Uma Europa capaz de reverter o refluxo democrático

É preciso combinar políticas que sejam capazes de assumir o crescente empoderamento dos indivíduos e, ao mesmo tempo, garantir a justiça social.
Nos passados dias 10 a 12 de maio teve lugar, em Viana do Castelo, o seminário internacional do Forum Demos, “A Europa no Futuro da Democracia”, que procurou identificar as causas do ‘refluxo democrático’ e as forças que se lhe opõem, e que procurou ainda refletir de que forma a União Europeia poderia ser um ator importante na defesa da democracia e da justiça social.
Desigualdade, défice democrático e políticas de identidade na regressão democrática
O debate pôs em evidência que, desde o início dos anos 80, com a afirmação do neoliberalismo (com políticas a favor da desregulação dos mercados e a preponderância do capitalismo financeiro), a desigualdade de rendimentos nos países da OCDE não parou de crescer.
Nos Estados Unidos, os 10% mais ricos, que no final dos anos 70 detinham menos de 35% do rendimento nacional, em 2010 detinham já quase 50% do referido rendimento. A crise financeira de 2008 tornou esta polarização de rendimentos, nos países da OCDE, mais evidente. Com o colapso do sistema financeiro, as classes com médio e baixo rendimento, endividadas, foram as mais afetadas. A classe média, no total da população, tem vindo a diminuir nos países da OCDE, ao contrário do que se passa nos países que emergiram neste século, nomeadamente na China, na Índia e no Brasil até 2014.
Gerou-se um óbvio sentimento de insatisfação e insegurança em relação ao trabalho e à proteção social, incluindo na doença e na velhice, com um crescimento de desigualdades de rendimentos entre e dentro dos países, e que se traduz na degradação democrática a que todos temos assistido de na Europa e no Mundo. As desigualdades numa sociedade de consumo — como o são a generalidade das sociedades contemporâneas — refletem-se, também, e muito particularmente, no acesso à educação e à cultura.
Isto acontece num momento da história da humanidade em que os indivíduos nunca foram tão livres, nem nunca assumiram de forma tão clara o desejo de reivindicar a sua liberdade, empoderados que estão pela educação e pela sociedade de informação.
Por outro lado, a corrupção da política pelos grandes grupos financeiros e pelos chamados “imperativos do mercado”, criou a convicção de que não há alternativas à política neoliberal, o que retirou credibilidade não só aos partidos sociais-democratas, como também aos partidos do centro-direita.
A banalização da xenofobia, o medo do ‘outro’, as campanhas anti-imigrantes e islamofóbicas propagadas, em particular depois do 11 de setembro, pela extrema-direita e por partidos democráticos tradicionais — amplificados não só pelas redes sociais mas também pela comunicação social –, colocaram as questões de identidade e das migrações no centro do debate político.
Vivemos um período de refluxo democrático extremamente grave, um período de autocratização, com a emergência da extrema-direita em posições de poder e influência. O facto de alguns estados-membros da União Europeia estarem hoje a conduzir políticas que ameaçam o Estado de Direito, indica que a UE foi vagarosa, ou mesmo leniente, na defesa dos valores que constituem a fundação ética da União e que a distingue de um projeto meramente económico. A tolerância excessiva para com os estados-membros, que se têm vindo a tornar progressivamente iliberais, afeta gravemente a coerência e a reputação interna e externa do projeto europeu. Continuar a ler “Forum internacional de Viana do Castelo: conclusões”