O Brasil perante a pandemia – Resumos

Paulo Saldiva – diretor do  Instituto de Estudos Avançados da USP

Paulo Saldiva traçou o ponto da situação da pandemia no Brasil, com especial enfoque na cidade de São Paulo. Numa fase inicial, a doença foi importada para o estado paulista por pessoas que regressaram ao Brasil, após deslocações essencialmente à Europa. Numa fase posterior, a doença migrou da zona central para as zonas periféricas de São Paulo, onde habitam as pessoas com menos capacidade aquisitiva. Começa a verificar-se muitos falecimentos em indivíduos menores de 60 anos, particularmente em camadas sociais mais desfavorecidas – cidadãos que têm de arriscar mais em deslocações para o trabalho, etc. Há um evidente espaçamento geográfico da pandemia com base na classe socioeconómica dos habitantes. Trata-se de uma doença mais agressiva do que a estirpe H1N1 da gripe: em certos casos, verifica-se uma fibrose muito rápida do tecido pulmonar. Os hospitais podem perder capacidade de resposta em breve. Poderá haver mais casos e mortos do que o que é divulgado pelas entidades oficiais. O afastamento do ministro da saúde do Brasil foi um erro cometido por Bolsonaro.

Renato Janine Ribeiro – professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo

Renato Janine Ribeiro considera que o clima de ódio político que graça no Brasil bem como a polarização ideológica extrema presente nesse país são fatores que contribuem para a falta de uma resposta moderada e científica, por parte do governo, para com esta pandemia. Em geral, o Brasil tem uma cultura política muito pobre. Com essa cultura política pobre, há tendência para  se analisar tudo na base da dicotomia corrupção vs. não corrupção. Quando um governo é percecionado como não sendo corrupto (como é o caso do governo de Bolsonaro), beneficia de uma grande tolerância popular em relação às demais falhas. A grande pobreza económica no Brasil leva a que as classes mais desfavorecidas tendencialmente concordem com o não fechamento do país e da sua economia.

Pedro Dallari, jurista e ex-presidente da Comissão Nacional da Verdade

Pedro Dallari chamou a atenção para um paradoxo na política brasileira. Se, por um lado, existe um consenso acerca da absoluta incapacidade do Presidente em gerir esta crise, por outro, as forças políticas tradicionais mostram-se incapazes de desencadear os mecanismos de destituição do Presidente. Os traumas da destituição de Dilma Rousseff podem explicar este paradoxo. O sistema político encontra-se, assim, paralisado: perante um Presidente incapaz de governar, temos uma oposição incapaz de o substituir. Foi ainda assinalado o estímulo, trazido pela pandemia, para o fortalecimento da lógica multilateralista no mundo.

Mara Telles, professora de ciências políticas na Universidade Federal de Minas Gerais

Mara Telles considera que a falta de lideranças nas forças políticas tradicionais – reconhecidas e credibilizadas – não permite a viabilidade da solução de destituição do Presidente. Este, apesar do cenário trágico da pandemia, mantém um núcleo duro de apoio muito significativo de 33% dos eleitores. Há setores da população, nomeadamente os próximos das correntes evangélicas, que mantêm um apoio quase incondicional à governação de Bolsonaro. Neste cenário, a possibilidade da destituição está fora de hipótese.

Geraldo Adriano Campos, professor de relações internacionais na Universidade Federal de Sergipe

Geraldo Adriano Campos considera que não há qualquer consenso no respeitante à má prestação de Bolsonaro na gestão desta crise e que, pelo contrário, perante todas as evidências, persiste um núcleo de 33% de apoio fanatizado ao atual presidente. É necessário reconhecer a incompetência das forças de esquerda em criarem uma alternativa capaz de atrair a base de apoio do atual Presidente.

Francisco Seixas da Costa, Diplomata e antigo Secretário de Estado dos Assuntos Europeus

Seixas da Costa considera que, apesar de Bolsonaro não ter a necessária preparação para o cargo que ocupa, é um denominador comum a várias correntes que continuam a apoiá-lo. Os partidos tradicionais são incapazes de gerar uma alteração significativa do status quo. A destituição do Presidente não tem, assim, viabilidade. FSC deixou ao painel a questão de se saber se haverá a possibilidade de, no futuro, os militares tomarem o poder.

Marcela Uchôa, doutoranda em filosofia política na universidade de Coimbra, investigadora no Instituto de Estudos Filosóficos – IEF – UC

Marcela Uchôa salientou o papel das “organizações de base” que funcionam como um poder paralelo e que protegem as comunidades, impedindo que a crise pandémica se faça sentir em toda a sua violência, tendo afirmado que, neste momento de crise, é necessário reforçar todos os laços de solidariedade e de coesão social.

Isabel Valente, investigadora integrada do CEIS20- Universidade de Coimbra

Isabel Valente mostrou-se contra a comparação da atual crise sanitária com uma situação de guerra. Segundo a sua visão, essa comparação facilita a existência de abusos antidemocráticos. Fez saber que considera o papel dos militares como sendo muito importante na gestão desta crise. Realçou, ainda, a postura “digna” da oposição em Portugal, na forma como tem evitado fazer aproveitamento político da pandemia.

 Pedro Bacelar de Vasconcelos, deputado e docente universitário

Bacelar de Vasconcelos considera que o combate que está a ser travado, neste momento, não é só contra uma pandemia mas, também, entre a ordem internacional assente no direito internacional, a chamada ordem jurídica internacional, e uma nova ordem internacional, que mostra sinais de estar a aparecer e a prevalecer, baseada na decadência e na desordem das relações entre os Estados. Concluiu, dizendo que faz sentido falar-se na dicotomia entre barbárie e civilização, pois a antiga dicotomia esquerda vs. direita mostra-se insuficiente para explicar a totalidade do fenómeno político atual.

 

Álvaro Vasconcelos, fundador do Forum Demos e antigo Diretor do Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia

Álvaro Vasconcelos referiu que estamos a assistir ao renascimento do fascismo. Trata-se de um fascismo diferente dos antigos fascismos do século XX. Contudo, a marca fundamental – o desprezo completo pela vida – está bem presente e manifesta-se na gestão que alguns governos estão a fazer da atual crise pandémica. Segundo a visão de AV, outra marca deste novo fascismo pode encontrar-se no seu obscurantismo que nega a ciência, quer seja na recusa do aquecimento global ou na perigosidade da pandemia do COVID-19 e ainda no “ódio absoluto” à informação livre. Estas são as marcas de um novo fascismo ou, como AV concetualizou, de um “nacional populismo” que obriga a situar o debate em torno da dicotomia barbárie vs. civilização. Perante tudo isto, a Democracia encontra-se ameaçada e todos os democratas – quer de esquerda quer de direita – têm de se unir. Por fim, referiu o impacto que esta pandemia terá nos indicadores económicos e sociais. Relembrou que haverá milhões de pessoas, ao redor do mundo, a ficarem numa situação de desemprego e que países, como o Brasil e os EUA, onde a proteção social do Estado é baixa ou quase inexistente experienciarão ainda mais instabilidade social. Por outro lado, a pandemia está a mostrar-nos que fazemos parte de uma “Humanidade comum” e que, de igual modo, a resposta tem de ser “comum”. Nesse sentido, ao colocar o foco na informação rigorosa, na ciência e no multilateralismo, a pandemia poderá ser favorável aos democratas. No caso brasileiro, esta crise poderá vir a dar um novo folego às forças democratas que voltam a assumir o protagonismo, relegando as forças de índole autoritária para uma lógica defensiva e de justificação dos seus próprios erros. Há, portanto, razões válidas para a esperança.

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