«Brasil, no nosso futuro», por Álvaro Vasconcelos

O futuro da democracia e do planeta vão ser decididos pelos eleitores brasileiros neste domingo

Não se pode subestimar o que está em jogo nas eleições brasileiras. O resultado da disputa eleitoral entre Lula e Bolsonaro não só é decisivo para a democracia brasileira como terá um impacto significativo na capacidade de enfrentarmos os desafios do mundo contemporâneo. É o futuro da democracia e do planeta que vão ser decididos pelos eleitores brasileiros.

O Estado de direito democrático sobreviveu a quatro anos de exercício de poder por um Presidente que elogia a ditadura militar, porque as suas instituições judiciais, nomeadamente o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral, preservam a sua independência.

Se o Estado de direito mostrou uma solidez superior ao que muitos pensavam, o mesmo não se passou ao nível das políticas públicas, dependentes do Governo e do legislativo.

Foram anos marcados pela catástrofe sanitária, com Bolsonaro a fazer campanha contra a vacina, o uso de máscara e as medidas de confinamento decretadas pelos governadores dos estados; pelo desmatamento da Amazónia e o negacionismo das mudanças climáticas, ao serviço dos sectores mais retrógrados do agro-negócio. Nos anos Bolsonaro foram destruídos 40.000km2 de floresta – um ecocídio.

Foram anos também de retrocesso social. Paulo Guedes, ministro das Finanças, procurou aplicar a receita ultraneoliberal de Pinochet, travando a ascensão social dos pobres, particularmente dos descendentes dos escravos africanos. Hoje, 62,9 milhões de brasileiros, cerca de 30% da população, vivem abaixo do limiar da pobreza, mais 15 milhões do que em 2014. O orçamento secreto de 19 mil milhões de reais retirados às políticas sociais e colocados à disposição dos membros do Congresso, que o utilizarão sem transparência, é um astronómico Mensalão.

Eleito com uma pauta securitária e de demagogia anticorrupção, como é próprio da extrema-direita populista, Bolsonaro armou as milícias do crime organizado e aumentou a insegurança. As imagens de Roberto Jefferson, ex-deputado, aliado do Presidente, a disparar e lançar granadas contra a polícia são o retrato da insegurança que o ódio bolsonarista criou.

Bolsonaro é fiel servidor, como ficou provado, dos três B: Boi (agro-negócio), Bala e Bíblia. Mitificado por pastores evangélicos pentecostais, procurou fazer avançar a pauta reaccionária de destruição das conquistas dos direitos das mulheres e da igualdade de género – projecto bem retratado no filme brasileiro Divino Amor, de Gabriel Mascaro, obra de ficção científica sobre um futuro dominado pela “ordem moral” teocrática. O projecto distópico do bolsonarismo enfrentou a oposição de uma poderosa sociedade civil que se mobilizou em defesa dos direitos garantidos pela Constituição democrática – as instituições culturais e científicas brasileiras, como as universidades, enfrentaram abertamente o obscurantismo, apesar dos cortes brutais no seu orçamento.

Mais quatro anos de poder neofascista no Brasil poriam em risco a independência das instituições e as liberdades, e aprofundariam a crise ecológica, social, securitária e a divisão entre os brasileiros.

Bolsonaro e seus aliados alimentam o projecto de controlo sobre o Supremo Tribunal, por via do aumento do número de membros. Para isso terá de ter o apoio do Senado, onde a sua influência aumentou e onde o orçamento secreto compra votos.

Lula e os seus aliados, como Simone Tebet e Marina Silva, são a alternativa a tudo que Bolsonaro representa. São defensores da separação de poderes, essência da democracia, simbolizados em Brasília pela Praça dos Três Poderes, desenhada por Lúcio Costa e onde ficam situados os três belos edifícios de Oscar Niemeyer, o Palácio do Planalto (sede do executivo), o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal.

Uma nova presidência Lula irá continuar a construir o Brasil que o fim da ditadura em 1986 prometeu e a Constituição de 1988 consagrou. O Brasil da liberdade e da democracia que precisa de ser consciente que “só é cidadão quem ganha justo e suficiente salário, lê e escreve, mora, tem hospital e remédio, lazer quando descansa”, como afirmou Ulisses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte, por ocasião da promulgação da Constituição.

