos petistas. Devia ser barrar a extrema-direita, o que significava que o PT deveria alterar algumas de suas palavras de ordem, em especial as anti-PSDB. Com certo atraso, assim fez o candidato Haddad.

O atraso não foi culpa dele. O PT na verdade se dividiu historicamente entre uma posição purista e uma mais pragmática. Isso não quer dizer que a primeira fosse mais honesta que a segunda. O purismo com frequência é praticado por quem nada tem a perder, ou pouco, com uma derrota eleitoral. O pragmatismo pode ser escolhido por quem tem muito a perder, ou a ganhar, dependendo do resultado. Em 2002, a vitória pragmática foi altamente positiva para os mais pobres do Brasil. Persistir no purismo teria sido bom para a consciência moral de petistas mais abonados, mas não para os necessitados de políticas públicas.

Repetiu-se um pouco o dilema de 2002. Depois de perder três eleições presidenciais sucessivas, Lula avisou, por volta de 2000, que só disputaria se fosse para ganhar. Antes, ele era aclamado candidato, mas obrigado a adotar plataformas duras, radicais. Ele decidiu que queria vencer e, para isso, precisava de alianças. Teve um empresário como vice. Contratou um profissional do marketing eleitoral. Chamou a si a decisão sobre alianças e programas. Deu certo.

Desta vez, passada a primeira volta, Haddad foi forçado a perder tempo em discussões com uma cúpula um tanto purista. Basta um caso. A direita assumiu as cores nacionais desde a campanha pelo impeachment de Dilma. A esquerda aceitou isso, o que foi um erro, e vestiu o vermelho, outro erro. Após o segundo turno, adotou o verde-amarelo nacional. Pois não é que, dentro do partido, houve reclamações? Enquanto a campanha exigia que fosse para a rua, um radicalismo de ocasião a retinha dentro de gabinetes.

Os dados somente serão lançados amanhã, nas urnas eletrônicas. Se Haddad ganhar, será por uma virada de última hora, quase um milagre. Terá que construir sua governança. Se Bolsonaro ganhar, terá de início maioria no Congresso. O problema é que seu programa de governo é a confusão mais acabada que o Brasil já presenciou. Se aplicar metade dele, conseguirá brigar com os países árabes (superávit comercial nosso com eles: 7 bilhões de dólares) ao transferir nossa embaixada para Israel, e com a China (nosso superávit: mais de 20 bilhões) ao prestigiar Taiwan e ofender um regime que, parece, ele considera comunista. Aparentemente, os empresários que o apoiam batem na tecla única das privatizações e ignoram por completo a importância da educação, da ciência e da tecnologia no desenvolvimento econômico.

* Renato Janine Ribeiro é  professor de ética e filosofia política na Universidade de S. Paulo (USP) e na Universidade Federal de S. Paulo (UNIFESP). Foi ministro da Educação do Brasil (2015).


Não haverá futuro sem ciência

Crónica n.º 14 – Observatório das Eleições Brasileiras 2018

Por Renato Janine Ribeiro*

imagem USP

Esta segunda-feira, menos de 24 horas após a proclamação de Jair Bolsonaro como presidente eleito do Brasil, uma página no Facebook conclamava os alunos de engenharia da Universidade de S. Paulo a invadir a, mais esquerdista, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da mesma universidade. A violência de extrema-direita parece estar liberada. Embora muito disso sejam meras palavras, palavras são atos, geram realidades, como qualquer estudioso sabe.

E no entanto essa agressividade verbal e física contrasta com a ausência quase total, no dia da eleição e nos anteriores, de adesivos nos carros, de bandeiras nas casas, de camisetas com emblemas dos candidatos. Embora parte dos votantes de Bolsonaro se entusiasmasse com a plataforma de seu eleito, a grande maioria votou nele – ou em seu rival Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores – sem grande animação. O que é um dos raros aspectos positivos, talvez, no acontecido: uma caça às bruxas não parece ter apoio popular. A ver, de todo modo.

***

Enquanto isso, o que me preocupa, a par de uma pauta fortemente regressiva em direitos humanos, é a falta de futuro para uma economia em crise. Parte dos empresários, e da mídia, investiu na esperança de que Bolsonaro retire os controles estatais que ainda existem sobre a economia brasileira, o que libertaria o espirito animal dos empreendedores. Mas aqui há um enorme problema.

O problema é que muitos empresários brasileiros, mesmo ao criticarem a intervenção do Estado na economia, querem mais Estado! Querem que o Estado adote as políticas de seu gosto, entre elas, a privatização do que resta em suas mãos, a redução dos direitos trabalhistas (já bombardeados por uma reforma recente, mas que não aumentou o emprego), sociais e ambientais.

Não parecem ter noção de que uma pauta desse tipo pode dificultar exportações de produtos brasileiros. Com efeito, vários de nossos compradores são atentos cada vez mais aos direitos ambientais. Outros também valorizam as condições de trabalho. Além disso, caso se deflagre a anunciada perseguição aos LGBTs, as comunidades homossexuais de outros países, algumas delas com forte poder aquisitivo, poderão tomar represálias em relação a produtos brasileiros.

