Por Jorge Pinto*
Em 2018, poucas coisas poderão parecer mais utópicas do que uma economia não dependente do crescimento económico. Pensões, reformas ou subsídios públicos dependem do crescimento do país, equivalendo este a uma forma amoral – quando não imoral – de crescimento económico medido em termos de produto interno bruto. A partir de uma perspetiva ecologista, os problemas com este tipo de abordagem surgem imediatamente, seja porque o aumento do PIB não tem qualquer consideração em relação à sua origem – isto é, o PIB aumentar como consequência de um aumento das atividades poluentes – ou, desde logo, porque ao aumento do crescimento económico está, regra geral, associado o aumento do impacto ambiental. Poderá um rendimento básico incondicional servir de travão a este ciclo vicioso entre necessidade de crescimento económico e aumento do impacto ambiental como dano colateral?
A proposta de um RBI como ferramenta para uma transição ecológica da economia remonta aos anos 70 do século XX. Nessa data, Warren Johnson, contribuindo para o livro Toward the steady-state economy editado por Herman Daly, propunha um rendimento garantido como medida ambiental uma vez que este serviria para romper a ligação entre bem-estar e a necessidade de expansão ilimitada da riqueza material. Esta é, aliás, uma das principais razões pelas quais os ecologistas são o grupo político mais favorável à ideia de um RBI e é uma abordagem que choca com as políticas produtivistas: se é possível uma sociedade de bem-estar com uma economia estacionária, por que razão deve o crescimento económico ser a principal prioridade de um país?
São várias as razões históricas que ajudam a explicar a centralidade do crescimento de um país estar exclusivamente associado ao seu crescimento económico. Não sendo este o espaço para nos focarmos nessas razões, é interessante discutir uma das suas principais consequências e que pode ajudar a responder à pergunta colocada no anterior parágrafo: a centralidade do emprego em detrimento do trabalho. Embora muitas vezes utilizados como sinónimos e de forma intercambiável, os conceitos de emprego e trabalho são distintos na medida em que o primeiro exige uma remuneração e o segundo não. E se aos olhos da sociedade o conceito de emprego é aquele ao qual se deve dar prioridade – ou não fosse o “pleno emprego” uma das principais mensagens políticas da esquerda à direita – dificilmente alguém poderá argumentar que um pai ou uma mãe que fica em casa a cuidar de um filho não está a trabalhar e a dar um contributo à sociedade, independentemente do seu contributo para o PIB.
O foco no emprego está pois numa espécie de chantagem à volta do conceito e que divide os indivíduos em dois grupos: os que têm um emprego e “contribuem” e aqueles que não têm emprego e “não contribuem”. Ora, sendo o pleno emprego, contrariamente ao pleno trabalho, um objetivo extremamente difícil de alcançar, este padrão faz com que muitos indivíduos estejam empregados de forma contrariada enquanto outros que gostariam de estar empregados não o conseguem.
Mas mais, estando toda a economia dependente na criação de emprego e no crescimento económico, os Estados continuarão a procurar criar empregos independentemente da sua real necessidade – pense-se na quantidade de empregos que pouco ou nada acrescentam à sociedade, quando não são até nocivos – e independentemente do seu impacto ambiental. E é precisamente aqui que o RBI pode ter um grande impacto e contribuir para um futuro pós-produtivista. Reduzindo a pressão económica e até psicológica para a procura de um emprego, um RBI permitirá aos indivíduos a experimentação de outros trabalhos e até de outros modos de vida mais frugais, fora do ciclo de produção e consumo desenfreado no qual assenta o atual modelo capitalista; assim, seria devolvido aos indivíduos o tempo para que estes possam ser mais cidadãos e menos consumidores.
O RBI não terá como missão acabar com o produtivismo – e seria irrealista achar que tal poderia ser o caso – mas será certamente um elemento na transição para um modelo de economia pós-produtivista. Sê-lo-á tanto mais quanto mais ambicioso for o seu valor e quanto mais ambiciosas forem as medidas implementadas em paralelo. Imaginar um futuro pós-crescimento e pós-produtivismo exige que, para além de um rendimento básico, imaginemos também um rendimento máximo, uma redução do número máximo de horas laborais, leis que impeçam a intergeracionalidade da pobreza e da riqueza ou ainda a taxação substancial da utilização dos recursos comuns e das atividades poluentes (quando não a sua interdição). Todas estas medidas poderão parecer utópicas a curto-prazo mas num momento em que grande parte dos indicadores ecológicos estão já no vermelho, é essencial que sejam colocadas a debate. E o RBI, pela sua radicalidade, poderá ser a melhor maneira de começar uma discussão alargada sobre um futuro que se exige mais justo e pós-produtivista.
* Jorge Pinto é doutorando em filosofia política na Universidade do Minho, estando a preparar uma tese sobre o rendimento básico incondicional, em relação com as questões do consumo sustentável e da cidadania ecologista. É dirigente do LIVRE e co-autor, com Roberto Merrill, Sara Bizarro e Gonçalo Marcelo, de um livro sobre o rendimento básico (no prelo).