Também o impacto internacional da vitória de Lula não deve ser subestimado. Seria mais um golpe na “internacional iliberal”, já enfraquecida pela derrota de Trump, que mostrou o perigo que representa para a paz com a guerra imperial de Putin na Ucrânia.

A derrota de Bolsonaro seria a afirmação do Brasil como uma voz da democracia no conjunto das potências que emergiram neste século, os BRICS: a Rússia rompeu brutalmente com os princípios da carta das Nações Unidas, a deriva identitária de Modi está a destruir a democracia indiana e Xi Jinping subverteu o limite dos dois mandatos.

É vital que o Brasil retome o seu lugar como actor prestigiado e influente do multilateralismo, num mundo policêntrico, indispensável à sua eficácia e necessária reforma.

As opções ambientais do Brasil são críticas para proteger o sistema terrestre e preservar a vida na terra. O envolvimento activo de Marina Silva, referência ecológica, na campanha de Lula é a prova da prioridade que o seu Governo dará às questões ambientais. Como Lula declarou, em artigo no Le Monde, “a Amazónia e a biodiversidade serão protegidas”.

A União Europeia poderá, com o Governo de Lula, construir com o Brasil uma parceria estratégica, aprofundando ao mesmo tempo as relações com o Mercosul, para promover um pacto global verde para travar o aquecimento global.

Para nós, portugueses, ter o Brasil como parceiro que partilha o mesmo credo democrático, humanista, social e ecológico será a ocasião para pensarmos seriamente o nosso futuro comum, rompendo com a retórica racista lusotropicalista.

[Este artigo foi publicado hoje no site do jornal Público. Encontra-se disponível aqui.]

«A Política Brasileira e Internacional – Uma análise da conjuntura» por Grupo de Análise de Conjuntura da CNBB

«Os tempos exigem muito cuidado com as análises de conjuntura. Não por outro
motivo que as complexidades que atravessamos, tanto no mundo como no Brasil, e nas dificuldades inerentes a apontar, de pronto, as causas e as consequências como se fossem resultantes apenas das ações políticas e econômicas. É muito mais. Há um conjunto de explicações e de fenômenos que se influenciam e se relacionam direta e indiretamente. Inobstante as fragilidades de qualquer explicação, vamos transformando-as em percepções acerca dos desafios e dos temas que surgem sempre em torno de uma ética
comum, compreender para transformar em torno do mesmo objetivo: o serviço e a presença da Igreja Católica em um mundo que nos exige cada vez mais fraternidade, caridade e comunhão»

Leia mais deste artigo do Grupo de Análise de Conjuntura da CNBB, aqui:

Este texto é um produto da equipa de Análise de Conjuntura da CNBB, de que faz parte Manoel Moraes. membro ativo do Forum Demos.

O grupo de autores do artigo é composto por membros da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, assessores, professores das universidades católicas e peritos convidados: Dom Francisco Lima Soares – Bispo de Carolina – MA, Pe. Paulo Renato Campos – Assessor de Política da CNBB, Pe. Thierry Linard de Guertechin, S.J. (in memoriam), Antonio Carlos A. Lobão – PUC/Campinas, Francisco Botelho – CBJP, Gustavo Inácio de Moraes – PUC/Rio Grande do Sul, José Reinaldo F. Martins Filho – PUC/Goiás, Manoel S. Moraes de Almeida – Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP, Marcel Guedes Leite – PUC/São Paulo, Robson Sávio Reis Souza – PUC/Minas, Tânia Bacelar – UFPE, Maria Lucia Fattorelli – Auditoria Cidadã da Dívida, Melillo Dinis do Nascimento – Inteligência Política (IP) e Ricardo Ismael – PUC/Rio.

O presente artigo foi anteriormente publicado em http://cnbb.org.br/analisedeconjuntura.

