Rendimento Básico Incondicional: o debate sobre uma utopia realista em Serralves

Por Gonçalo Marcelo*

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A terceira sessão do ciclo Utopias Europeias: O Poder da Imaginação e os Imperativos do Futuro, a ter lugar em Serralves, no próximo dia 5 de Julho pelas 21.30, vai ser dedicada a debater o Rendimento Básico Incondicional (RBI) enquanto possível “utopia social”, algures entre o reforço do Estado Social (segundo os seus proponentes, sobretudo os de esquerda) ou o abandono às forças do mercado, acusação que os críticos muitas vezes lhe dirigem.

O debate é atual e merece ser aprofundado. A ideia por trás do RBI é, em si, radicalmente simples, e muito antiga. Fala-se na possibilidade de atribuir a todos os membros de uma determinada comunidade política (seja ela um país, ou um espaço  supranacional como, por exemplo, a União Europeia) um rendimento de forma regular, incondicional e irrevogável, sem exigência de qualquer contrapartida. Pretende-se com isto libertar as pessoas das chamadas armadilhas do desemprego ou da pobreza e atualizar os nossos sistemas de proteção social, preparando-os para um futuro onde talvez faça sentido desassociar o rendimento necessário à sobrevivência do trabalho remunerado, já que parece provável que, em virtude da quarta revolução industrial, venhamos a ter mais desemprego tecnológico e menos empregos disponíveis. Neste cenário, se se quiser evitar uma situação de aumento significativo dos níveis de pobreza e desigualdade, uma solução como o RBI merece ser ponderada.

Como argumenta Philippe van Parijs, este rendimento poderia ser o garante de uma “liberdade real para todos” já que forneceria o mínimo de condições indispensáveis para assegurar que as escolhas de cada um em relação ao modo de vida que pretenderiam adotar. Dispensaria a vigilância do Estado em relação às pessoas, não lhes impondo condições que muitas vezes são humilhantes e afastam das prestações sociais mesmo quem delas tem verdadeira necessidade. E permitiria remunerar atividades que muitas vezes não são reconhecidas como “trabalho” mas que não deixam de ocupar a existência de muita gente, como o trabalho reprodutivo, por exemplo o trabalho doméstico não remunerado. Isto para além de, em teoria, libertar tempo para que as pessoas se pudessem dedicar a outras atividades como as causas sociais ou cívicas ou, por exemplo, o trabalho criativo não monetizável, ou ainda gerir com maior à vontade a entrada ou saída do mercado de trabalho (mais facilmente pontuada por períodos de formação em que não se trabalharia mas ainda assim se teria dinheiro para viver) e a possível reconversão das carreiras.

É claro que para tal possibilidade se concretizar, o rendimento teria de ser apropriadamente básico, isto é, acima do limiar de subsistência, e os moldes e montante do mesmo teriam que ser fixados de forma realista. A maior parte das propostas apontam para que ele fosse atribuído de forma mensal; em Portugal, essa estimativa apontaria para um rendimento a rondar os 450 euros por mês, não sendo no entanto de excluir que, numa primeira fase, ele fosse introduzido de forma gradual, partindo de um limiar mais baixo e sendo paulatinamente aumentado. De igual forma, são várias as hipóteses de implementação, seja a nível nacional, ou europeu (por exemplo através da proposta de criação de um eurodividendo financiado pelo IVA), bem como as possibilidades de financiamento, que variam entre reformulações do IRS até à criação de impostos verdes, passando por eliminação de alguns subsídios da Segurança Social que, com o RBI, se tornariam redundantes.

No entanto, esta não é uma ideia consensual e está obviamente em tensão com outros ideais e modelos de sociedade, mais assentes nos direitos laborais e no objetivo do pleno emprego. Em Serralves, na sessão de 5 de Julho, estará como orador principal Guy Standing, um dos maiores especialistas mundiais sobre o RBI. Standing advoga que a existência de uma grande massa de pessoas em condições de precariedade, classe à qual chama o “precariado” força-nos a pensar em novas formas de segurança económica. O precariado vive fora dos esquemas tradicionais de proteção social e seria, por isso, melhor protegido com um RBI. No seu último livro, intitulado Basic Income: and how we can make it happen Standing descreve o ano de 2017 como o ano no qual o interesse pelo RBI se afirmou definitivamente pelo mundo, com a multiplicação de diversos projetos-piloto – incluindo o Finlandês, do qual tanto se falou. Esta disseminação do interesse teve em Portugal um dos seus momentos-chave, com a realização do 17º Congresso da Basic Income Earth Network (BIEN) em Lisboa, na Assembleia da República e no ISEG, em final de setembro, o que levou a que o tema fosse amplamente debatido na comunicação social.

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A sessão de Serralves, organizada em parceria com a 9th Summer School in Political Philosophy and Public Policy da Universidade do Minho, promoverá um debate aberto sobre o assunto, incluindo críticos e defensores. Desde logo, Francisco Louçã que tem consistentemente criticado o RBI a partir de uma perspetiva de esquerda, apontando o carácter demasiado oneroso da medida e a injustiça de se atribuir o mesmo montante a todos. Mas também Alan Thomas que, no livro Republic of Equals defende a ideia de uma democracia de proprietários baseada na reciprocidade. E ainda Martim Avillez Figueiredo, autor do primeiro publicado em Portugal dedicado a analisar a proposta do RBI, sobretudo a partir do pensamento de Van Parijs, Será que os surfistas devem ser subsidiados?

Neste debate, moderado por Roberto Merrill, Presidente da Associação pelo Rendimento Básico Incondicional Portugal, discutir-se-ão portanto questões fundamentais relativas ao futuro do trabalho, da proteção social, e dos valores e modelos de sociedade que queremos promover. Resta saber se o RBI é de facto uma utopia realizável enquanto política pública, e em que moldes. Em Serralves, pensa-se portanto, mais uma vez, sobre o futuro; e nesta discussão todos os contributos são importantes e bem-vindos.

 

* Investigador do CECH (Univ. de Coimbra), bolseiro de pós-doutoramento FCT (SFRH/BPD/102949/2014) e Professor Convidado na Católica Porto Business School

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