
A cerimónia de passagem da faixa presidencial foi um momento de grande emoção. Uma afro-brasileira, descendente de escravos, ter colocado a faixa no Presidente Lula ficará para a História.
A tomada de posse de Lula é um acontecimento de repercussões globais na afirmação da vitalidade da democracia liberal, do triunfo dos ideais do iluminismo, da justiça social , da defesa do ambiente e da diversidade. Lula é uma esperança para o Brasil e o Mundo.
Lula é uma esperança para o Brasil e para o Mundo
A 30 de outubro, Lula foi eleito Presidente , com 50,9% dos votos. Bolsonaro contestou o resultado das eleições, seguindo o exemplo do seu mentor Trump. Assim que os resultados foram conhecidos, para travar qualquer tentativa de golpe, os Presidentes americano e francês e o Chanceler alemão felicitaram o presidente eleito. Biden declarou imediatamente as eleições “livres, justas e credíveis” e Macron realçou mesmo que a eleição de Lula abria “uma nova página na História do Brasil “.
O dilema internacional do Brasil será o de sempre: como conciliar a sua pertença ao mundo das democracias liberais, o chamado Ocidente, sendo simultaneamente um ator importante do Sul global, membro dos Brics (com a China, a Rússia, a Índia e a África do Sul). Esta dupla identidade poderá ser um trunfo, desde que assumida com equilíbrio – algo que é mais difícil agora que a Rússia de Putin invadiu a Ucrânia e continua a sua brutal guerra de conquista.
Após ter condenado a invasão russa numa primeira fase, Lula passou a fazer um discurso mais ambíguo, embora não alinhado com as posições de setores do PT que ainda têm uma visão bipolar do mundo, marcada pelo antiamericanismo. O Brasil será chamado, pelo menos nas Nações Unidas, a tomar posição. Se não se espera que alinhe a sua posição pela dos Estados Unidos e da União Europeia, não apoiar as resoluções condenando a violação pela Rússia da Carta, de que é um dos primeiros subscritores, seria afastar-se da sua tradição multilateralista e do campo das democracias liberais – numa altura em que é reconhecido como um dos seus.
Alguns conselheiros de Lula consideram que o Brasil poderia ter um papel de mediador na guerra da Ucrânia, uma ideia que não creio que possa ter qualquer sucesso. Não é no campo da segurança internacional que o Brasil é um ator de peso, algo que Lula deve saber.
Já no campo ambiental, o Brasil pode ser um ator muito relevante. Daí, aliás, que Lula tenha participado na Cimeira do Clima, apenas quinze dias depois de ser eleito. O entusiasmo com que Lula foi recebido na Cimeira é indicativa não só do prestígio de Lula, mas do domínio onde a ação do Brasil é considerada vital: a proteção da biodiversidade e a luta contra as alterações climáticas. É no ambiente que o Brasil é uma superpotência, é na questão climática que a sua posição é decisiva, sobretudo pela importância da Amazónia. A indicação de Marina Silva para Ministra do ambiente é a confirmação de que o desmatamento da Amazónia será revertida.
É no ambiente que o Brasil é uma superpotência, é na questão climática que a sua posição é decisiva, sobretudo pela importância da Amazónia. A indicação de Marina Silva para Ministra do ambiente é a confirmação de que o desmatamento da Amazónia será revertida.
O Brasil poderá ter um papel decisivo na construção do consenso entre os países do chamado Sul global e os membros da OCDE, fundamental para a saída do impasse em que se encontram as conferências do clima e para o cumprimento dos acordos de Paris.
A União Europeia deveria tirar partido do efeito Lula para concluir o acordo UE-Mercosul. Como defende o manifesto promovido pela Casa Comum da Humanidade e pelo Fórum Demos, o acordo deveria integrar um anexo com uma nova orientação estratégica, fazendo-o evoluir de uma relação essencialmente comercial para uma parceria que coloque o objetivo do clima estável no centro das relações birregionais, no que deveria ser um passo para o clima estável ser considerado património comum da Humanidade.
Em relação à China, o Brasil irá afastar-se da política americana, procurando ter as melhores relações possíveis com o seu principal parceiro comercial.
O Brasil continuará certamente a defender um multilateralismo mais inclusivo, que tenha em consideração o mundo policêntrico, pós-hegemónico, em que vivemos, no que poderá convergir com a visão da autonomia estratégica da Europa defendida pela França, o que não significa assumir uma visão ideológica da multipolaridade.
O Brasil não tem a sua ação internacional, onde ela pode ser significativa, entravada pelos Estados Unidos ou a União Europeia. Pelo contrário, será um ator bem-vindo, tanto no ambiente como na estabilização da situação económica e política na América do Sul (a normalização das relações entre os Estados Unidos e a Venezuela é uma boa notícia para a diplomacia brasileira). Certamente que será saudada o relançamento do Mercosul e da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica.
A presidência brasileira do G20, em 2024, poderá ser uma ocasião para dar um novo alento ao multilateralismo e fazer do combate à pobreza uma prioridade mundial.
A presidência brasileira do G20, em 2024, poderá ser uma ocasião para dar um novo alento ao multilateralismo e fazer do combate à pobreza uma prioridade mundial.
A coroar a presidência Lula, em 2026, quando Guterres for substituído por um latino-americano, porque não, enfim, uma Secretária-Geral, quem sabe uma brasileira.
É fundamental sublinhar que a consolidação da democracia no Brasil terá um efeito mundial, que, por si só, irá expandir a influência do país, que voltará a ser um exemplo a seguir – tanto mais que o sucesso do governo brasileiro depende da sua capacidade de demonstrar que é possível combater a pobreza e recusar os imperativos das políticas neoliberais.
Finalmente, o Brasil terá um papel decisivo, com repercussão mundial, no combate à extrema-direita e ao obscurantismo e na defesa dos direitos humanos. Por isso a vitória de Lula é saudada, como uma vitória do iluminismo contra a barbárie, por cientistas e homens de cultura do mundo inteiro.
O destino comum luso-brasileiro, para além da saudade, poderá então finalmente começar a cumprir-se .
A diplomacia cultural do Brasil acompanhará a da sua sociedade civil, cuja luta pela igualdade, contra o racismo, tem um enorme eco na Europa. Já em 2023 teremos em Portugal um bom exemplo disso mesmo com a entrega do prémio Camões de 2019 a Chico Buarque, que Bolsonaro tinha bloqueado.
O destino comum luso-brasileiro, para além da saudade, poderá então finalmente começar a cumprir-se.