Dá vontade de repetir as palavras de Justin Trudeau, ao tomar posse como primeiro-ministro do Canadá e explicar a quem lhe perguntava por que nomeara um gabinete com metade de mulheres: “Porque estamos em 2015”. E de contrastá-las com a declaração de Bolsonaro, na semana passada, sobre seu desejo de regressar cinquenta anos no passado, ao que acrescentou: na segurança e nos costumes. Pois bem, é justamente nos costumes que ele pode, com sua proposta, criar problemas para a globalização da economia brasileira. Afinal, não foi esta semana que o presidente mundial da Apple disse o quanto é feliz por ser gay?

Para ninguém entender errado o que digo: nada disso impedirá a Apple de exportar para o Brasil. Mas pode reduzir a vontade da Apple, ou a de consumidores finais, de comprar produtos brasileiros.

Há coisa mais grave. Na pauta dos empresários, e do candidato agora eleito, educação, ciência e tecnologia primam pela ausência, para dizer o mínimo. Um general próximo a Bolsonaro defendeu que se ensine, aos alunos de 15 anos, o criacionismo, ao mesmo título que a teoria da evolução. Num país que tem na educação científica um dos gargalos para seu desenvolvimento econômico, isso representa um gigantesco salto para trás.

Já contamos com um grande problema, que é a carência de bons professores em geral, e de ciências em particular, na educação básica. Uma das críticas pertinentes ao enorme esforço despendido nos anos Lula e Dilma em prol da educação é que ela não repercutiu numa melhor qualificação da mão de obra: o grande aumento do emprego se deu sobretudo nas ocupações que requerem menor inteligência e capacitação.

Vejamos o que qualquer analista internacional da economia diz hoje sobre as chaves do desenvolvimento: que o fator isolado de longe o mais importante para o crescimento é uma boa educação. Ora, como melhorá-la, se a única ênfase do programa Bolsonaro na educação é acabar com a suposta influência de Paulo Freire na formação dos jovens?

Mais que isso, na semana passada divulgou-se um documento detalhado da Frente Parlamentar Evangélica, que conta com algo entre 25 e 35% dos deputados e apoiou Bolsonaro, pregando o fim da avaliação, pela CAPES, dos programas de pós-graduação consistentes em mestrado e doutorado. Esse é o único nível de educação, no Brasil, que conta com reconhecida qualidade internacional. A geração de patentes, que nos Estados Unidos é essencialmente dependente das empresas, aqui tem uma proporção bem maior resultante da investigação universitária. Essa demanda da frente parlamentar vai contra a melhor qualificação do trabalhador, necessária para a economia.

Resumindo: enquanto nossos empresários, e vários economistas a eles associados, insistem numa pauta tradicional de retirada do Estado da atividade econômica, os analistas internacionais enfatizam o papel da educação, bem como da ciência e tecnologia. Fora do Brasil – e no Brasil também, mas mais por parte de educadores, ou de economistas da educação, do que por parte de economistas do setor empresarial – sabe-se que o mais importante é educar.

Mas nada, no futuro governo, indica uma noção disso.  O primeiro nome indicado para o ministério, o ex-astronauta Marcio Pontes, não tem um currículo de investigador que chame a atenção. É quase um factoide, sua nomeação. Porém, o que mais me preocupa não é nem a ação do governo nesta direção. É que o patronato que apoiou ou apoiará o novo governo não prioriza essa área. Parece teimar em ficar atrasado, em relação às prioridades internacionais.

***

Comecei falando da possível invasão da melhor faculdade de ciências humanas do Brasil, esta segunda-feira, por extremistas de direita. Não posso esquecer que a radicalização do golpe militar no Brasil teve como um de seus importantes sinais, em 1968, o ataque por extremistas de direita à mãe desta faculdade, a então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da mesma USP, na época, por alunos da Universidade Mackenzie. De lá para cá, a FFCL gerou a FFLCH e mais sete institutos, a maior parte científicos, como de Matemática, Física, Biologia. Mas o espírito de ataque ao conhecimento de qualidade, na época, faz lembrar seu sucedâneo de hoje.

Nesta hora, além de defender os direitos humanos, é preciso também defender o conhecimento – até porque, se cinquenta anos atrás, os baixos salários e a falta de direitos trabalhistas apareciam como um insumo favorável ao crescimento econômico (ainda que dependente), hoje eles só ajudam a manter o atraso na economia.

Talvez, pela primeira vez na História, os direitos humanos e o conhecimento sejam, de maneira forte e consistente, relevantes para a produção de riqueza. Disso, infelizmente, o novo governo brasileiro não parece ter, ainda, noção.

* Renato Janine Ribeiro é  professor de ética e filosofia política na Universidade de S. Paulo (USP) e na Universidade Federal de S. Paulo (UNIFESP). Foi ministro da Educação do Brasil (2015).

** Fotografia: FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP). Retirada de Folha de S. Paulo.


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