Os valores de Abril num contexto de vaga autocrática: uma crónica sobre a 1º sessão do Ciclo “De Abril a Abril”, em Lisboa

O debate foi aberto por Álvaro de Vasconcelos, que começou por desenvolver o conceito de “vaga democrática”. Falou-se também de Samuel Huntington, que entendeu que a revolução portuguesa começou uma 3ª vaga democrática na Europa do Sul durante os anos 70, e que se estendeu nos anos 80 e 90 à América do Sul e à Europa Central.

O ex-director do Instituto de Estudos Estratégicos Internacionais observou no entanto que, desde o virar do milénio, vivemos um refluxo democrático, mais autocracias e degradação das democracias, isto é, mais democracias iliberais, como por exemplo a Hungria, a Polónia ou a Turquia.

Este ciclo de Conferências “De Abril a Abril” surge assim não numa vaga democrática, mas “no contexto da vaga autocrática”, considerou o moderador.

“A libertação é um ato de cultura”

Amílcar Cabral

Tony Tcheka deu início à Conferência falando sobre o processo de libertação e desenvolvimento da Guiné-Bissau, referenciando várias vezes uma das suas maiores figuras – Amílcar Cabral.

O autor elogiou a humildade, diplomacia e espírito de solidariedade do líder guineense, recordando episódios específicos. Contou como Cabral, numa visita ao Kremlin, conseguiu assegurar apoio para a Guiné-Bissau na sua luta pela independência, sem comprometer o país com a adoção do modelo económico da URSS; ou o trabalho desenvolvido por Cabral na Rádio Libertação, onde era locutor e transmitia mensagens tanto para os combatentes pró-independência como para os soldados portugueses:

“Esta luta é contra o mesmo inimigo, o inimigo que me oprime é o inimigo que vos oprime”

Tony Tcheka a citar Amílcar Cabral, ao falar sobre a Ditadura portuguesa e o regime colonial

Teve a palavra de seguida Maria Emília Prado. A Professora Catedrática de História do Brasil abordou a reação à Revolução dos Cravos num Brasil que passava por um Ditadura militar. Ditadura esta que viu inicialmente a queda do Salazarismo com bons olhos, como uma oportunidade de avançar os seus interesses comerciais em África. Isto permitiu que, em 1974, os principais jornais pudessem cobrir de forma positiva a revolução em Portugal, num momento em que a relação da imprensa com o governo de Brasília já era tensa.

Maria Emília Prado mostrou alguns cartoons do cartoonista brasileiro Ziraldo, publicados nos primeiros dias após a revolução. Nestes cartoons, o artista fala sobre a liberdade e a esperança que o espírito democrático que se vivia em Portugal se estendesse ao Brasil.

Cartoon de Ziraldo, publicado nos primeiros dias depois da Revolução dos Cravos

A especialista em História referiu ainda a complicada relação do novo governo democrático português com a Ditadura militar brasileira, no que diz respeito aos exilados políticos brasileiros em Portugal.

Não podendo estar presente, Guilherme D’Oliveira Martins deixou uma intervenção em formato de aúdio, em que frisou a “atualidade indiscutível” dos 3 D’s que guiaram a Revolução dos Cravos. Numa altura em que há recuos democráticos e emergência do extremismo político, democratizar, descolonizar e desenvolver continua a ser um mote atual.

Depois das três intervenções, abriu-se o espaço para o debate com o público, em que foi feita uma autoavaliação geral da democracia portuguesa ao nível dos 3 D’s.

Álvaro de Vasconcelos concluiu o debate, reforçando a necessidade, para construir o futuro, de aliar, como dizia Gramsci, “o pessimismo da razão com o otimismo da vontade”

Fica abaixo a transmissão na íntegra:

1.ª sessão do Ciclo «De Abril a Abril» | O impacto internacional do 25 de Abril: da origem da terceira vaga democrática ao futuro

A primeira sessão do ciclo de conferências “De Abril a Abril”, promovido pelo Forum Demos, terá lugar no Centro Nacional de Cultura, no próximo dia 27 de abril (5.ª F) pelas 18h00.

A revolução do 25 de Abril de 1974 trouxe a democracia a Portugal e teve uma enorme repercussão internacional, pelo impulso democrático e por ter posto fim ao império colonial. De 1973 a 1975, todas as colónias portuguesas em África declararam-se independentes. Quanto ao Brasil, a revolução democrática em Portugal galvanizou a esperança do fim da ditadura militar.

O derrube da ditadura em Portugal ficou a dever muito à luta dos povos colonizados pela liberdade. Uma luta não só política, mas também cultural.

Após o 25 de Abril, a língua portuguesa tornou-se um vetor para a construção de uma comunidade de valores assente nos princípios da democracia, da liberdade e garantia dos Direitos Humanos, princípios que nortearam a resistência às ditaduras e ao colonialismo.

No 1º debate deste ciclo, procuraremos compreender o impacto que o 25 de abril teve na Europa, em África e no Brasil, contando com a participação de Maria Emília Prado, Guilherme d’Oliveira Martins e Tony Tcheka, com moderação de Álvaro de Vasconcelos.

Maria Emília Prado

Professora Catedrática de História do Brasil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Possui Doutoramento em História Social/USP e pós-doutoramento em Ciência Política e História. Coordena, desde 2004, a realização do Colóquio Internacional Tradição e Modernidade no Mundo Ibero-Americano realizado no Brasil e em vários países europeus.

Guilherme d’Oliveira Martins
Administrador Executivo da Fundação Calouste Gulbenkian. Preside ao Grande Conselho / Conselho das Artes do Centro Nacional de Cultura; Académico de Mérito da Academia Portuguesa da História. Presidente do Centro Nacional de Cultura (2002 – 2016).

Tony Tcheka
Escritor guineense, poeta, ensaísta, jornalista, e consultor internacional. Presidente da AEGUI – Associação de Escritores da Guiné-Bissau, e analista e comentador da RDP – ÁFRICA em Lisboa.

Álvaro de Vasconcelos
Fundador do Fórum Demos. Diretor do Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia/EUISS (2007-2012) e do Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais (IEEI) de Lisboa, desde a sua fundação, em 1980, até 2007.