Antes do apagar das luzes

BrasilAcordemos antes que as luzes se apaguem no Brasil. A normalização de Bolsonaro é uma ilusão, como aprendemos com Trump.

 

Como disse Milton Hatoum, recorrendo a Grande Sertão: Veredas, obra-prima de Guimarães Rosa: “Todo o caminho da gente é resvaloso… tenho medo? Não. Estou dando batalha.”

https://www.publico.pt/2018/11/03/mundo/analise/apagar-luzes-1849687?fbclid=IwAR3zZQhrLLUm7UNmNzUA94nmegZl4hU8O9T4-5GINjk970Bm4CWKOVfm5Cc

Contra-revolução autoritária: Brasil alerta máximo

 

O esfaqueamento de Bolsonaro, candidato da extrema-direita militar, é mais um alerta para as gravíssimas ameaças à democracia, num quadro de contra-revolução autoritária e nacionalista que põe em perigo a liberdade.

O atentado contra Bolsonaro não foi montado pelo seu partido, e as teorias conspirativas do próprio e dos seus adversários só servem para ocultar o proveito que o candidato pretende tirar dele. O incêndio do Reichstag, ato individual ou inventona Nazi, serviu os objetivos de Hitler. Vivemos o século XXI como se tivéssemos esquecido o século XX e as suas trágicas lições.

Vivemos o século XXI como se tivéssemos esquecido o século XX e as suas trágicas lições.”

A guerra civil fria que polariza o país desde a eleição de 2014, agravada pelo impeachment de Dilma Rousseff e a prisão de Lula, líder das intenções de voto, está a ganhar contornos cada vez mais violentos.
Dias antes de ser esfaqueado, Bolsonaro tinha declarado no Acre que iria fuzilar todos os petralhas (ou seja, os políticos do PT). Num ambiente em que os discursos de ódio de Bolsonaro se multiplicavam, a caravana eleitoral de Lula foi baleada, Marielle Franco foi assassinada e refugiados venezuelanos atacados.
Como noutros países democráticos, a via da extrema-direita para o poder não passa pelo golpe militar, mas pelos atos eleitorais, como na Áustria e na Itália. Instalada no poder, sozinha ou em coligação, vai paulatinamente destruindo as liberdades públicas, o Estado de direito e a convivência intercultural, como fez o PIS na Polónia, ou o Fidesz de Viktor Orbán na Hungria. É o que Trump gostaria de fazer nos Estados Unidos, mas tem sido impedido pela independência das instituições e pela sociedade civil americana. No Brasil, porém, os contrapoderes são mais frágeis e uma vitória de Bolsonaro significaria um regresso do autoritarismo militar.

O movimento Mulheres Contra Bolsonaro, com quase um milhão de membros, é a prova de que a sociedade civil brasileira está em movimento  para prevenir uma ditadura militar pela via eleitoral.

O que a extrema-direita odeia não são as eleições, pelo menos enquanto estão na oposição, mas a liberdade, a igualdade e a fraternidade. Esses valores fundamentais são apontados como responsáveis pela decadência da sociedade e a eles contrapõem o nacionalismo e a superioridade étnica. Bolsonaro, que é quem de forma mais transparente assume a natureza neofascista da sua ideologia, elogia a ditadura militar e expressa, sem pudor, o ódio e desprezo pelos direitos das mulheres, dos homossexuais, dos negros e dos emigrantes, a quem chamou “escória do mundo”.
Perante a gravidade da situação, como devem reagir os democratas?
Alguns, como se viu com o debate sobre o convite a Marine Le Pen para participar na Web Summit, em Lisboa, defendem a via do diálogo com a extrema-direita. Há quem acuse os que se opõem a esse diálogo de incoerência, pois não criticariam com o mesmo afinco os regimes totalitários de esquerda. Esquecem-se que a guerra fria acabou há quase 30 anos e que a hipótese de tomada de poder pelos comunistas é nula enquanto a da extrema-direita é bem real. Esquecem-se do grave erro da social-democracia e dos comunistas alemães, quando, perante a ameaça do nazismo, continuaram a ver-se como inimigos. Na Europa, a incoerência perante a extrema-direita está bem patente no Partido Popular Europeu, que mantém o Fidesz e o PIS no seu seio (sem que o PSD e o CDS clarifiquem a sua posição).
No Brasil, apoiantes de Bolsonaro, mas também de outras forças que se autointitulam liberais, classificam de comunista o Partido dos Trabalhadores. Mas o PT é um partido social-democrata de esquerda, que governou, apesar dos erros graves, sem pôr em causa a economia do mercado, tendo uma política de distribuição de riqueza para enfrentar a grave dívida social do Brasil. Maduro e Chávez estão muito mais perto do caudilhismo militar latino-americano que inspira Bolsonaro do que de Lula.
Para combater a extrema-direita é fundamental aplicar a lei: os apelos ao ódio e a propagação do racismo são crime. Para isso é preciso preservar o Estado de Direito e dar-lhe os meios para agir. Na Europa nem sempre tem sido feito assim, como se vê na lentidão com que as instituições europeias têm agido contra os governos da Hungria e da Polónia.

