Por Ana Fonseca
A Internet é hoje o espaço onde nos movemos, fluídos por entre a informação que corre. Colocamos um pouco mais de nós na rede a cada dia, e dela retiramos outro tanto. Será inócua esta dinâmica e a tecnologia que a suporta?
GOOGLE. Lembra-se do que pesquisou no Google no dia 8 de junho de 2013? E a 14 de outubro de 2015? O Google lembra-se. Nesse e em todos os outros dias em que usou o motor de busca.
Por todo o mundo, certamente biliões de pessoas fizeram pelo menos uma pesquisa nesse dia. Alguns iam ao cinema e procuravam trailers para escolher um filme. Outros planeavam uma viagem. Alguém descobriu que estava doente e pesquisou sintomas e curas. Outros ouviram uma música e procuraram detalhes sobre aquela nova banda. Uma adolescente quis saber como fazer para não engravidar. Um jovem adulto procurou uma tshirt da moda. Alguém pesquisou sobre um livro. Outro alguém sobre o significado de uma palavra.
De todos estes cliques existe um registo. Todos eles, ao longo do tempo, constituem uma extensa e valiosíssima base de dados de desejos, vontades, movimentos, saúde – ou falta dela, preocupações e ansiedades da humanidade. Algumas estão inclusive publicamente compiladas, por períodos temporais, na ferramenta Google Zeitgeist que se dedica a analisar precisamente que perguntas faz o mundo inteiro ao Google.
Lembra-se o que pesquisou no dia 8 de junho de 2013? O Google não só se lembra como tem esse registo. Neste momento sabe mais sobre si do que o seu melhor amigo, a quem não colocou a questão que preferiu perguntar, anonimamente, à ‘Internet’.
FACEBOOK. Qual foi o última vez que viu algo revoltante no Facebook? Há tanto tempo que já não se lembra? Já reparou que é raro aparecer algo na sua cronologia a que facilmente não ‘fizesse’ um like? Sabe porquê? Quanto likes aqui faz por dia? O Facebook, tal como o Google, recolhe e cruza todos os posts, todos os likes, todas as imagens que alguma vez postou ou perante as quais reagiu. Nesses movimentos perpétuos constitui uma gigante base de dados a partir da qual define preferências. Depois, apenas ‘serve’ – ou torna visível’ aquilo que o utilizador potencialmente gostará. Para que continue a fazer likes.
YOU. Corria o ano de 2006 quando a Time o elegeu a si – “YOU” – como personalidade do ano, homenageando os milhões de contribuidores anónimos que construíam uma internet feita pelo e para o utilizador. Nessa altura, o utilizador é quem mais ordena numa rede construída à sua imagem, à medida que são da sua autoria os vídeos do Youtube ou as definições da Wikipédia. A tecnologia fazia antever um campo de todos e para todos que, através da inteligência coletiva reunida neste espaço público, seria capaz de tornar mais democráticas as sociedades que dela participam. A promessa de um espaço livre de todos e para todos. Quase perfeito. Nessa altura, o chamado jornalismo cidadão era uma promessa com futuro risonho. Vaticinava-se o fim do jornalismo tradicional já que cada utilizador, dotado das ferramentas necessárias – um smartphone e uma ligação à Internet – seria testemunho, repórter e divulgador dos acontecimentos que constituíssem uma notícia. Cumpriu-se esta promessa?
JORNALISMO.Em 2010, a página Wikileaks publicou uma série de documentos confidenciais oriundos do Governo Norte-Americano. O teor destes documentos acabou por ter grande repercussão mundial mas só depois de os dados terem sido entregues a jornalistas de vários jornais de referência espalhados pelo mundo, como o El País, o Le Monde, o The New York Times, ou o The Guardian, que trataram de os analisar, trabalhar e divulgar. Porquê? Aos documentos que gravitavam na web como biliões de outros faltava a capacidade de descodificar, relacionar, investigar, sob o signo da ética e deontologia que não assiste ao cidadão comum. Mais tarde, quando vieram a público os Panamá Pappers, a mesma dinâmica. A informação, uma imensa quantidade de dados dispersos, careceu da análise conhecedora e capacidade investigativa de jornalistas que a trabalharam e, só depois, foi tornada pública. Não basta ter acesso à informação. Não basta publicar informação. Nestas e noutras circunstâncias, a promessa do jornalismo cidadão nunca se cumpriu.
JORNALISTAS. Em Portugal, a grande maioria dos jornalistas é utilizadora das redes sociais simultaneamente nos âmbitos pessoal e profissional, misturando fontes e contactos profissionais e pessoais. 81%, de acordo com o estudo de Cátia Mateus “A utilização das Redes Sociais pelos jornalistas portugueses”. Balizada por um código deontológico, haverá algum tipo de incompatibilidade quando expresso intenções, preferências, tendências e perspetivas sobre um assunto que um profissional irá – idealmente de forma isenta – cobrir no futuro? Será necessário um novo código que defina como podem os jornalistas agir nas redes? Será esta a maior da limitação das liberdades hoje?
LIBERDADE. Hoje, na Internet, na profusão de informação que constitui esta utopia de sabermos alguma coisa, não faltam respostas. Para tudo. A grande questão, no entanto, reside, primeiro em querer, e, depois, em saber fazer as perguntas certas. Sim, (pelo menos no Ocidente ainda) podemos falar. Temos ferramentas para recolher, registar, editar, e divulgar em segundos. Mas isso faz de todos nós jornalistas? Ou públicos? É que, se todos estamos a falar, quem está a ouvir?