Debate online: O futuro da democracia brasileira (resultados das eleições & desafios)

No próximo dia 31 de outubro, o Forum Demos vai transmitir live, no Youtube, o próximo debate sobre os resultados da segunda ronda das eleições brasileiras e os desafios que se põem diante deles. Neste encontro sobre o futuro da democracia Brasileira, como naquele que foi realizado após a primeira ronda, vamos juntar cidadãos, académicos e ativistas, dos dois lados do Atlântico. Juntem-se a nós! Para aqueles que não possam assistir em direto, disponibilizaremos a gravação no canal do Youtube do Forum Demos.

O Tiravidas

Por Leonardo Costa

É importante vencer em  Minas Gerais. Os dois candidatos sabem isso.

Os algoritmos Bannon de Bolsonaro dizem-lhes que têm de se colar aos símbolos nacionais de Minas e, digamos, a figuras do liberalismo político brasileiro como Tiradentes. À inconfidência mineira.

De Tiradentes o presidente candidato [Bolsonaro] tem muito pouco. Se alguma coisa ele tirou, no mandato que está a terminar, foi vidas. Foi e é um Tiravidas!… Veja-se a gestão que fez da pandemia. Veja-se o suporte prestado a grupos paramilitares (milícias, com fortes ligações ao mundo do crime). Veja-se o assassinato dos povos originários do Brasil, a invasão das suas terras (com muito grilagem de títulos de propriedade falsos). Veja-se toda a postura em relação à Amazónia.

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De Tiradentes o presidente candidato [Bolsonaro] tem muito pouco. Se alguma coisa ele tirou, no mandato que está a terminar, foi vidas. Foi e é um Tiravidas!…

Em Minas e em todo o país é preciso dizer que o candidato Bolsonaro é, politicamente, um iliberal, um absolutista, alguém do antigo regime, contra a república. Aliás, apanhando-se com o poder absoluto, o caminho vai ser o da servidão, para a larga maioria dos brasileiros. Já agora, os amigos dele da internacional nacionalista (extrema direita) afirmam-se como iliberais. E todos eles, incluindo o candidato, são contra a separação dos poderes, são contra a separação da Igreja e do Estado, são contra a liberdade religiosa, são contra a liberdade em geral. Como bom absolutista, o próprio candidato diz que foi Deus que o colocou na presidência. Por outras palavras, que o poder que tem é de origem divina.

Em Minas e em todo o país é preciso dizer que o candidato Bolsonaro é, politicamente, um iliberal, um absolutista, alguém do antigo regime, contra a república.

E do ponto vista económico, a menos que se entenda criminalidade de mercado como liberalismo económico, também é difícil suportar que o candidato é um liberal e/ou a favor, digamos, da liberdade económica. E portanto, candidata-se por um partido que se diz de liberal mas que de liberal tem muito pouco. Mais uma das muitas Fake News ou notícias falsas. Como disse o candidato Lula no último debate, ele é o rei das Fake News. Diz-se politicamente um liberal porque lhe dá jeito. Se lhe desse jeito o contrário, diria o contrário. Aliás, diz coisas diferentes (e entre si contraditórias) para públicos diferentes. Os algoritmos do Bannon dizem-lhe que é assim que pode lá chegar.

E a uma semana do 2º turno, um esforço a fazer em Minas e em todo o Brasil, pelo candidato Lula, deveria ser o de espalhar Real News ou notícias verdadeiras sobre o candidato Bolsonaro, em particular nas redes sociais. Ir buscar todo o histórico gravado de dislates do candidato, dos filhos e da restante seita política durante o seu mandato. Que não sabia quantos mortos havia com a pandemia porque não era coveiro. Que para fechar o Supremo Trubunal Federal (STF) bastavam um soldado e um cabo (disse o filho, Eduardo Bolsonaro num vídeo). Etc. Foram muitos os dislates e estão gravados.

E a uma semana do 2º turno, um esforço a fazer em Minas e em todo o Brasil pelo candidato Lula deveria ser o de espalhar Real News ou notícias verdadeiras sobre o candidato Bolsonaro, em particular nas redes sociais. (…). Foram muitos os dislates e estão gravados.

Leonardo Costa

Porto, 23 de outubro de 2022