Para derrotar a extrema-direita é imperioso não só que a direita liberal supere a sua incoerência ética, mas também que a esquerda democrática supere a sua incoerência social.

No Brasil a situação é particularmente perigosa porque o Estado está muito fragilizado e com um judiciário politizado, mas silencioso sobre os apelos ao ódio e à violência, as Forças Armadas intervêm cada vez mais no debate político e há uma elite pronta a tudo para se manter no poder.
Não basta, no entanto, defender as liberdades e combater o racismo.
Para ganharem eleições, os partidos democráticos têm de enfrentar as graves distorções do sistema económico e financeiro e as gritantes desigualdades que provocam, o que explica a indignação das classes médias e a sua adesão a propostas demagógicas dos populistas. Para derrotar a extrema-direita é imperioso não só que a direita liberal supere a sua incoerência ética, mas também que a esquerda democrática supere a sua incoerência social.
A situação no Brasil é particularmente grave e deve ser vista como mais um alerta para a necessidade de travar os avanços da contra- revolução autoritária, o que só será possível assumindo que o risco é real e mobilizando a sociedade, sem sectarismo ideológico, para o conter. O movimento Mulheres Contra Bolsonaro, com quase um milhão de membros, é a prova de que a sociedade civil brasileira está em movimento  para prevenir uma ditadura militar pela via eleitoral.

Marine Le Pen e seus aliados derrotados em Portugal

 

O organizador da Web Summit, Paddy Cosgrave, retirou o convite a Marine Le Pen, como o nosso abaixo-assinado exigia, e, até hoje, não voltou [de novo] atrás com a sua decisão, pelo que  consideramos atingido o nosso objectivo essencial e, terminando a recolha das assinaturas, gostaríamos de agradecer a todos os que contribuíram para o sucesso desta campanha de um dia.

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Migrações: a extrema-direita não passará !

 

Em 2018, já morreram mais de mil pessoas na travessia do Mediterrâneo. Desde 1993, segundo o The Guardian, 34 mil pessoas morreram a tentar chegar à Europa. No preciso momento em que o Conselho Europeu reunia,a 28 e 29 de Junho, um pequeno barco de borracha com 120 migrantes a bordo, ia ao fundo, matando 100 pessoas. A OIM denunciou que a Argélia tinha expulsado e abandonado no deserto do Sara mais de 13 mil migrantes, muito do quais morreram (e recordemos as recentes revelações de que nos campos de retenção de migrantes na Líbia se pratica a escravatura).
Seria um sonho que os dirigentes europeus se tivessem reunido para criar um sistema que acabasse com a tragédia humanitária, que debelasse a cumplicidade europeia e tomasse medidas contra os Estados que não têm cumprido as decisões europeias em matéria de solidariedade no acolhimento de refugiados, como a Hungria ou a Polónia, que apoiasse os esforços das ONG que salvam vidas em operações de socorro naval no Mediterrâneo. Pelo contrário, porém, a agenda foi marcada pelas exigências da extrema-direita italiana anti-imigrantes e seus aliados da CSU alemã.

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Maio de 68: a revolta ameaçada

Por Álvaro Vasconcelos 

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As grandes reivindicações de Maio de 68 – pela liberdade, contra o autoritarismo, pelo direito a ser ouvido e a participar nas decisões – continuam hoje de uma enorme atualidade. Ao contrário de 68, marcado por ideais progressistas, a contestação é hoje assumida por forças diametralmente opostas: pelas correntes progressistas do #Metoo e de defesa da hospitalidade; e pelas correntes populistas.

Paul Ricœur, então reitor da Universidade de Nanterre, onde a revolta começou, escreveu na revista Esprit, referindo-se aos acontecimentos de 68: “O Ocidente entrou numa revolução cultural (…) porque questiona a visão do mundo, a conceção de vida subjacente à economia, à política e ao conjunto das relações humanas. Uma revolução que ataca o capitalismo não apenas porque ele fracassa na realização da justiça social, mas também porque consegue seduzir os homens (…). Uma revolução que ataca o niilismo de uma sociedade que, tal como um tecido canceroso, não tem outro objetivo que não seja o crescimento.” Dificilmente se poderia explicar melhor o que foi Maio de 68 em França e os anos 60 de muitos Maios, das manifestações pelos direitos cívicos e contra a guerra do Vietname, nos Estados Unidos, à Primavera de Praga. Continuar a ler “Maio de 68: a revolta ameaçada”

Maio de 68, 50 anos depois: a igualdade como horizonte utópico

Por uma feliz coincidência, a primeira das conferências do Ciclo Utopias Europeias tem lugar no mês em que se comemoram 50 anos de Maio de 68, movimento de revolta que se estendeu, nos anos 60, pelo mundo inteiro e que teve o seu momento mais espetacular em Paris, no mês de Maio de 1968. A década de 60 foi uma década de muitos “Maios” na Europa – nomeadamente, em Itália, na Checoslováquia, na Alemanha, em Portugal, em Espanha e na Bélgica (onde eu então vivia) nos Estados Unidos, com a emergência da contracultura hippie e dos movimentos pelos direitos cívicos e contra a guerra do Vietnam, no Brasil com as grandes manifestações contra a ditadura – as maiores, desde o golpe militar de 64 que tinha derrubado a democracia – e noutros países da América Latina.

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Lula: o passado do futuro

A prisão de Lula tornou ainda mais evidentes os paradoxos da crise política brasileira, a grave polarização da sociedade e o enorme descontentamento da sua classe média com os partidos políticos.

As políticas sociais de Lula criaram uma vasta nova classe média que, na oposição ao decadente sistema politico, representa, apesar da sua tentação populista, a melhor esperança para o futuro da democracia brasileira.

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Ghouta: A Responsabilidade de Proteger

 

Nos últimos dias, o mundo – que tinha dado a questão síria como resolvida com a queda dos principais bastiões do Daesh – acordou para a brutal realidade que muitos não queriam ver. A questão central da Síria não era o extremismo fanático nem o seu fugaz estado islâmico. A questão primária era o conflito entre um regime ditatorial brutal e os seus cidadãos. Na região de Ghouta, a cintura verde de Damasco, a resistência ao regime sobrevivia, para incómodo de alguns, a quatro anos de bombardeamentos.

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Jerusalem is our Future

 

Álvaro Vasconcelos

The recognition of Jerusalem as the capital of Israel, in violation of the decisions of the United Nations, is an attack against a city that, more than any other, is a world city.
In 2000 in Ramallah, Faisal Husseini, the late PLO leader,in a EuroMeSCo seminar, declared that Jerusalem should be an open city, with a municipality run jointly by Israelis and Palestinians. Faisal Husseini explained that in a city that is home to the sacred sites of more than 2 billion inhabitants of the world – the ruins of the Temple of Solomon, the Mosque of Al-Aqsa or the Holy Sepulchre – only a shared management would guarantee peace and the free access of all.

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